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Dio encantou, entreteve e ensinou muito a milhares de fãs

Combate Rock

17/05/2020 12h00

Marcelo Moreira

A notícia era boa demais para ser verdade: pela primeira vez na história o Black Sabbath tocaria no Brasil, iniciando a sua turnê mundial do disco "Dehumanizer" em São Paulo. A notícia parecia tão boa que as desconfianças eram grandes.

Em que estádio tocariam? Como? Na acanhada casa lendária Olympia, na Lapa? Mas é o Black Sabbath, e com Ronnie James Dio nos vocais!!!!!!! Era a maior notícia do heavy metal daqueles anos!!!!!

E foi assim que Dio e o Black Sabbath estrearam em palcos brasileiros, na aconchegante casas noturna da zona oeste de São Paulo, mas modesta para os padrões de um gigante extraordinário do rock. A banda merecia bem mais…

Tudo bem, anos antes Ian Gillan e depois o Deep Purple com Joe Lynn Turner nos vocais estrearam no Brasil na mesma casa de shows e também mereciam bem mais. Será que era um sintoma de que o rock clássico estava em, baixa na época?

"Ninguém acreditava muito que essas duas bandas finalmente tocariam no Brasil e elas estavam realmente em baixa na época. Ian Gillan tinha saído do Deep Purple em 1989 e, no ano seguinte, veio com a turnê do álbum 'Toolbox' para São Paulo. Superlotou todos os shows, que foram realizados em locais pequenos. O Deep Purple, em 1991, também tocou em locais menores e superlotados, um erro grave de avaliação de quem os contratou", conta Roberto Germano, microempresário da área de tecnologia e informação e que esteve em todos os esses shows.

"Quando anunciaram que o Black Sabbath com Dio tocaria no Brasil, foi uma bomba atômica. Era como se os Rolling Stones viessem. O meio musical ficou ansioso e tratou como o fato do ano na América do Sul, dentro do rock. O que ninguém entendeu, e se conformou, foi que os promotores estavam tratando aquilo como se fosse um show qualquer, a julgar pelos locais dos shows, casas pequenas. As apostas eram bem baixas", diz o fã da banda.

A repercussão da vinda do Black Sabbath, surpreendentemente, foi menor do que o esperado. A grande imprensa tratava o grupo apenas como um grande dinossauro e ignorava a importância da volta de Dio.

Entre o público roqueiro, as desconfianças eram muito grandes e somente os mais fanáticos vibravam. A ficha, o entanto, só caiu nas proximidades do início da turnê. O BLACK SABBATH VEM PRO BRASIL!!!!!!!!!

Germano, péssimo guitarrista e apaixonado pela banda com seus 24 anos em 1992, pediu demissão do banco onde trabalhava e ficou à espera da banda por duas semanas. Não perderia jamais os três shows, nos dias 23 (Olympia), 27 (Canecão, no Rio de Janeiro) e 29 de junho (complexo do Ibirapuera, em São Paulo) daquele ano.

O fanático se infiltrou nas empresas que realizavam a infraestrutura do shows no Ibirapuera, conseguiu um "frila" não remunerado como ajudante geral. Fez campana no hotel da banda e quase entrou na entrevista coletiva de Tony Iommi (guitarra) e Dio, em São Paulo.

Tanta dedicação lhe rendeu um grande prêmio: duas rápidas conversas com Dio, no saguão do hotel e pouco antes do show, no Ibirapuera.

"No saguão, com crachá, eu me aproximei dele e disse rapidamente: 'Obrigado', em inglês. Ele me olhou intrigado, mas sorrindo. 'O que eu fiz?', ele perguntou. Só tive tempo de responder: 'Pela música, por sua música'. Ele parou e veio me cumprimentar. Emocionado, só entendi algo como 'Eu é que tenho de agradecer."

Black Sabbath no Cemitério eo Araçá, em São Paulo, junho de 1992. A escolha do local foi uma ideia do radialista e jornalista Vitão Bonesso, fã alucinado da banda, que acompanhava os integrantes e o fotógrafo Fin Costello, responsável pelo livro de fotos da turnê mundial. A foto foi publicada como pôster central da revista Kerrang! Inglesa.

Já no Ibirapuera, Dio reconheceu Germano, que estava em um corredor próximo ao palco. O fã exibia sorridente os LPs "Heaven and Hell" e "Mob Rules", do Black Sabbath, "Sacred Heart", da banda Dio,  e "Long Live Rock'n'Roll", do Rainbow.

O fã nem precisou falar nada. O cantor baixinho o olhou, viu os LPs, sorriu de novo e nem pestanejou. Assinou rapidamente as capas dos discos e falou rapidamente: "Vejo você no show".

