20 anos sem Cobain: o único legado relevante do Nirvana é o Foo Fighters
Combate Rock
07/04/2014 07h01
Marcelo Moreira
Colaborou Roberto Capisano Filho*
Sem o pavoroso Nirvana não haveria o bacaninha Foo Fighters. Quem disse que o trio liderado por Kurt Cobain não serviu para alguma coisa? Às vésperas de completar 20 anos da morte do atormentado e instável Cobain, desabam discussões e discussões a respeito do legado do abominável grunge e suas bandas toscas e sonoridade deliberadamente pobre. Será que realmente não passa disso o tal do "movimento" que apenas tentou emular a rebeldia e a suposta fúria do punk rock, só que em uma vertente "intimista" e depressiva?
Contra todos os prognósticos, a música grunge saiu de um gueto chuvoso do noroeste dos Estados Unidos graças a uma parcela da mídia daquele país sedenta por alguma novidade musical – qualquer uma, ainda que fosse uma cópia mal disfarçada do punk, em termos sonoros, e de uma breguice caipiresca gritante no visual, com as blusas e camisas de flanela à la lenhador. É não que muitos incautos compraram a ideia, especialmente um bando de caças-talentos ameaçados de perda de emprego nas gravadoras e selos?
Vinte anos depois do fato que decretou a morte do tal "movimento", o que restou foi um culto "jim morrisoniano" ao rebelde atormentadinho do grunge e à meia dúzia de bandinhas que não sobreviveram ao quinto aniversário do estouro do Nirvana – estamos falando de 1996, quando já ficava claro que apenas o Pearl Jam continuaria vivo, largando inteligentemente o rótulo pegajoso e datado "grunge" para expandir a sua sonoridade e se tornar uma das grandes bandas do nosso tempo.
A banda de Eddie Vedder provou que era bem mais do que os acordes básicos e distorção desmedida do Nirvana e demais seguidores, tanto que é de longe a melhor e mais longeva daquela safra quase que inteiramente desagradável. Soundgarden e Alice in Chains até que tinham algum potencial, mas sucumbiram à desidratação do grunge e às brigas internas alguns anos depois.
As duas bandas, após separações não muito cordiais, conseguiram se reinventar no final da primeira década do século XXI e se tornaram respeitáveis ao lançar novos trabalhos com muito pouco do passado flanelado e não muito abonador, tanto que o Soundgarden fez uma apresentação honesta e interessante no último final de semana em Interlagos, na zona sul de São Paulo, no festival Lollapalooza. Houve quem dissesse que finalmente, 23 anos depois, o grupo virou uma banda de verdade. Será?
O Nirvana se tornou um símbolo de uma geração que acreditava não se sentir representada pelo rock do biênio 1990-1991, com bandas como Metallica, Guns N'Roses, Van Halen e Queensryche, todas excelentes, cada vez mais gigantes, enquanto o chamado hard rock californiano caía de cabeça em um beco sem saída por conta da repetição de fórmulas gastas de cinco anos antes.
Ao mesmo tempo, o pop rock finalmente reconhecia a qualidade alta de um R.E.M. e regatava um gênio como Iggy Pop, só que, por outro lado, despejava porcarias como Jesus Jones, Happy Mondays, Stone Roses, Sigue Sigue Sputnik e coisas parecidas, deixando no limbo indies verdadeiramente representativos, como Pixies, Sonic Youth e os esquisitos do Primal Scream.
Tiro no pé
O triste da questão é que a opção dessa juventude foi algo ainda pior – um "manifesto" liderado por um bando de moleques que não sabiam tocar querendo imitar tanto a música como a atitude punk, mas sem êxito, além de "criar" uma suposta estética (em todos os sentidos) despojada, mas que na verdade revelou apenas total falta de criatividade. Ousaram transformar Seattle, a cidade de Jimi Hendrix, Queensryche e outras coisas interessantes, na capital grunge flanelada.
De repente, a mídia achou que ali tinha qualidade musical que merecia alguma atenção. Na falta de alguma realmente rebelde e inovadora, por que não essas bandinhas toscas e depressivas? Inventaram uma cena que não existia, insistiram no embuste musical e acabaram convencendo um bando de incautos – primeiro nos Estados Unidos, depois no mundo inteiro – que existia um "movimento" musical em Seattle, com moleques "despojados, independentes, mas criando algo novo e revolucionário".
