Mais inteligência e mais esforço: músico terá de se reinventar
Combate Rock
16/06/2014 07h02
Marcelo Moreira
O mercado ainda busca entender como as pessoas hoje se relacionam com a música e, principalmente, porque uma parcela expressiva do público consumidor supostamente não valoriza os bens culturais e a própria música. Enquanto isso, sobram queixas a respeito da falta de espectadores em um shows de rock no Brasil, em especial o underground e no heavy metal. Algumas reclamações são pertinentes – afinal, é grande o número de roqueiros que reclama da falta de eventos "legais" em todo Brasil, mas o mesmo que se queixa se recusa a pagar R$ 10 ou R$ 20 para ver banda ou artista novo em bares ou em casas pequenas. Pior, ignora mesmo quando ocorrem eventos gratuitos.
Seja como for, culpar o público é um tiro no pé e só piora as coisas. Enquanto há uma constatação sobre uma certa acomodação do público e de sua nova relação com a música, artistas preferem olhar para o próprio quintal e revelar os próprios pecados. Ultimamente, quem o fez com a maior propriedade foi o editor da edição norte-americana da revista Guitar Player.
Michael Molenda, que também toca guitarra, foi bem duro no editorial da revista na edição de agosto, e reproduzido na edição de setembro da Guitar Player brasileira. Ele relembra que mesmo nos Estados Unidos o público está fugindo dos eventos pequenos, afetando as margens de lucros e donos de casas e bares e dos produtores, causando o fechamento de boa parte deles – e diminuindo o mercado de trabalho.
Diante do quadro, Molenda alerta para a piora das condições para se tocar, onde o músico hoje tem de levar seu próprio sistema de som e se exibir para uma plateia rabugenta que provavelmente estará mais interessada em algum jogo na TV, mesmo que seja uma reprise. "Para algumas casas, hoje é necessário fazer coisas execráveis, condenadas no passado, como cobrar antecipadamente do músico – 'pague para tocar' – como forma de cobrir vendas de ingressos antecipados ou conseguir alguma forma de compensação zero até que haja ganho comprovado".
A culpa é dos clubes e dos promotores de shows? Para os músicos sim, mas não para o editor da Guitar Player norte-americana. Ele compara a situação com um programa de TV. "Quantas redes prolongam programas ou séries que não vendem anúncios ou dão audiência? O corte é brutal e imediato, assim como um restaurante fecha se ninguém entra para comer."
Ou seja, com um realismo desconcertante, Molenda diz que tudo é negócio, o que justifica, por exemplo, uma gravadora não investir ou parar de apoiar um artista que não vende e que não atrai público. "Na cena de músicas ao vivo, os músicos precisam assumir a responsabilidade de tocar bem e fazer um grande show, mas de divulgar a si mesmo e seu trabalho de todas as formas possíveis e inimagináveis. E poucos fazem isso, e alguns dos que fazem não o fazem com competência."
Resumindo: o músico não deve culpar os gerentes de casas de show, empresários e promotores por não quererem perder dinheiro com artistas "fantásticos", mas que só tocam para 15 pessoas. Em um mercado acirradíssimo, como o norte-americano ou o brasileiro, não basta ser bom, tocar de tudo e ser legalzinho: é preciso fazer bem mais, tanto na divulgação como no trabalho braçal de ir à luta para divulgar o seu trabalho. "Não culpe os outros pela sua preguiça, por seu orgulho e por sua incompetência para promover com eficiência o que está vendendo", conclui o duro recado de Molenda.
E a mesma edição brasileira de setembro da Guitar Player traz uma ótima entrevista com o bluesman André Christóvam, conduzida pelo repórter Heverton Nascimento. O guitarrista não pega tão pesado com os músicos, mas faz uma crítica lúcida de um mercado em que sobra "culpa" para todo mundo. Ele não ignora que os artistas falhem bastante, em especial na divulgação, mas divide a responsabilidade, por exemplo, com a mídia e os esquemas próprios de divulgação do mercado.
"Com a mediocridade artística oferecida pelos principais meios de comunicação e divulgação, as pessoas se satisfazem cada vez mais em viajar por uma zona de conforto e sentir entretidas por fragmentos sonoros que as remetam a dias mais felizes de um passado remoto. Toda uma indústria foi desenvolvida inoportunamente com essa mentalidade", diz o bluesman.
O recado é claro: o mercado tem o defeito de origem, e em vários pontos, e os músicos não estão sabendo lidar com esse panorama e têm dificuldades para estimular o público chacoalhá-lo em sua zona de conforto. "Com a velocidade e a facilidade com que se obtêm as informações atualmente, tudo fica efêmero. Público e artista não estão sendo capazes de se dedicarem a mais de 45 segundos a algo realmente novo. Todo mundo perde com isso."
E estão Christóvam arremata de forma cirúrgica, identificando um ponto central da discussão, que passa por quem faz música, por quem divulga e por quem produz/financia: "Dá trabalho estimular o público a ir buscar o novo, o diferente, o inusitado. E já basta o trabalho diário que temos para colocar comida na mesa. Então, como produzir algo com qualidade com um público atual que se satisfaz com as superficialidades?Espero que em um futuro não muito distante músicos e público voltem para o lado da qualidade, excelência e criatividade do consumo artístico."
Dá muito trabalho buscar a qualidade e investir em coisa boa – e muitas vezes custa bem caro. Só que a superficialidade já demonstrou que não é a solução, haja vista a quantidade de modas passageiras e artistas moídos pela estrutura cruel do mercado brasileiro.
Assim como a imprensa só vai sobreviver se oferecer conteúdo decente aos seus leitores/ouvintes/telespectadores/internautas, a música só terá futuro se houver qualidade e mantiver o descartável em uma zona de mercado que não seja suficiente para afetar e corroer o restante – ou seja, é primordial que a música de baixa qualidade, artificial e puramente comercial não mate e enterre o que se produz de qualidade em outros segmentos.
E, infelizmente, a mudança de cenário começa pelos próprios músicos, que precisam aprender a entender a nova forma de se ouvir música e o novo relacionamento do ouvinte/consumidor com a música. Para isso, é necessário mais inteligência, mais competência na divulgação e esforço redobrado, para que não haja o menor resquício de preguiça. Guitarras, baterias, teclados, baixos e promotores picaretas, na atualidade, são os menores problemas do músicos.
Sobre os Autores
Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.
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O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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