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Syd Barrett, o gênio interrompido do Pink Floyd, ganha boa biografia

Combate Rock

16/02/2014 16h13

Marcelo Moreira

Syd Barrett não está em entre nós. Era assim que o guitarrista Pete Townshend, do Who, se referia ao líder e fundador do Pink Floyd quando a banda tocava no clube londrino UFO, no final de 1967. A banda já era sucesso, com três singles e um álbum ótimo nas paradas, mas estava à beira de se esvair em fumaça por conta do comportamento errático de seu guitarrista, cantor e principal compositor. Townshend ficou fascinado quando viu Barrett tocar no mesmo lugar um ano antes e correu para levar seu amigo desconfiado, Eric Clapton, para ver a novidade.

Essa foi a principal característica pessoal de Syd Barrett a partir do momento em que seus problemas emocionais e lisérgicos – e posteriomente psiquiátricos – foram agravados: quase sempre Barrett não estava entre nós e com ninguém , por mais que seu corpo mulambo, despenteado e às vezes malcheiroso, estivesse por ali, jogado em algum canto do ambiente.

A trajetória deste músico inglês importante e influência de muita gente boa na música finalmente chega ao Brasil em uma edição concisa, mas bem cuidada. "Crazy diamond – Syd Barrett e o surgimento do Pink Floyd", de Mike Watkinson e Pete Anderson, foi lançado pela Editora Sonora e ainda hoje é considerada a mais importante biografia do ex-líder do Pink Floyd.

Os autores, profundos conhecedores da banda, entrevistaram todos os que tinham algo a falar sobre o músico, de integrantes do Pink Floyd a ex-namoradas, bem como algumas declarações de parentes, como a irmã mais nova, Rosemary. O texto é rápido, informativo e reto, sem perda de tempo com considerações pessoais ou filosóficas a respeito da obra e do comportamento do guitarrista. Também evita ao máximo análises e diagnósticos antes do epílogo. Tudo é bem documentado e preciso, ainda que se observe uma evidente admiração da dupla pela figura insólita e ímpar de Barrett.

A admiração não é motivo, entretanto, para amenizar, de alguma forma, a "excentricidade", os abusos e o comportamento maluco. As principais presepadas estão narradas de forma dura e seca, sem considerações de qualquer natureza, assim como a progressiva desintegração mental e comportamental. Um bom trabalho jornalístico e de reconstituição histórica.

O viés interpretativo aparece quando o assunto é o legado musical do guitarrista e, em alguns aspectos, na descrição de como ele foi tratado em seus últimos momentos na banda. Ainda que predomine o tom sóbrio, há resquícios de uma certa "condenação" dos outros integrantes em relação à atenção dispensada ao ex-líder. Watkinson e Anderson deixam claro que a saída de Barrett era inevitável – se não tivesse sido excluído em abril de 1968 do Pink Floyd, acabaria saindo mais tarde. O questionamento é quanto ao pragmatismo do grupo, que teria tido menos paciência do que se esperaria de caras que eram considerados amigos do guitarrista.

Seja como for, Barrett foi bem retratado no livro, com seus defeitos e manias, mas também com muita informação sobre seu incrível e original trabalho à frente do Pink Floyd nos primórdios. Criativo, inventivo e compositor único, foi um dos raros astros de rock a não deixar ninguém indiferente.

Gênio? Talvez seja um exagero e uma supervalorização de quem teve uma carreira curtíssima, de apenas dois anos, com um álbum gravado e 13 músicas de muito bom nível – seus dois álbuns solo, lançados em 1970 e 1971, são menos relevantes em termos qualitativos. Mas é um dos maiores nomes do gênero, tanto como compositor como guitarrista, mesmo com uma parca obra, façanha de pouquíssimos. Dá para enumerar em uma só mão quem conseguiu ser tão original quanto ele.

Barrett tinha um fã clube considerável entre os músicos – Townshend, David Bowie, Kevin Ayers e tod auma leva de discípulos, dos Sex Pistols Clash e The Jam a Jesus and Mary Chain – , mas nunca foi unanimidade. Gary Brooker, tecladista e cantor do Procol Harum, não gostava do Pink Floyd e considerava algumas letras de Syd Barrett um pouco infantis (o que tinha bastante fundamento). Joe Boyd, o primeiro produtor do Floyd, que sofreu horrores para tentar disciplinar o guitarrista, também tinha a suas reservas quanto a obra composta por ele.

