'SP Metal 1 e 2', as grandes referências do metal nacional, fazem 30 anos
Combate Rock
02/04/2015 07h00
Marcelo Moreira
Um lojista visionário e sonhador, moleques raivosos e inexperientes, falta de dinheiro, tempo escasso de estúdio e a total falta de noção de estar escrevendo um capítulo importante da história do rock nacional. As coletâneas "SP Metal 1" e "SP Metal 2" surgiram de um confluência de acasos, coincidências e acidentes, necessários e fundamentais para manter a aura cult das duas obras. Tinha de ser daquele jeito, senão não estaríamos celebrando os 30 anos do marco do metal nacional.
Luiz Calanca, o criador da loja/selo/gravadora Baratos Afins, deu o pontapé que faltava para que algum underground roqueiro surgisse, em contraponto com o insuportável mundinho das danceterias e suas modinhas passageiras e inúteis, copiadas da Inglaterra, e ao já esfarelado cenário punk paulistano, corroído por brigas e pancadarias entre facções rivais.
Era o despertar de uma juventude que ainda se digladiava com uma abertura política que se consolidava na primeira metade dos anos 80 – mas que foi lenta o suficiente para permitir a repressão ao movimento punk paulistano, que era restrito, mas que chamava a atenção.
Se a liberdade de expressão aos poucos era retomada, ainda havia ressentimentos dos conservadores, que não economizavam no boicote e na sabotagem das manifestações mais underground- e até o nascente pop rock da época sofreu com isso, com a censura de músicas de bandas como Titãs e Gang 90, entre outras.
O panorama melhorava com a abertura política do fim da ditadura militar, só que, para muitos, o que surgia estava muito longe do que parcela expressiva da molecada queria. Eram tempos de excrescências radiofônicas como a intragável "Você Não Soube Me Amar", da Blitz, e de surtos pop de gosto duvidoso, como "Menina Veneno", de Ritchie, e "Pequena Eva", versão tenebrosa do Rádio Táxi para um hit italiano.
Como o punk não emplacou, restou a esse "novo rock nacional", com tendência pop, dar uma escanteada nos medalhões acomodados da MPB, cada vez mais adesista e retrógrada. Havia algum humor inteligente e sarcástico nas letras de Titãs e Ultraje a Rigor, e bons ganchos pop nos Paralamas do Sucesso e Barão Vermelho, mas ainda faltava mais pancada e agressividade.
Cenário em formação
Já existia uma galera que venerava o heavy metal desde meados dos anos 70 em São Paulo, e o contingente cresceu quando cineclubes como o Carbono 14, no Bexiga, e outros na região da avenida Brigadeiro Faria Lima, começaram a exibir shows antigos de Black Sabbath, Deep Purple, Led Zeppelin e AC/DC, bem como algumas novidades, com um tal de Iron Maiden.
A rivalidade entre punks e rockers não permitia a expansão da música pesada, e os amantes do heavy não se sentiam representados pelo cenário musical nacional. Bandas pesadas existiam aos montes, mas sem a qualidade desejada para que conseguissem furar o bloqueio de gravadoras e da mídia.
Se havia referências de sobra para quem curtia o som pesado, faltava para quem trabalhava com música na época – lojistas, produtores e promotores de shows. Para estes, quem fazia – ou tentava – fazer som pesado por volta de 1982 ou 1983 no máximo criava um barulho insuportável, mal tocado e mal cantado.
Coube a Luiz Calanca enxergar alguma qualidade e energia rocker na turma da pauleira e criar um espaço para que pudessem tocar e até gravar. Era 1984 e não existia empresa, estúdio ou produtor que fizesse alguma ideia, no Brasil, de como captar o som barulhento, agressivo e muito pesado daquela turma. Tudo teve que ser na raça.
Com praticamente nenhum dinheiro, Calanca escolheu quatro bandas para registrar, cada uma, duas músicas para o que viria a ser o "SP Metal I". Foram convidadas Avenger, Vírus, Centúrias e Salário Minimo (as duas últimas ainda em atividade), que registraram seus takes em pouco mais de 60 horas, Qualidade de gravação e produção? Melhor deixar para lá, até porque o foco era outro – ainda bem. E o resultado acabou fazendo parte do empreendimento "cult".
