Topo

Novos trabalhos de veteranos dão fôlego ao combalido pop rock nacional

Combate Rock

01/09/2014 07h00

Marcelo Moreira

Existe um limite entre a ousadia e o conforto na música popular? A discussão pode parecer irrelevante, por extremamente subjetiva, mas ganha sentido quando bandas importantes decidem seguir em frente, ainda que aos trancos e barrancos em alguns casos. O Ultraje a Rigor abdicou das músicas novas para ser banda de apoio de um comediante na televisão. Acomodação? De certa forma sim, o que pode ser fustrante por um lado, mas perfeitamente compreensível e respitável por outro.

É inegável, entretanto,que artisticamente ganha pontos quando decide se arriscar, como o caso dos Titãs em se novo álbum, "Nheengatu". Pesado e em alguns pontos colérico, reúne um punhado de canções bem acima da média do que vem sendo perpetrado no rock nacional atualmente, além de representar um sopro de criatividade em uma carreira que parecia entalada no dilema de como prosseguir em tempos de falência de gravadoras e desprezo estético pela música na forma de downloads ilegais desenfreados.

Pegar carona na rabeira dos protestos generalizados que dominaram o país em junho do ano passado foi considerada uma atitude oportunista por alguns críticos ressabiados por conta do tipo de música que os Titãs vinham fazendo no século XXI.

A afirmação faz sentido, de certo modo, mas perde o seu caráter pejorativo quando isso significa um avanço considerável dentro da carreira do grupo e do que podemos observar na concorrência. É uma banda com mais de 30 anos de estrada tentando trilhar um caminho tortuoso e incerto, em um mercado encolhido, enquanto bandas novas patinam na falta de inspiração e as contemporâneas optam trajetórias menos acidentadas, preferindo as facilidades de entrar com jogo ganho.

Os Titãs lutam, com sucesso, para se manter relevantes e "Nheengatu" é uma amostra de qualidade desta opção. Mais rock e mais pegado do que trabalhos recentes, recupera um pouco da aura contestatória e punk do mítico álbum "Cabeça Dinossauro" (1986) – não por acaso, o novo álbum surge depois de uma bem-sucedida turnê tocando na íntegra o importantíssimo álbum do rock nacional.

Denso, cáustico e em alguns momentos claustrofóbico, "Nheengatu" não alivia. A faixa "Fardados", emblemática e poderosa, une peso e velocidade com vociferações contra a violência policial. "Senhor" e "Não Pode" seguem na mesma toada, regatando outro aspecto importante da música dos anos 80, o sarcasmo e a ironia cortantes, afiadas como uma lâmina de um machado.

As tensões do cotidiano marcam presença nas intensas "Flores pra Ela" e "Fala, Renata", para voltar ao tom de denúncia e desprezo na ótima "Pedofilia" e "Mensageiro da Desgraça", que têm peso e intensidade na medida certa, tanto que poderia estar em "Cabeça Dinossauro".

O Skank não foi tão fundo em seu aguardado "Velocia", recém-lançado. Não surpreende, mas envolve e agrada, o que só uma banda de qualidade e experiente consegue fazer. Artistas novos, quando diversificam e arriscam, muitas vezes são acusados de atirar para todos os lados. No caso do Skank, isso se chama versatilidade, sem ironia ou eufemismos.

"Velocia" é uma coleção de canções que reúnem a grande experiência que o quarteto acumula em quase 25 anos de carreira: eles passeiam por várias influências, do reggae ao próprio rock anos 80, tudo permeado com um tempero pop que se tornou característica marcante do grupo.

A guitarra sólida e definida de Samuel Rosa é fio condutor das atraentes "Galápagos" e "Aniversário", até a popice extrema e carregada de suingue "Ela Me Deixou". Se não há riscos e nem avanços consideráveis, por outro lado o Skank adquiriu uma segurança impressionante para cometer álbuns sem maiores tropeços ou coisas que destoem completamente.

Capa do novo álbum do Skank, "Velocia"

O Capital Inicial evolui positivamente na busca de caminho que possa finalmente conferir uma personalidade mais moderna ao quarteto que também tem mais de 30 anos de estrada. Adaptando-se ao formato do EP, com seis músicas – possivelmente o formato mais adequado na segunda década do século XXI, o grupo coloca no mercado "Viva a Revolução".

O jeito rebelde do vocalista Dinho Ouro Preto ainda dá o tom, ainda que meio deslocado, mas a banda mostra coesão e forçam em músicas mais fortes e rápidas, com algum acento pop e um instrumental mais trabalhado.

Para um grupo que nunca se destacou pela ousada e experimentalismo, o Capital Inicial revelou um grande avanço, mostrando que ainda tem fôlego para segurar sua cativa platéia de sempre e eventualmente atrair a atenção de espectadores mais jovens.

Já Pitty foi quem surpreendeu neste ano com o álbum "Setevidas". O álbum da cantora baiana é mais objetivo e direto, com letras melhores e uma execução instrumental mais segura, sem grandes arroubos. A crítica quase de forma unânime destacou a sua maturidade, ultrapassando a fase da adolescente raivosa e gritona, rótulo que muita gente adorava colar nela.

A constatação da maturidade é óbvia, especialmente nas áridas canções "Deixa Ela Entrar" e "Lado de Lá". Mostrando influências mais modernas, Pitty gostou de acrescentar um certo "clima" em algumas faixas. Uma delas é a boa "Pequena Morte", climática e etérea até certo ponto, com uma guitarra inteligente e criativa. Uma mudança e tanto para quem manteve nos dois anos anteriores o projeto Agridoce, mais acústico e sossegado.

Enquanto a nova geração de bandas pop patina na decadência do gênero musical e na falta de inspiração – e na falta de lugares para tocar – como um todo, os veteranos estão tentando cumprir a sua parte. Os álbuns de 2014 mostram um panorama animador em meio à terra arrasada. Tomara que os bons ventos atuais inspirem o recém-reformado Ira!.

Comunicar erro

Comunique à Redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:

Novos trabalhos de veteranos dão fôlego ao combalido pop rock nacional - UOL

Obs: Link e título da página são enviados automaticamente ao UOL

Ao prosseguir você concorda com nossa Política de Privacidade

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

Sobre o Blog

O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
Contato: contato@combaterock.com.br

Mais Posts