"Não dá para elaborar muito o que aconteceu naqueles dias. Não sei se ele era gente boa, generoso, chato, genioso, nada disso. Eu era e sou fanático por Black Sabbath. Ele como artista solo e pertencente a outras bandas era ok, eu curtia bastante, mas o Sabbath era tudo. Sua atenção e sua simpatia foram tão cativantes e necessárias que mudaram a minha visão de mundo. Assim como eu, outras muitas pessoas fanáticas foram tocadas pelo comportamento dele no Brasil. O resto da banda era reservada, mas Dio dava atenção e parecia se importar com o que a gente falava. O  mundo era diferente. Dio era diferente. Ele me ajudou a ver muitas outras coisas de forma diferentes. Desde que ele morreu escutei mais Dio do que Black Sabbath, que é a minha paixão", revela Germano.

O mundo mudou, mas certas coisas não mudam. Dio visitou o Brasil outras vezes, e Germano não conseguiu falar com o cantor nas visitas a São Paulo. Tentou enviar cartas, e-mails ou participar de entrevistas coletivas, mas ão conseguiu.

Quando o Heaven and Hell veio a São Paulo, em 2009 (era nada mais do que o Black Sabbath da era Dio com outro nome), Germano pensou em fazer plantão no hotel para conseguir alguma atenção. ao contrário de 17 anos antes, o seu foco não era mais Tony Iommi e Geezer Butler (baixista do Black Sabbath).

"Eu queria falar com Dio. Já tinha lido e escutado muita coisa a respeito dele e dos outros caras do Black Sabbath, e o foco tinha mudado. As coisas pareciam estar encaixadas desta vez e, aparentemente, o Heaven and Hell dia durar mais do que o previsto. Eu sempre achei que Dio era um ser iluminado, diferente, e esperava que pudesse dizer um 'oi' bem rapidamente. O show foi excelente, e me senti conectado com a banda e com ele de várias formas. Parecia que estava adivinhando que ele estava prestes a ir embora."

Germano ficou decepcionado com o fim precoce do Black Sabbath com Dio no final de 1992, quando a banda aceitou o convite para o falso show de aposentadoria de Ozzy Osbourne, que acabou rendendo um CD duplo ao vivo. Dio se sentiu traído por Tony Iommi e Geezer Butler e pulou fora.

Retomando a carreira solo, passou duas vezes pelo Brasil, gravou ótimos CDs e cedeu, de forma relutante, aos apelos para voltar a trabalhar com Iommi, Butler e Vinny Appice, o baterista das duas encarnações do Sabbath com ele.

A ideia era apenas gravar uma música inédita para compor uma coletânea do Black Sabbath dos tempos de Dio. surpreendentemente, as coias deram tão certo que acabaram fazendo três músicas inéditas.

No estúdio, os empresários de todos os envolvidos esfregaram as mãos quando o quarteto recebeu bem a ideia de voltar a se reunir para turnês e disco de inéditas, já que Ozzy Osbourne, o cantor original do Black Sabbath, estava mais preocupado e interessado no reality show de sua família criado depois que a formação original da banda tinha encerrado a turnê de 2004.

Ozzy se opôs à utilização do nome Black Sabbath – o nome sempre foi de Iommi, que acabou cedendo parte dos direitos ao cantor por conta da exigência da mulher e empresária, Sharon Osbourne, isso lá em 1997: "Ok, Ozzy topa voltar com a formação original, mas quer parte dos direitos sobre o nome da banda".

Black Sabbath do biênio 1991-1992: da esq. para a dir., Vinny Appice, Geezer Butler, Dio e Tony Iommi (FOTO: DIVULGAÇÃO)

E assim surgiu um novo grupo, o Heaven and Hell, que, além de gravar as três músicas da coletânea "The Dio Years", do Black Sabbath, lançou dois discos ao vivo como Heaven and Hell ("Live at Radio City Music Hall" e "Live at Wacken") e um CD de músicas inéditas, "The Devil You Know", muito bom.

Ao final da turnê do Heaven and Hell, que passou pelo Brasil, Dio teve que ser internado pra exames ao final de 2009. O câncer no estômago foi constatado, o que cancelou o início dos trabalhos de composição do novo disco e a turnê de 2010.

As coisas evoluíram rápido e Dio morreu em maio de 2010, aos 67 anos. "A comoção que sua morte causou é o maior exemplo do legado monumental que ele deixou. Até mesmo os desafetos choraram. Isso para mim é o sinônimo para a palavra ídolo. A vida de Dio se confunde com a minha", finaliza Germano.

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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