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Anacrônico, Roger Moreira reflete a desorientação do pop rock nacional

Combate Rock

25/08/2014 06h40

Marcelo Moreira

Roer Rocha Moreira, guitarrista, vocalista e líder do Ultraje a Rigor (FOTO? ARQUIVO PESSOAL/TWITTER)

Os  frequentes entreveros em que o guitarrista Roger Rocha Moreira se envolve são vistos por parte de um público mais informado e ligado do rock como fruto de uma desorientação em todos os sentidos, em especial nas questões que envolvem política. O líder do Ultraje a Rigor deixou faz tempo a sutileza e a ironia de lado para cair de cabeça na virulência direta e raivosa dos que tratam adversários de qualquer matiz em inimigo. O aparente desinteresse em debater seriamente e em níveis aceitáveis, para muitos, esconde uma insuspeita veia autoritária e uma incapacidade de suportar contrariedades.

A ira muitas vezes pueril do artista, de certa forma, reflete uma realidade que já foi abordada aqui no Combate Rock: o vácuo deixado pelo pop rock nacional nas questões políticas, que cacifava, ainda que parcialmente, a relevância artística do gênero no Brasil. Hoje, foi-se embora a relevância, levando consigo qualquer resquício de criatividade, crítica bem feita ou mesmo contestação. Sobram rancor e ressentimento, como podemos observar nas colunas de Lobão na revista Veja e nas trocas de farpas de Roger com variadas figuras da vida político-social brasileira. O pop rock é uma miragem atualmente, com apenas duas músicas entre as 100 mais ouvidas  nas emissoras de rádio brasileiras.  Virou gueto, fator que contribuiu de forma expressiva para a perda de popularidade do rock brazuca.

O chamado classic rock nacional (Paralamas do Sucesso, Titãs, Capital Inicial, Jota Quest, Skank ) ainda consegue vender mais do que as bandas novas de rock, mas lentamente perde o fôlego criativo e não consegue suprir a lacuna aberta na questão da inserção política e discurso influente. Pitty e Raimundos trilha por outros caminhos, enquanto que o Rappa e Detonautas seguem sozinhos tentando furar a parede e provocar algum tipo de debate/crítica, com extensão menor do que seria esperado.

E então mais uma vez surge Roger Moreira para escancarar aspectos importantes da desorientação artística e crítica do pop rock nacional. Em uma questão permeada por radicalismo de apoiadores e detratores do músico, a primeira sacrificada é a informação correta, ausente de qualquer discussão sadia. A informação deturpada e parcial serve de base para ataques coléricos e desqualificações, jogando na lama reputações e discernimentos. E o primeiro a desprezar a informação correta é o próprio líder do Ultraje a Rigor.

Anacrônico e ressentido, Roger tristemente se torna o rosto do pop rock nacional em 2014: desinformado, desorientado, fora de rumo, sem perspectivas e desviando o foco, em um namoro perigoso e decepcionante com a irrelevância artística e a decadência. Os recentes atropelos e escorregadas na troca de farpas com o jornalista e escritor  Marcelo Rubens Paiva por meio de redes sociais reforçou a imagem de um artista intolerante e sem interesse no contexto das discussões – desinteresse que resvala no desrespeito, como no caso da troca de ofensas com Paiva.

O pai do escritor, Rubens Paiva, era deputado federal pelo antigo MDB, mas de notórias posições políticas de esquerda. Desde o início do regime militar, em 1964, teve problemas com os governos dos generais e frequentemente era espezinhado pelos cães de guarda da ditadura e pelos apoiadores desta, até que finalmente desapareceu sem deixar vestígios em 1971.

Ao longo dos últimos 43 anos, foram vários os relatos de figuras relacionadas ao período escuro da ditadura –  e com variados graus de podridão -, que confirmaram a presença do então deputado em centros de tortura no Rio de Janeiro, mas que se recusaram a cravar que ele estava morto. Foi apenas em 2014 que um dos execráveis oficiais militares do Exército da época confirmou que Rubens Paiva foi de fato assassinado e que sua prisão teve momentos de encenação tosca em uma estradinha na periferia do Rio. Um deputado federal eleito foi assassinado por agentes de um Estado autoritário e brutal.

Roger Moreira pareceu não se importar com isso. Ao ser citado em uma palestra por Marcelo Paiva como um artista que desfiava um corolário de conceitos distorcidos a respeito do regime militar, o guitarrista partiu o ataque com ferocidade, dizendo que "só eram perseguidos pela ditadura militar no Brasil os que faziam merda". À parte a grosseria proferida de forma desrespeitosa, Roger afrontou o bom senso e conceitos democráticos básicos.

