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Ecos de sucessos do passado embaralham a realidade

Combate Rock

20/05/2019 06h46

Marcelo Moreira

Quanto dura um sonho? Qual o máximo de sua duração? Ou melhor: qual o limite da "negação" da realidade que insiste em nos assombrar? Não está errado quem chuta "25 anos" ou até mais.

Com a onda de "revivals" que temos observado, poderemos ver gente até mesmo com saudade dos tempos do governo de Ferando Collor de Mello, a julgar ela tragédia (anunciada, diga-se de passagem) que é a a dministração Jair Bolsonaro.

Em tempos em que são muito poucos os artistas de rock que ainda conseguem lotar casas de shows com no máximo 4 mil pessoas, surpreende que uma banda como Los Hermanos, que está cada vez mais ausente, consiga encher estádios como o Maracanã e o Allianz Parque, em mais uma turnê de "retorno".

E o que dizer do sucesso absoluto da dupla outra sertaneja-infantil Sandy e Júnior, com sua profusão de shows extras por conta do esgotamento de ingressos em tempo recorde? Igualmente podemos dizer do sucesso  inacreditável dos sertanejos reunidos dentro da coisa absurda chamada "turnê dos amigos"…

Fugir da realidade costuma ser uma especialidade do povo brasileiro, especialmente quando os "mitos" caem dos pedestais e ameaçam a vida real.

Os mesmos valentes que foram às ruas contra Collor em 1992 e contra Dilma 21 anos depois agora estão amortecdos e entorpecidos (ou seriam envergonhados e acovardados?) diante de tamanho fiasco do governo Jair Bolsonao. O que restou para essa gente, em grande parte identificada (ou abduzida?) pelo ideário conservador? Infelizmente, restou o déja vu, clamar pelo retorno dos "bons tempos"…

Los Hermanos (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Só isso para explicar a suposta devoção a uma banda que se tornou bissexta e que sempre esteve longe da qualidade musical de bandas clássicas do rock nacional, como Paralamas do Sucesso, Titãs, Ira! e Barão Vermelho, que ainda estão na ativa e que há um bom tempo não enchem estádios.

Esse saudosimo tem uma conexão com uma realidade difusa e perversa, que explicita, de certa forma, parte de um fracasso da sociedade nos últimos 25 ou 30 anos.

Evoca um sentimento de que não houve evolução em quase todos os sentidos e que os ecos do passado ainda são fortes demais diante da paralisia e do entorpecimento que os enormes obstáculos nos impingem.

Se por um lado Os Tribalistas, outra banda bissexta, fez apenas uns poucos shows recentemente apenas para encerrar as atividades e por um ponto final em uma trajetória bem-sucedida, mas muito focada como projeto paralelo, a ressurreição de outrora projetos principais esgotados e fora de propósito às vésperas da terceira década do século XXI demonstram que a realidade incomoda.

No desespero de encontrar caminhos e soluções para os problemas de uma era agitada e de demolição de muitas certezas, a resposta, inacreditavelmente, está no passado, na fuga para um tempo em q ue a infância, supostamente, era feliz e sem responsabilidade, sempre com a trilha sonora de Sandy e Júnior ao fundo, ali nos anos 80.

Ou então com as músicas dos Los Hermanos tocando em festinhas de ginásio ou início de faculdade, mesmo que. no final dos anos 90, o Plano Real estivesse ameaçado.

Eram épocas em que, com profundos problemas econômicos e caos político, havia uma esperança no ar, com uma explosão de ideias e debates, com genuínas preocupações com evolução e progresso.

Épocas em que os sertanejos rivais se juntavam para ganhar dinheiro juntos e difundir a deia de "união faz a força", em que as músicas infantis da dupla infantil espalhava um clima positivo de otimismo; e em que uma banda de rock carioca que sonhava com a bossa nova e com a estética da melancolia contemplativa indicava os caminhos da música pop.

A procura desenfreada por ingressos dos três eventos revivalistas escancaram a busca por uma busca por uma realidade paralela com dos dois pés encravados no passado, uma fuga de um momento delicado em que há déficit de otimismo e de esperança.

Os sertanejos e os sertanejos infantis, de certa forma, oferecem tais coisas de forma parcial, enquanto queo roquismo carioca com verniz bossanovista oferece um tipo de conforto entorpecido e contemplativo, ainda que por motivos diversos.

Em termos mercadológicos, haverá quem fique feliz com esse sopro de vitalidade, que chacoalhou o público do showbiz e dos eventos de arena, mesmo que a realidade, algum tempo depois do final de tais eventos, os jogue no mesmo cenário difícil de antes.

Será que estes otimistas com os ecos do passado poderão sonhar com o Maracanã lotado em um show dos Paralamas do Sucesso, do Jota Quest ou do Skank? Será que o Ira!, que conseguiu encher o Carioca Club, terá capacidade para colocar muita gente no Pacaembu ou no Canindé? E o que dizer de um Sepultura? Teria condições de colocar 10 mil pessoas em algum lugar com ingressos a R$ 100, por exemplo?

Tempos estranhos e extraordinários em que vivemos atualmente, parafraseando o historiador inglês Eric Hobsbawn. Regressamos a uma era que julgávamos sepultada, mas que o bolsonarismo fez questão de exumar, e da pior forma possível, com toda a sorte de retrocessos.

Entretanto, muita gente acredita que na adversidade extrema é que a criatividade ressurge e aponta caminhos e soluções para enfrentar os retrocessos, as arbitrariedades e os autoritarismos, sendo que os ecos do passado, ainda que tenham sido bem-sucedidos, nos lembram que é possível desembaralhar a realidade do presente. Que pelos para isso Los Hermanos, Sandi e Júnior e os sertanejos amigos sirvam.

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

Sobre o Blog

O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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