Capa de Crazy Diamond: biografia de Syd Barrett.

Não resta dúvida, no entanto, que a partida precoce de Barrett para outro planeta foi uma perda importante para o rock. Mesmo o reticente Roger Waters, que sempre se irritou com o que chamou de "suposta influência gigante sempre" na carreira da banda, admite que o guitarrista era um "músico e compositor incrível, e que poderia ter se tornado um dos gênios do rock, caso não tivesse pirado".

Alegre e bem humorado quando criança, começou mostrar alguns sinais de instabilidade no final da adolescência, que muitos atribuem à morte do pai, um famoso médico, em 1961. Dividido entre as artes plásticas e a música, tinha rompantes violentos e desde cedo caiu de cabeça no LSD, droga alucinógena que pode ter sido o catalisador que desencadeou parte de seus problemas emocionais e psiquiátricos, de acordo com especialistas entrevistados por revistas inglesas nos anos 70 – opinião compartilhada por Rick Wright, tecladista do Pink Floyd.

Todos são unânimes em contar o consumo industrial e compulsivo de uma das drogas mais pesadas e perigosas, a ponto de muitas namoradas, ex-namoradas, amigos de infância e mesmo a irmã Rosemay não o reconhecerem depois de algum tempo sem vê-lo, já no final de 1966 e no ano de 1967, que teria sido o auge do consumo – ao menos enquanto era músico profissional atuante.

Comportamento errático, insano, violento (batia nas namoradas) era comuns em Barrett a partir de 1965, mas quando passou a ficar catatônico a coisa complicou. No palco, quando tocava, ficava apenas em uma nota o show todo, obrigando o baixista Waters a cantar as músicas e o tecladista Wright a cobrir suas partes. Em alguns shows parava de tocar no meio e ia embora, assim como em entrevistas e gravações de programas de rádio e TV. Waters e Wright evitam dizer diretamente, mas creditam a Barrett o fracasso da turnê norte-americana de 1967, a primeira do grupo, que durou só uma semana.

Depois dos três singles e do ótimo álbum "A Piper At The Gates of Dawn", veio a pressão natural por mais músicas e mais álbuns, e Barrett era o gênio compositor. Foi demais para o instável e frágil guitarrista, que simplesmente se desconectou dos outros integrantes em dezembro de 1967. Barrett não compunha mais, atrapalhava a banda no palco e se rebelava no estúdio por qualquer coisa.

Nem mesmo o paliativo de chamar o guitarrista amigo de infância David Gilmour para ajudar nas composições e no palco deu certo. O Pink Floyd foi um quinteto por apenas dois meses e não certo. Como última tentativa para aliviar a pressão sobre Barrett, ventilou-se a possibilidade de ele não mais tocar. Seria como Brian Wilson nos Beach Boys pós-1967, ficaria apenas compondo e participando ocasionalmente das gravações. Poderia ter dado certo, se ainda houvesse qualquer resquício de comunicação com Syd.

O resultado é que, em abril de 1968, a van da banda pegou todo mundo para um show na região metropolitana de Londres. Alguém da equipe técnica lembrou e perguntou: "Não vamos pegar Syd?" Ningupem respondeu. E nunca mais a van passou na casa dele para pegá-lo.

Os empresários do Pink Floyd ainda tentaram manter Barrett na música, ajudando-o a produzir e lançar dois álbuns solo de pouca repercussão – ambos com auxílio precioso de Gilmour e Waters. Irascível, intratável e incompreensível, deixava produtores e engenheiros de som malucos, que começaram a recusar a trabalhar com o "maluco do Pink Floyd". Um terceiro álbum nem sequer começou a ser iniciado e a carreira musical enfim terminou em 1973, aos 27 anos, quando fracassou o seu trio, Stars, com dois amigos da Cambridge natal.

Recluso e cada vez mais insano, afastou-se de todos os amigos, gastou muito dinheiro de royalties que ainda recebia, e teve deixar um luxuoso apartamento em Londres para voltar a Cambridge, para morar com a mãe em uma casa modesta, ora no sótão, ora no porão. Outrora magrelo, tornou-se uma figura gorda e desleixada, vítima de diversos problemas de saúde. Morreu aos 60 anos, em julho de 2006, em razão de um câncer no pâncreas, agravado por complicações cardíacas em decorrência do diabetes, provavelmente ainda em busca de um planeta que acomodasse sua inquietude e sua insanidade.

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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