Ultraje a Rigor: roger é o primeiro à esquerda (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Diretos, deveres, liberdades…

Já faz tempo que Roger Rocha Moreira se mostra crítico ferrenho dos governos do PT e das posições ideológicas identificadas com a esquerda. É direito dele, e isso deve ser respeitado como um direito sagrado, ainda que sua visão de mundo seja parcialmente distorcida – e que convenientemente ignore os evidentes méritos, por exemplo, que o governo federal petista tem em alguns aspectos da administração federal.

Suas diatribes contra programas sociais do governo e condução de questões éticas que atingem o PT são notórias e, democraticamente, respeita-se. Mas é forçoso constatar que são sempre superficiais, do tipo de quem lê somente títulos de posts no Facebook. Seus melhores argumentos quase sempre descambam para a desqualificação do objeto de discussão e dos defensores de opiniões contrárias.

Entretanto, o que mais incomoda é a falta de informação que Roger destila em debates mais complicados. Logo ele, um compositor talentoso para a ironia e para o deboche, que cometeu a melhor canção de protesto e desprezo à bandalheira política com a música "Inútil". Logo ele, um filho de classe média alta que usufruiu de uma educação de qualidade e que teve oportunidade viver nos Estados Unidos na juventude, o exemplo maior de democracia e respeito aos direitos individuais. Onde houve o desvio?

Por mais que soe estranho e anacrônico, Roger é contra governos de orientação esquerdista e assume posições que levam a conclusões de que ele  defende, ainda que parcialmente. posições político-administrativas adotadas pelo regime militar brasileiro. Ele tem esse direito e devemos respeitar esse direito. Só que  incomoda músico não demonstrar o mesmo empenho – para ser generoso – no respeito ao direito de as pessoas terem outras posições e de discordarem de sua visão de mundo – se é limitada ou não, é uma discussão de caráter subjetivo. Curiosamente, falta empenho ao menos em respeitar a posições democráticas que lhe permitiram recuperar o direito de expressão e de opinião, sem os quais sua carreira musical não seria nem perto do que é (ou foi).

O que incomoda é que algumas das opiniões do músico que fez parte da mais importante geração de músicos do rock nacional colidem contra o que um dia ele defendeu, ainda que involuntariamente. E colidem com as circunstâncias nas quais ele foi um dos grandes beneficiados – afinal, se não houvesse o retorno da liberdade de expressão e de opinião do período de agonia do regime militar não haveria rock dos anos 80. E, provavelmente, o trabalho relevante e  interessante do Ultraje a Rigor ficaria relegado a um submundo roqueiro nos botecos de São Paulo.

É desagradável constatar que um ídolo musical que compôs alguns dos hinos de nossa geração há um bom tempo defende posições, circunstâncias e procedimentos antidemocráticos e autoritários que foram adotados por uma ditadura repressiva que tinha como um dos pilares de sustentação os atentados à  liberdade de expressão, opinião e imprensa, bem como a supressão de direitos individuais básicos.

Não só isso. Roger dá a entender que pouco se importa com o fato de um governo autoritário usar o aparato do Estado para atropelar a lei e praticar crimes de Estado, como tortura e assassinatos de presos capturados e rendidos, desarmados e sem a menor possibilidade de defesa – para não falar da violência contra inocentes acusados de forma infame e contra parentes de supostos suspeitos de subversão. Como interpretar as suas declarações a respeito do sequestro, tortura e morte do deputado Rubens Paiva, pai do escritor Marcelo Rubens Paiva?

Mais do que obtusidade, o que predomina no caso é a desinformação. O músico e parcela expressiva da população que vota demonstram ter pouca informação sobre a realidade do país e sua história, e demonstra não ter interesse em melhorar a qualidade da informação que obtém. Ideias pré-concebidas persistem, mesmo que colidam contra os fatos, que não resistam a cinco minutos de debate mais qualificado.

Capa de 'Nós Vamos Invadir a Sua Praia', obra emblemática da banda, recheada de ironia, sarcasmo e crítica social e política debochada

Ringue virtual

Não muito tempo atrás Roger Moreira travou um duelo escrito pelo twitter com alguns seguidores a respeito do espinhoso tema policiais x bandidos, onde criticava a gritaria por conta de mais uma ocorrência onde as evidências mostravam que a corriqueira alegação "perseguição com troca de tiros seguida de morte" não se sustentavam – era mais um caso onde tudo apontava para a execução sumária, ainda que houvesse a comprovação de que os "suspeitos" eram realmente bandidos.