A repercussão acabou sendo grande dentro do pequeno, mas fanático, ambiente do metal de São Paulo, mas que crescia de forma vigorosa. "SP Metal 1" mostrou o caminho e acabou por solidificar a cena do rock pesado em outros lugares do país, junto com as bandas cariocas de metal, como a Dorsal Atlântica. O mineiros de Belo Horizonte já tinham o seu "mundo", e viram que era possível estimular a cena de forma um pouco mais organizado, e para isso foi fundamental o apoio da loja Cogumelo, que mais tarde viraria selo e gravadora.
Espaço a ser preenchido
Calanca previa o lançamento da segunda parte do projeto, e ficou mais convencido ainda com a boa acolhida do primeiro volume, mas esperava um pouco mais. "O projeto todo foi maravilhoso, foi insano trabalhar naquelas condições, mas ao mesmo tempo instigante e estimulante. A galera estava muito a fim e todo mundo se ajudou. Não poderia ser melhor. A segunda parte tinha de avançar, e felizmente isso aconteceu."
Meses depois de lançar o primeiro volume e de ajudar no lançamento da estreia do Harppia em LP, Calanca sentiu que havia condições ainda mais favoráveis para o lançamento do "SP Metal 2". Com um pouco mais de experiência e informação, esperava não repetir alguns erros.
As bandas selecionadas estavam mais bem preparadas e conseguiram maior eficiência dentro do estúdio, embora as condições de gravação e produção não fossem muito diferentes do primeiro volume. Korzus, Santuário, Abutre e Performances foram as bandas que colocaram duas músicas cada, no começo de 1985.
"Foi uma batalha imensa realizar o 'SP Metal 2', não tínhamos muitas referências, não tinha internet, os LPs importados demoravam para chegar, os instrumentos não eram os adequados e para completar, quase ninguém tinha o conhecimento para se gravar rock, muito menos metal. Saiu na raça, e da maneira que tinha de ser, mostrando que todo mundo tinha uma puta força de vontade", narra empolgado Silvio Golfetti, ex-guitarrista do Korzus.
Companheiro de banda de Golfetti, Dick Siebert, até hoje baixista do Korzus, relembrou no programa de web rádio Combate Rock que havia uma efervescência musical na época. "Claro que ficamos empolgados. Alguém acreditou que o metal tinha gás suficiente para encarar uma cena e entramos de cabeça. Não foi fácil, era um mundo novo para todo mundo. As bandas ainda buscavam uma sonoridade que guardasse ao menos alguma semelhança com o que era feito nos Estados Unidos e na Inglaterra, cada uma buscava seu rumo, mas o resultado foi bem satisfatório."
O baixista tenta não ser definitivo a respeito da importância dos dois volumes do "SP Metal", mas não esconde que as duas bolachas foram cruciais. "Havia cenas importantes no Rio e em BH em 1983, 1984, o Stress surgiu bem antes, lá no pará, e gravou o primeiro LP heavy do país, tinha muita coisa rolando no Sul e mesmo o movimento punk em São Paulo mostrou um caminho a seguir, mas não tem como deixar de reconhecer: com o 'SP Metal 2' o som pesado colocava o underground na berlinda e dava uma visibilidade para o subgênero, digamos assim , que nunca havia tido."
Referência
Também em entrevista ao programa de web rádio Combate Rock, Ricardo Ravache, baixista do Centúrias, disse não ter dúvidas a respeito da importância histórica dos dois volumes "SP Metal". Mais do que vendas ou mesmo alguma visibilidade, tratou-se de dar credibilidade a um movimento que estava começando a despontar.
"Seria muita presunção achar que não existiria cena sem os dois álbuns, até porque em Minas rolava um lance bem legal, assim como no Rio. Entretanto, tudo parecia bastante difuso e o 'SP Metal' surgiu meio que para dar uma cara para o som pesado nacional. Chamou a atenção para um tipo de som que até então ninguém dava bola. Não foi o ponto de partida, mas foi a partir do lançamento deles que o mercado ficou sabendo, de uma forma mais ampla, que havia heavy metal no Brasil e em português. Foi um empurrão e tanto", diz Ravache.
O saudoso Hélcio Aguirra, o criador do Golpe de Estado mas que tocava no Harppia naquele tempo, foi mais enfático ao dizer o que achava dos primórdios do heavy paulista. "Cada banda procurava uma 'cara', seja copiando os gringos ou tentando fazer algo que soasse de forma decente com o que tínhamos á mão, que era quase nada. O 'SP Metal' deu uma cara para nós e jogou uma luz sobre músicos que buscavam alternativas ao pop, ao punk e à MPB. Se não foi o ponto de partida, com certeza se tornou a primeira e grande referência para o som pesado brasileiro."
Sobre os Autores
Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.
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