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Álbum ‘Rattle and Hum’, do U2, completa 30 anos

Combate Rock

21/10/2018 07h00

 Rafael Franco* – publicado originalmente no site Roque Reverso

Sexto álbum de estúdio do U2, mas que contém várias músicas extraídas de apresentações ao vivo, o icônico "Rattle and Hum" completa exatas três décadas do seu lançamento neste dia 10 de outubro de 2018.  Com sua produção iniciada em 1987, quando a banda estourou de vez nas paradas mundiais com o "The Joshua Tree", maior sucesso comercial da história do grupo, o disco acabou sendo consagrado por um documentário primoroso, homônimo, lançado logo em seguida, em 27 de outubro de 1988.

Na época, o quarteto formado por Bono Vox, The Edge, Larry Muller Jr e Adam Clayton vivia o seu auge e a fase inicial da era dos megashows que marcam até hoje as apresentações do U2, sinônimos de espetáculos grandiosos no cenário do rock.

O sucesso estrondoso do álbum anterior permitiu ao U2 se arriscar ao produzir um disco que ficou longe de ser apenas autoral. Consequentemente, o mesmo foi alvo de críticas também por se tratar de uma obra que contava com somente quatro singles, com as então recém-criadas "Desire", "Angel of Harlem", "When Love Comes to Town" e "All I Want Is You", o que motivou alguns especialistas mais exigentes a concluírem que a banda atravessava naquele momento uma crise de criatividade.

E o álbum misturou estas gravações em estúdio com outras de covers de hits como "Helter Skelter", dos Beatles, e "All Along the Watchtower", de Bob Dylan, e trouxe até a gravação do hino norte-americano "The Star Spangled Banner", tocado por Jimmy Hendrix durante apresentação do lendário guitarrista no festival Woodstock de 1969.  Era outro sinal claro do rotineiro experimentalismo e da ousadia do grupo, que em 1991, de novo sem medo de errar, daria uma guinada radical em seu rumo com o lançamento do álbum "Achtung Baby".

No auge do sucesso, o U2 emplacou neste "Rattle and Hum"parcerias com dois mitos da historia da música. Um deles é o próprio Bob Dylan, que toca um tipo antigo de órgão elétrico na faixa "Hankmoon 269″ e faz backing vocals na belíssima "Love Rescue Me". Esta última canção foi escrita em conjunto por Bono e Dylan, em 1987, e inicialmente chamada de "Prisioner of Love" durante encontro dos dois em Los Angeles.

Outro nome de peso a dividir o palco com o quarteto irlandês é B.B. King, lenda do blues, que canta e toca guitarra na excelente  "When Love Comes to Town", feita em homenagem a ele. "Angel of Harlem", por sua vez, foi composta como um tributo a Billie Holiday, famosa cantora norte-americana de jazz, que morreu em 1959.

"Angel of Harlem", "Desire", "Love Rescue Me" e "When Love Comes do Town" foram todas gravadas no Sun Studios, em Memphis, onde lendas como Elvis Presley, Jerry Lee Lewis, Jonhny Cash e Roy Orbison, entre outros, eternizaram as suas canções.

FOTO: DIVULGAÇÃO

Na esteira do 'Joshua Tree'

O álbum "Rattle and Hum" também traz a clássica "I Still Haven't Found What I'm Looking For", do "The Joshua Tree", em uma versão na qual o coral gospel "The New Voices of Freedom" canta com o U2 em show no Madison Square Garden, em Nova York, e ainda aparece no documentário do disco em performance de ensaio dentro de uma igreja no Harlem, famoso bairro nova-iorquino.

De maneira discreta para deixar o coral como protagonista, Bono inicia a música sentado em um dos bancos da igreja, com The Edge ao seu lado fazendo uma base simples na guitarra e o baterista Larry Mullen Jr ao fundo tocando um instrumento de percussão.  Enquanto isso, as cantoras da igreja foram regidas por um maestro.

Na saída do local, os integrantes do U2 também foram filmados acompanhando parte de uma apresentação de dois artistas de rua no Harlem, onde um deles usa uma gaita e outro canta, toca guitarra e uma pequena bateria ao mesmo tempo. Curiosamente, um trechinho da canção que eles executavam, chamada de "Freedom for my People", foi incluída como uma faixa do disco e entrou no documentário.

Fruto da histórica turnê do "The Joshua Tree" pelos Estados Unidos entre 1987 e 1988, o "Rattle and Hum" conta com uma apresentação ao vivo de "Bullet the Blue Sky", que não poderia ficar fora do disco e do documentário.

O motivos para isso são simples. O título do álbum que completa 30 anos nesta quarta-feira foi retirado de um trecho desta canção, sendo que a imagem escolhida para a sua capa e a do próprio documentário, com Bono direcionando a luz de um holofote sobre The Edge enquanto ele toca a sua guitarra, foi inspirada em uma cena de uma performance de "Bullet the Blue Sky" durante um show em solo norte-americano.

