Metal incorpora o samba nas corajosas investidas de Project46 e Huaska
Combate Rock
13/05/2014 07h00
Marcelo Moreira
Rock pesado com elementos da cultura brasileira não é novidade, que o digam Sepultura e Angra. Entretanto, quando a coisa descamba para a composição baseada em samba, como pretendem algumas bandas de heavy metal nacional corajosas, é para se prestar a atenção. Fica bom? A maioria dos apreciadores do gênero dirá que não. Provavelmente não casa bem, mas tem gente apostando nisso em São Paulo.
Primeiro foi o Huaska, que faz a mistura de metal com samba e MPB, adaptando poesia clássica nacional com guitarras e cavaquinhos. Agora é a radical Porject46, que faz um metal/hardcore de respeito, que coloca um pé no samba em algumas músicas de seu novo álbum "Que Seja Feita a Nossa Vontade".
"Começamos a compor em cima do samba. Imagina um metaleiro que sabe sambar", brinca Vinícius Castellari em entrevista recentemente concedida ao jornalista André Cáceres, do UOL. "Em Nome de Quem?" e "Carranca", músicas do disco novo, têm um gingado característico do Brasil no som e na letra.
"Minha composição sempre foi muito orgânica e sentimental. Quando posso colocar traços do nosso país, é sensacional", afirma o guitarrista. As influências do grupo, no entanto, passam longe do samba, indo de Pantera a Slayer, passando por Slipknot. O som é bruto, pesado e muitas vezes extremo, com vocais fortes e agressivos que assustam quem está pouco acostumado ao gênero.
"Carranca" não ameniza a influência, com os 30 segundos iniciais com uma bateria de escola de samba que aos poucos vai se fundindo com um riff pesadíssimo de guitarra. E não é que ficou interessante? Ao longo da música, alguns arranjos incluem instrumentos como pandeiro e tamborim, que ás vezes ficam soterrados pelo peso absurdo do thrash que vem em seguida.
Por todo o álbum as passagens que remetem à música brasileira aparecem, ora com discrição, ora com um pouco mais de exposição, mas nada que ofenda ou descaracterize o som do Project46, que é extremo e muito bem feito, com letras de igualmente bem feitas, com um pé no rap e outro no hardcore novaiorquino
Já o Huaska foi mais fundo na mistura e incorporação. Quando o cavaquinho entra esboçando um chorinho tradicional, o ouvinte pensa logo em samba e se prepara para a entrada do batuque. Em vez disso, guitarras pesadas, bateria marcante, um baixo gordo e letras em português de um romantismo exacerbado, indo além do que as tradicionais bandas emo ousaram.
O quinteto paulistano teve a coragem de adicionar elementos de música brasileira de uma forma inédita, e com uma coragem difícil de encontrar no mundo da música atualmente. Se Raimundos e Paralamas do Sucesso, apenas para citar alguns, incluíram elementos regionais em suas músicas, o Huaska foi mais radical e incorporou o samba e a bossa nova de forma integrada, e não apenas como meros arranjos.
Ficou estranho? Sim, especialmente para quem não tem ideia do que vem pela frente. Mas a "bossa metal" do quinteto – rótulo inventado por um jornalista mineiro – teve o mérito de chamar a atenção de um dos mais renomados músicos e arranjadores brasileiros. Eumir Deodato, que trabalhou com Tom Jobim e a cantora islandesa Bjork, entre outros, ouviu os primeiros CDs do grupo e aceitou o desafio de mesclar os arranjos brasileiros com a pegada pesada da banda.
"Adicionamos elementos de MPB desde que criamos a banda, em 2003. O que era um detalhe, acabou se tornando uma de nossas características, e fomos aprofundando, trazendo samba, a bossa nova, o chorinho, e instrumentos como pandeiro, tamborim, cuíca, surdo e o violão", diz Rafael Moromizato, o vocalista, em entrevista concedida há algum tempo ao Combate Rock.
A mistura de gêneros resultou em uma música diferente, e que reflete bem as influências difusas e diversas dos integrantes. "As letras tem influências de bandas e compositores que eu escuto, como Chico Buarque, Toquinho, Nirvana, Cartola, O Rappa, Legião Urbana, Cazuza, Secos & Molhados, Pearl Jam, Novos Baianos, Rita Lee, Deftones…", enumera o vocalista.
E as letras mostram também uma tentativa de erudição completamente distinta do terreno pantanoso e estéril que domina o rock nacional da segunda década do século XXI. Independente do resultado, adaptar o conto "O Machete", de Machado de Assis, demonstrou novamente coragem e ousadia, com seu arranjo complexo de violoncelo e a interessante condução do violão de Alessandro Manso.
"O tema principal do conto é o amor e suas desilusões, vem ao encontro de nossa concepção. Além disso, é uma radiografia do cenário musical brasileiro de uma época muito legal, que mostra o convívio da música erudita e a popular no dia a dia, protagonizado pelos músicos do violoncelo e do machete, que é o cavaquinho", afirma o guitarrista Carlos Milhomem, também em declaração ao Combate Rock. "Na nossa versão, é a mulher machadiana que conta sua versão da história entre os dois músicos. Daí, pra usar violoncelo e cavaco na música, junto com o rock pesado, foi natural."
"Samba de Preto" é o nome do terceiro álbum do Huaska, que é o que mais exacerba a mistura. O título não economiza na polêmica, em se tratando de um grupo que assume que faz rock pesado. Milhomem não esconde que os integrantes se surpreenderam com a receptividade ao som da banda. "Nós esperávamos que mistura agradasse a uma parte dos roqueiros mais ecléticos, que ouvem de tudo, mas nunca nos surpreendeu o fato de o público e músicos da MPB gostarem."
Estranhamento à parte, a bossa metal do Huaska está mais lapidada em "Samba de Preto", com produção caprichada assinada por Adair Daufembach, que tem prestígio no cenário brasileiro de heavy metal.
Por mais que seja difícil ouvir certas partes da música do quinteto paulistano, os músicos mostraram coragem ao encampar a proposta polêmica e têm o mérito de conseguir fazer algo diferente e inusitado em um cenário estéril e pasteurizado no rock nacional. Não é pouca coisa.
Sobre os Autores
Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.
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