Tomei parte nesta discussão e o músico beirou o destempero. Claramente apoiava a ação dos policiais no caso – e que, infelizmente para Roger, ficou claro na época que foi realmente uma execução cometida por policiais militares, sendo que uma das vítimas não tinha passagem pela polícia. Ele ignorou as evidências e não se mostrou envergonhado em demonstrar que não tinha apreço pelos conceitos de que todo mundo é inocente até que se prove o contrário; de que o Estado não pode ter o enorme poder, por meio de seus agentes, de matar desarmados e eventuais criminosos indiscriminadamente; de que o Estado não pode perder o controle sobre os seus agentes de segurança; e de que o Estado não pode patrocinar ações violentas como forma de "política de segurança pública".

Neste caso, não se trata mais de ideologia ou pontos de vista. Trata-se de conceito de civilidade e de respeito aos preceitos legais e democráticos. Ao atropelar a ética na discussão ética de conceitos  éticos, ficou difícil definir se Roger Moreira se perdeu totalmente, se enrolou com os conceitos e não soube sair da armadilha ou se realmente é um reacionário radical, refratário aos preceitos ético-democráticos que são a característica atual da sociedade brasileira. Não houve declaração explícita, mas ficou a sensação de que o guitarrista do Ultraje não refuta a ideia ainda presente na cabeça perigosa de muitos políticos – e de parcela expressiva da população – de que bandido bom é bandido morto.

No entrevero com Marcelo Rubens Paiva, o contra-ataque mais contundente veio do humorista João Vicente de Castro, do grupo Porta dos Fundos e filho do jornalista Tarso de Castro, figura importante da imprensa dos anos 70 e que foi torturado nos porões da ditadura. "Com toda educação, quero dizer que quem tava fazendo merda era o seu pai, que criou um homem simplista, preconceituoso como você. E não o meu que estava brigando pra você poder botar sua camiseta 'bem humorada', seu look de vovô garoto, cantar suas músicas engraçadinhas", disse o artista. Clique aqui e leia a íntegra de um texto que ele escreveu a respeito do assunto.

João Vicente de Castro (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Acomodado e confortável em ser artista coadjuvante em programa que é um programa que é um misto de talk show com comédia stand up, Roger Moreira destila seu ressentimento contra um mundo acelerado, com velocidade estonteante e que coloca em xeque os pilares de seu conservadorismo frágil e superficial.

Em consequência disso, tornou-se um personagem anacrônico, cheio de preconceitos e com pouca paciência para enfrentar questionamentos da vida moderna, recheada de novos personagens complexos, diferentes e até problemáticos, mas com visão mais abrangente e tolerante, como se exige em um mundo tecnológico e repleto de informações cada vez mais relevantes.

Esses novos personagens até admiram a obra do Ultraje a Rigor com suas músicas irônicas e cheias de sarcasmo, mas fica claro que isso não é mais suficiente – como não foi para a geração dos anos 90. A busca por coisas novas e diferentes é um dos preceitos do século XXI, e um dos mais versáteis artistas da geração do rock dos anos 80 parece que ficou sem ter o que dizer muito cedo, haja vista que a banda abandonou o desafio de fazer música nova e de compor coisas inéditas. Contentou-se em ser um mero grupo de apoio a um comediante talentoso (Danilo Gentili) em um programa de TV que passa tarde da noite.

Contemporâneos como Ira!, Paralamas do Sucesso, Barão Vermelho, Plebe Rude e até mesmo Skank nunca abandonaram a ambição e o desafio artístico de se manter relevantes 20, 30 anos depois de seu auge, ainda que tenham errado bastante na busca da evolução e de novos caminhos e sucumbido a uma falência criativa na hora de abordar de forma mais incisiva situações político-sociais brasileiras da atualidade.

Mergulhado no anacronismo de sua trajetória atual, onde ganha mais destaque qualquer discussão em redes sociais na qual se envolva, Roger Rocha Moreira flerta perigosamente com a possibilidade de virar uma caricatura de si mesmo. Nada mais anacrônico do que isso, em verdadeira consonância com o agonizante pop rock nacional.

P.S. 1 : O ótimo repórter Julio Maria, do jornal O Estado de S. Paulo, fez uma abordagem interessante em texto publicado no Estadão.com intitulado "Quando o rock nacional tina voz na política" – título que dispensa maiores explicações. Recomendo a leitura como complemento ao que abordamos no texto acima. Clique aqui para ler o texto de Julio Maria. 

P.S. 2: Clicando aqui é possível ver como estamos tratando a questão a inserção desaparecida do pop rock nacional na vida política do País, em texto publicado no dia 02 de junho de 2014.

P.S. 3: Aqui, mostramos que o pop rock nacional ainda é bastante requisitado pela publicidade de rádio e TV, embora cada vez surjam menos palcos para tocar. 

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Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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