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Coverdale e seu Whitesnake naufragam em álbum com versões do Deep Purple

Combate Rock

15/06/2015 07h20

Marcelo Moreira

Ninguém levou a máxima "fazer cover de si mesmo" tão a sério quanto o cantor inglês David Coverdale. Integrante de duas de grandes marcas do rock – Deep Purple e o Whitesnake, cria sua -, nunca se importou com as críticas negativas, o que é um grande mérito. No entanto, esse mérito não é o suficiente para apagar os seus desastres.

"The Purple Album", a última e mais recente empreitada do vocalista que esbanjou competência e charme nos anos 70 e 80, é o maior de todos os seus equívocos. Desastre é pouco para qualificar a obra.

A ideia, estapafúrdia desde o início, era recriar com a atual formação do Whitesnake algumas das músicas que cantou quando fez parte do Deep Purple (entre 1973 e 1976).

Ele não poupou esforços e mandou ver em novas versões de "Burn", "Mistreated", "Stormbringer", "Love Child", "Lady Double Dealer", "You Keep On Movin"' e You Fool No One".

O resultado foi ruim. Parte dos arranjos originais foi mantida, com a já conhecida camada de produção e superprodução que caracterizaram alguns dos álbuns da banda. Mais do que forçado, soou muito artificial, sem vida, quase cafona.

O hino "Burn" ainda consegue se salvar, já que é uma de suas marcas registradas. A voz desgastada, mas ainda com alguma força, mantém o pique, ainda que precise dobrar a voz para cobrir a ausência muito sentida de Glenn Hughes na faixa original – como em todo o trabalho.

De resto, quase nada se salva. Muitos teclados se sobrepõe para simular arranjos pomposos, como em "You Fool No One", e falta traquejo nas guitarras para o funk/soul "Love Child".

O traquejo também sumiu em dois pecados, as interpretações de "Holy Man" e "You Keep on Movin"', originalmente cantadas na íntegra por Hughes no Deep Purple.

Coverdale sempre teve uma pegada bluesy e soul poderosa, mas nunca teve o mesmo desempenho no funk e o no groove, algo que Hughes tinha de sobra. Nas duas faixas, a voz do Whitesnake beirou o vexame.

A bela "Mistreated", outro hino do Deep Purple da terceira formação (chamada de Mark III), perde a imponência por conta de arranjos quase bregas, embora o esforço de Coverdale seja louvável em interpretar de forma entusiasmada. Ainda assim, ficou muito aquém do que se esperava.

"Lady Double Dealer" ainda soa vigorosa nessa regravação, mas a execução instrumental soa burocrática, assim como a produção em todo o álbum – produção, aliás, que surpreendeu nos dois últimos trabalhos autoriais do grupo.

Em "Good to Be Bad", de 2008, o Whitesnake surpreendeu com um álbum muito bom, recheado de músicas certeiras e uma produção mais comedida, que valorizava as guitarras e nem tanto os teclados.

Neste trabalho, Coverdale se acerta em um novo registro de voz, mais grave e bluesy, em um ambiente bem mais descontraído e interativo, com um som bem equilibrado entre o vintage e o moderno.

No álbum seguinte, "Forevermore", de 2011, a fórmula foi repetida, embora não tão brilhante – talvez a pressão por um grande desempenho para se equiparar ao anterior tenha pesado um pouco.

De qualquer forma, sem canções tão poderosas, "Forevermore" ainda tinha um sopro de inspiração e frescor. Se a fase ainda era boa, por que encarar uma empreitada de alto risco, como regravar pérolas do Deep Purple eternizadas em sua própria voz?

"The Purple Album" decepciona pelo desempenho e pela pouca disposição em acertar o tom. De cantores como Coverdale, Hughes, Dio, Ozzy Osbourne, Rob Halford (Judas Priest) e Bruce Dickinson (Iron Maiden) sempre esperamos no mínimo o melhor e o máximo, por maior que seja o risco de dar errado. E, quando dá errado, a decepção é sempre maior e mais dolorosa.

A situação é muito diferente quando ocorre com bandas que resolvem regravar clássicos do passado com roupagem mais moderna. A inglesa Saxon fez isso, e o resultado ficou razoável, já que a maioria está regularmente no repertório dos shows.

Coverdale decidiu cantar de novo Deep Purple 40 anos depois, passando a impressão de que, na verdade, a distância era de séculos. Eram suas próprias músicas, mas que estavam pálidas e enevoadas em seu cérebro.

O cantor está fazendo um trabalho elogiável em manter uma instituição como o Whitesnake na ativa, mas contribuiu enormemente para que os detratores dancem sobre os escombros de "The Purple album", ao municiá-los com argumentos suficientes para solapar iniciativas futuras.

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Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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