Combate Rock Drops sobre Kurt Cobain. Clique para ouvir.
Reconheçamos que foi um grande golpe de marketing, com alguns gênios de gravadoras conseguindo cooptar a molecada com "atitude" e "independência" com uma facilidade incrível. Tudo bem que o punk rock tinha feito muito mais e muitíssimo melhor 15 anos antes, mas isso, na época, foi apenas mero detalhe.
O movimento punk pode não ter sido aquela beleza musicalmente, mas como fenômeno cultural foi um marco na cultura ocidental, goste-se disso ou não. Impregnou o mundo de um sentimento de anarquia, revolta e desilusão como nenhum outro movimento jovem conseguiu. Goste-se ou não, aquilo foi uma revolução.
São apenas duas as conexões entre o punk e o grunge: a pouca duração e a imensa quantidade de músicos ruins, que não sabiam tocar. No mais, o grunge como "movimento" musical ou de comportamento foi um embuste. Rapidamente cooptados pelo sistema, os músicos não passaram de marionetes nas mãos do mercado fonográfico.
O fato é que o grunge durou bem menos que o punk. Kurt Cobain, guitarrista e vocalista do Nirvana, era um instrumentista fraco e nada inovador, e um compositor abaixo da média. Posou de garotinho atormentado e incompreendido e preferiu se matar a encarar sua indigência musical e a decadência do movimento.
As bandas de Seattle ao menos deram uma lição no rock: varreram para o lixo o artificialismo do hard rock farofa que dominou a música na segunda metade dos anos 80, vírus nocivo que contaminou muita gente boa, como Judas Priest, Saxon e Whitesnake, entre outros. Só mesmo um mercado fonográfico putrefato por esse tipo de artificialismo poderia permitir a ascensão do grunge.
Dave Grohl se livra do peso
O Nirvana serviu para pelo menos uma coisa: foi o trampolim perfeito para o baterista Dave Grohl se lançar na cena musical mundial. Ele sempre foi a única coisa que valia a pena no grupo. Tocava – e toca – bateria com vontade, era o único que empolgava dentro do trio. Enquanto Krist Novoselic matava qualquer um de tédio, Cobain maltratava a guitarra com sua falta de técnica – e maltratava o público com seu astral depressivo. Já Grohl fazia valer a pena ter pago ingresso para o show. Indiscutivelmente era o mais talentoso da banda.
As músicas falam por si. Ouça "The Pretender", "No Way Back", "Wheels", "Long Road to Ruin", "Generator", "Breakout", "Monkey Wrench", "Big Me" e "White Limo", só para citar algumas. Passam longe da fórmula estrofe calma, refrão gritado, estrofe calma. O Foo Fighters faz um rock honesto, com energia, com boas melodias e sem se repetir o tempo todo. E passa longe daquele clima de desgosto com a vida que Cobain impunha ao Nirvana.
Não que Grohl não curtisse o que fazia, mas tenho certeza que agora ele está muito mais satisfeito. Ele assumiu a linha de frente da banda, canta muito mais que Cobain (desculpe, mas a comparação é inevitável) e faz uma música que chama a atenção. O Foo Fighters merece respeito. Ou será que Jimmy Page e John Paul Jones, do Led Zeppelin, e Lemmy Kilminster, do Motorhead, e Tom Petty, e Paul McCartney piraram? Eles já estiveram em algum momento envolvidos com Grohl.
Não bastasse as qualidades de Grohl como músico, ele e o Foo Fighters têm um senso de humor que tem de ser ressaltado. Basta ver os vídeos da banda. Completamente diferentes daquela coisa sombria do Nirvana. E não digam que o mérito disso é do produtor do clipe, porque se os vídeos seguem essa linha é porque Grohl quer assim. O cara tem talento.
Em meio a tantas bandas que sobem no palco com ar de quem está lá contra a vontade e fazem vídeos que estão mais para velórios, o Foo Fighters carrega o verdadeiro espírito do rock and roll.
* Roberto Capisano Filho, jornalista e ex-integrante do Combate Rock, participou da fundação do blog/programa de rádio, e em agosto de 2010, e hoje trabalha o Sebrae-SP.
Sobre os Autores
Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.
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