O álbum tem 17 faixas, enquanto o documentário conta com 25 e proporciona como outro atrativo de peso uma versão ao vivo épica do clássico "With or Without You" e outras também muito boas de "Where The Streets Have No Name", "Running To Stand Still", "In The God's Country" e "Exit", todas também do aclamado "The Joshua Tree".

Politizada e raivosa ao vivo

O "Rattle and Hum" também reforça o caráter voltado para as grandes apresentações em shows, pois o seu documentário pincelou performances ao vivo marcantes do U2 em hits até de outros discos anteriores, como "Pride (In The Name of Love)" e "Bad", ambas do "Unforgettable Fire", de 1984, e a clássica "Sunday Bloody Sunday", do "War", de 1983.

Esta última tem como tema inspirador o episódio sangrento no qual tropas britânicas atiraram contra manifestantes de direitos civis na Irlanda do Norte, em janeiro de 1972, quando 14 pessoas morreram (entre elas seis crianças) e outras 26 ficaram feridas.

Nesta performance de "Sunday Bloody Sunday", ocorrida em Denver, Bono faz um discurso raivoso durante a música. O vocalista estava revoltado porque, horas antes da apresentação, uma bomba lançada por militantes do Exército Republicano Irlandês, mais conhecido como IRA (na sigla em inglês), havia matado 11 pessoas em uma cerimônia em Enniskillen, na Irlanda do Norte.

Furioso, ele chegou a gritar "Fuck the Revolution!" ao condenar a ação terrorista e a ideologia extremista do IRA. E a própria banda ficou em dúvida se colocaria ou não esta performance no documentário, tendo em vista possíveis repercussões e consequências negativas temidas pela manifestação contundente de Bono no palco. No fim, ficou fora do disco, mas entrou no filme como um dos pontos altos do documentário.

Sete músicas deste show em Denver, por sinal, foram usadas no documentário.  Uma delas, executada com vigor e o tom questionador e de posicionamento político que o U2 sempre se preocupou em ter através de sua forte influência musical, é a faixa "Silver and Gold", presente também no disco. A canção fala sobre a vida de um homem que enfrentou a segregação racial em meio ao Apartheid na África do Sul.

Uma serie de entrevistas e depoimentos com os integrantes da banda, entre os quais alguns ao lado de B.B. King enquanto mostram a letra da música feita em homenagem ao astro, tornaram o documentário ainda mais atraente. E a banda também rouba a cena durante uma performance de rua em São Francisco, nos EUA, onde executa uma poderosa versão de "All Along the Watchtower" à frente de um grande público.

Em meio a esta performance, Bono chega a pichar parte da estrutura da ponte ao lado do palco improvisado no local, normalmente usado para o transporte urbano, com a frase "Rock and roll stops the traffic". Antes disso, ele é filmado dentro de uma van enquanto ensaia no violão a música de Dylan que se tornou um sucesso ainda maior em interpretação grandiosa de Hendrix, indiretamente também homenageado pelo U2 neste cover.

Documentário caro, disco rentável

A gravação do disco pela Island Records, produzido por Jimmy Lovine, e a consequentemente realização do documentário, lançado pela Paramount Pictures com direção de Phil Joanou e produção de Michael Hamlyn, exibiu claramente as influências do U2 na música norte-americana e evidenciou como esse mergulho no grupo no mercado dos Estados Unidos ajudou a transformá-lo em um fenômeno de popularidade em todo o mundo.

E a película encanta também pela forma bela como foi filmada. Misturando imagens reproduzidas propositalmente em preto e branco a outras coloridas, por meio de dois diretores de fotografia para cada um destes formatos, registra a banda dentro e fora do palcos, seja em Dublin, terra natal de três de quatro integrantes do quarteto, ou em Graceland, nos Estados Unidos, onde o grupo visita a casa que era de Elvis Presley. No local, Larry Mullen Jr. chega a se emocionar ao retratar a importância do mítico astro, morto em 1977, como referência para a sua carreira.

Com um nível de produção raro para a época e qualidade de imagem excelente em um tempo ainda distante da introdução da TV digital, o documentário ganhou tratamento de filme e inicialmente foi financiado pelo próprio U2 com o objetivo de ser exibido em um número limitado de salas de cinema por se tratar de uma produção independente. Porém, o orçamento da produção estourou e a Paramount Pictures acabou comprando os direitos da película antes de lançá-la nos cinemas e depois em VHS. E, vários anos mais tarde, em DVD.

Com um gasto estimado de US$ 5 milhões para ser produzido, angariou um retorno financeiro considerado pequeno, de US$ 8,6 milhões, mas alavancou o sucesso comercial do disco, que teve os seus hits de estúdio atingindo o topo das paradas em vários países e vendeu cerca de 14 milhões de cópias.

*Rafael Franco é jornalista da Agência Estado

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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