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Vento Motivo mostra coesão em seu novo CD - entrevista

Combate Rock

21/12/2014 19h00

Dum de Lucca – do site Jukebox

Fale sobre a origem e história da banda?

Fernando Ceah – Se confunde com a minha própria história dentro da música. Eu fui aquele moleque fascinado pelo universo artístico. Minha brincadeira preferida de criança era administrar minha carreira imaginária, minha discografia, agenda de shows, entrevistas. Pendurava uma vassoura no pescoço, outra servia de microfone, e o público era o espelho. Aos 15, 16, aprendi sozinho os primeiros acordes de violão, dois para falar a verdade, e logo de cara comecei a compor minhas próprias músicas, escrever. Desde então me dedico exclusivamente a elas. Meu negócio na música sempre foi compor e tocar minhas próprias coisas. Toco guitarra, violão, canto, em função da composição. Nessa mesma época montei uma banda na escola, na Pompéia, que logo veio a se chamar "Vento Motivo". Em 2003, com a entrada do Binho Batera lançamos o primeiro disco, que foi distribuído pela Trama. A faixa título, "Luciana Vai Pra Guerra", chegou a ficar entre as 100 músicas mais tocadas no Brasil em 2004. Fizemos um clipe com o Marcelo Nova, da música "Mais Uma Vez". O segundo disco, "Há Há", de 2006, 2007, foi lançado no olho do furacão provocado pelas mudanças e discussões acerca do que se transformaria o mercado da música depois do mp3, das redes sociais e das novas formas de consumir música. O rock perdia cada vez mais espaço, mas paradoxalmente, foi a época em que mais trabalhamos da maneira tradicional, viajando como dava e divulgando o disco de rádio em rádio, na raça. Assim tornamos a banda muito conhecida em várias regiões do sul e sudeste, o que gerou uma boa base de fãs que está sempre acompanhando nossos passos. Nem sempre conseguimos reverter em turnês, pois os obstáculos para uma banda independente são muitos. Em 2011, lançamos "O Bem, O Mal E A Dúvida", terceiro CD, que divulgamos massivamente no finado MySpace, pelo Facebook, e foi o disco que nos trouxe até aqui…com uma formação para mim perfeita, só de músicos/artistas feras, que se dão bem muito além da música e isso é muito importante. Somos amigos, confiamos um no outro, e temos a mesma opinião sobre muitos temas cruciais, e podemos discutir com prazer aqueles nos quais discordamos, o que parece ser fundamental hoje em dia pra uma boa convivência pautada pelo respeito à individualidade.

Binho Batera – Esse jovem com vontade de expor suas ideias, opiniões e experiências pessoais ao resto do planeta iniciou uma batalha que hoje, depois de várias formações, culminou numa banda de músicos extremamente experientes. Com certeza, depois de três CDs lançados, esse quarto disco mostra o amadurecimento artístico desse grupo de pessoas com objetivos e sonhos em comum.

Notei influências dos anos 1960, até de Jovem Guarda, mas também uma modernidade pop. Conte como foi a concepção e realização do CD?

Marcião Gonçalves – Com certeza temos muita influência de jovem guarda e principalmente de Roberto e Erasmo, mas procuramos mesclar anos 60, 70 com 2014.

Binho Batera – Todo mundo na banda tem suas próprias influências por músicas e artistas que marcaram época, e sem restrição a gêneros, pela capacidade e originalidade dos artistas e suas músicas. Podem coincidir ou não. Mas a gente sempre parte da canção atual, na qual estamos trabalhando.

Fernando Ceah – Por isso não foi nada planejado quanto a sonoridade. Queríamos soar como uma banda de rock, só isso, e desde os primeiros ensaios com o time atual já sabíamos que resultaria em algo bacana, não poderia ser diferente. Era esperar para ver que criatura sairia dessa química. A base do trabalho do Vento são as composições, desde sempre. Apresentei minhas novas, compus outras com o Marcião, o Kim e o Binho, e fomos trabalhando incansavelmente nas músicas ao longo de dois anos, até o disco naturalmente mostrar sua face. O Marcião tem uma sensibilidade musical incrível para já imaginar a música pronta. Desde que mostrei a ele "Primeiro De Abril" ainda no violão, por exemplo, ele já imaginou o arranjo de metais que está no disco. Mesmo caso dos violinos em "A História Atual Dos Talentos". E fomos chamando os convidados. Tem o Rodrigo Hid do Pedra, o Cássio Poletto, Noel de Andrade na viola caipira, André Knobl e Paulo Pizzulin nos metais. Muito importante no trabalho do Vento, em todos os discos, é o conceito envolvido. Em traços gerais, O VOO DO MARIMBONDO passeia sobre dois motes, um mais sociocultural, outro romântico, que se interligam. O "Voo Do Marimbondo" é uma ideia contrária ao 'passeio da joaninha'. Um sobrevoo sobre nosso tempo e espaço. Tempos politicamente corretos, de uma sociedade dividida e polarizada, palavra da moda, mas manipulada e superficial, que de forma geral passeia nesse jardim de horrores como alegres e frágeis joaninhas coloridas, dessas que você pega e brinca, passa de uma mão pra outra, dá um peteleco e joga longe. O marimbondo é o oposto disso. Voa preciso, na defesa do seu espaço, e reage se necessário. Politicamente, o disco não toma partido nenhum, mas reflete sobre as coisas partindo do pressuposto de que todos queremos a mesma coisa, uma vida melhor e mais justa para todos os indivíduos, independente de correntes políticas e ideológicas. Cada um é um mundo. O "Voo Do Marimbondo" é como o utópico e desejável consenso, o próximo passo. Viver coletivamente é respeitar as individualidades, e reconhecer que tudo tem dois lados e múltiplos pontos de vista. Numa guerra entre aliados, fica difícil lutar por um lado. Não dá pra atirar a esmo por cima da barricada, e se levantar a cabeça pode vir um tiro amigo. Pode-se hastear uma bandeira que não tenha todas as cores, ou querer voar além da fronteira, como um avião pirata deserdado, sequestrado do tabuleiro desse jogo de batalha naval, a 'navegar' por outros céus, sobrevoando outros mares, sobre porta aviões e barcos de papel. Agora, musicalmente, sempre tive certa dificuldade em classificar, a gente vai fazendo.

Kim Kehl – Difícil explicar, não é? Algumas músicas saem prontas e parecem coerentes como se todos os músicos tivessem sentido o mesmo insight. Outras dão mais trabalho e parecem nunca soar 'redondas'. É claro que às vezes isso passa desapercebido do ouvinte, que estamos lutando pra concordar sobre o que estamos tocando em uma canção… Tipo 'mais ou menos delay' ou aquela nota 'um pouco antes ou depois'.

Como o trabalho será divulgado para o público?

Binho Batera – A divulgação será baseada nas redes sociais, mas estamos sempre traçando e definindo novas estratégias de divulgação.

Marcião Gonçalves – Com a internet fica mais fácil, a melhor divulgação é o boca a boca.

Fernando Ceah – O disco já está em todas as plataformas digitais. Sempre focamos muito nas redes sociais e no relacionamento com os fãs. Isso é muito importante. Estamos sempre postando coisas e incentivando as pessoas a compartilhar, participar. No começo de outubro estrearemos nosso canal oficial na VEVO, com um novo clipe. Pretendemos também retomar nosso trabalho nas rádios locais, principalmente nas praças onde a banda já é conhecida. E tentar abrir novos campos de batalha. Consiste em sairmos a campo divulgando o trabalho, dando entrevista nas rádios pra falar do disco, tentando construir parcerias. É um processo complicado, e demorado pela falta de recursos. Mas da muito resultado porque conseguimos alcançar muita gente, que acaba procurando pela banda nas redes sociais.

Hoje com os mp3 e o fim das gravadoras (especialmente para grupos autorais de rock nacional) como pretendem comercializar o CD, já que é com shows que a maioria das bandas ganha $$? Vão trabalhar com downloads gratuitos?

Kim Kehl – Acredito que é impossível dissociar a cena do panorama político e de como a tecnologia mudou a maneira de encarar o negócio. Estamos tateando o caminho e observando como os artistas aqui e lá fora tem lidado com isso, mas a princípio queremos preservar as obras de caírem na rede de graça. Sabemos que é quase impossível evitar, e tentaremos tocar ao vivo o máximo possível para divulgar e fazer o nosso $… Acho q sobre isso todos concordamos.

Fernando Ceah – Em 2007, participamos de uma iniciativa inédita que chamou bastante atenção na época. Eu, e meu então sócio Kacique Belina, da banda Dr. Zero, criamos a Free Records, a primeira gravadora do Brasil a dar música de graça, licenciada em Creative Commons. O modelo era o seguinte. A gravadora bancava toda a produção já que temos um estúdio a disposição, e o artista não colocava a mão no bolso. As músicas eram disponibilizadas gratuitamente ao público. E o lucro deveria vir do agenciamento dos artistas e do patrocínio de empresas interessadas em apoiar e associar sua imagem a um determinado artista. Achávamos que a música poderia ser gratuita ao público, mas gerar remuneração para o artista. A Trama Virtual adotava modelo semelhante, embora não bancasse a produção. A ideia foi bem recebida, chamou bastante atenção da imprensa na época, mas embora ainda acredite que seja uma boa solução, não conseguimos levar adiante. Fazemos parte de um mercado, e o mercado vem se configurando de outra forma, com o aumento das vendas digitais, as plataformas de streaming, e tudo mais que facilita o acesso do público e ainda remunera os artistas. O cara hoje ouve de graça no YouTube, Deezer, Spotify, tudo pelo celular, e o artista é remunerado. Se quiser baixar para ouvir off line, é só fazer uma conta paga que não é uma exorbitância. O Itunes vem crescendo, muita gente começa a achar viável pagar para baixar, apesar da cultura ainda predominante de baixar de graça. Pessoalmente não sou contra a indústria. Acho mais é que o mercado tem que crescer, gerar investimentos, pra que se invista em novos artistas e novas plataformas para divulgar. É melhor participar dessa reorganização do que navegar contra a corrente. Como esse novo trabalho é um álbum com 11 músicas, até pelo teor conceitual, optamos por lançar em CD, que estará disponível nas lojas a partir de outubro, através da Tratore, e também no site e nos shows. Mas não acho que seja uma premissa hoje em dia. Talvez no próximo poderemos optar por outros formatos. Podemos inclusive lançar um novo single amanhã se quisermos, independente do CD, e colocar em todas essas plataformas. Isso tem facilitado bastante, e vc não precisa de gravadora pra isso. E para o público tá fácil também. A pessoa pode se cadastrar num serviço como o Deezer, por exemplo, usando a conta do Facebook, e ter acesso grátis a milhares de discos. Mas o CD imagino que deva resistir por algum tempo ainda.

Marcião Gonçalves – Eu sou um cara que quando gosto do som, prefiro ter o CD físico e original.

Vocês acompanharam a polêmica do Fora do Eixo, como a banda vê a questão de tocar e n ganhar cachê, hospedagem e até transporte (em alguns casos)?

Marcião Gonçalves – Acho que o rock nacional não precisa de sindicato.

Fernando Ceah – Eu pessoalmente sempre achei que coletivos, associações, cooperativas e coisas do gênero ligadas à música, contraditoriamente mais segregam do que ajudam a resolver os problemas de toda uma classe. Tudo geralmente acaba descambando para um viés político, e política não é o que queremos fazer. Não estamos atrás de poder, nem afim de seguir uma cartilha, e ter que se alinhar inclusive ideologicamente. A essência do nosso trabalho é justamente a liberdade, para dizer o que quiser, pensar como quiser e fazer o que quiser, e mudar de ideia quando quiser. Acho perigoso esse movimento pela "estatização" da música. O Fora do Eixo defende um modelo de direito autoral que na prática extingue os direitos autorais individuais, em prol da fruição do conhecimento, em nome do coletivo. O discurso é bonito e encantador, mas arte é uma expressão subjetiva do indivíduo. Eu, enquanto criador de uma ideia, é que tenho que decidir se dou de graça, se cobro, se compartilho. Cabe a cada um decidir. Desconfio de quem anda em bando ruminando regras. De qualquer modo, nunca cheguei perto dessa galera, só ouço histórias escabrosas de pessoas próximas que tiveram experiências bem ruins.

Kim Kehl – Artista = ego e personalidade + individualidade. Individualidade e mérito, e como sou otimista, acredito em mérito para quase todo e qualquer artista. Todos têm seu valor.

A opinião sobre a cena atual do rock nacional?

Marcião Gonçalves – Acho ótima! Temos várias bandas ótimas. Posso citar Tomada, Pedra, Denny Caldeira, Massahara, Carro Bomba, etc.

Kim Kehl – Sem medo de parecer demasiado otimista, apesar do amadorismo que tomou conta de tudo, das toneladas de lixo eletrônico musical, das facilidades que prostituem a música e a reduzem a um mero hobby, a verdade é q nunca tivemos tantas bandas boas, bem equipadas, seguindo em frente e com potencial de público. É quase um paradoxo, mas quem olhar em volta vai ter que reconhecer. A música vai continuar porque as pessoas precisam dela. Os formatos, plataformas, veículos, lugares onde se pratica e vende, tudo isso vai mudar, e continuaremos sempre tocando e nos adaptando.

Binho Batera – Quem está dentro dela vê que é efervescente e cheia de grandes bandas e talentos. Falta mídia, investimento. Uma coisa é ligada a outra.

Fernando Ceah – Agora, por outro lado tem uma saturação de bandas genéricas, que seguem a cartilha 'como fazer sucesso em 5 etapas'. Aquelas mesmas letras vazias, o mesmo som pasteurizado. Nenhum risco assumido, nada fora do lugar. Tudo igualzinho as outras da mesma vertente, da mesma turminha. Bandas que surgem, até fazem certo barulho, e logo desaparecem por pura falta de fôlego. Acho que essas bandas acabam contribuindo para a impressão de o rock brasileiro morreu. Essas que o Marcião citou, assim como nós, tem pelo menos 10 anos de estrada, tem uma história, e estão aprendendo cada vez mais a dialogar com o público, contribuindo para trazer de volta o rock brasileiro ao seu lugar historicamente merecido. Pendurar uma guitarra no pescoço e sair cantando letras de amor é fácil. Difícil é aguentar as consequências de ser artista. Definitivamente, é mais trabalho, batalha, dor, sofrimento, angustia, do que aparecer bonito na foto.

Para dizer o que quiserem

Vento Motivo – Queremos agradecer muito pelo espaço. Muito mesmo! É muito importante ter um canal aberto pra que a gente possa mostrar nosso trabalho. As bandas que estão no corre sabem como é difícil boa vontade. Então muito obrigado, Dum! E no mais, convidamos a todos apra embarcar com a gente nessa viagem do avião-marimbondo. Em outubro sai nosso novo clipe, da música "Segunda-Feira". Será, primeiro single do disco que já estamos trabalhando.

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Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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