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Morre Astrid Kirchherr, a moça que 'criou' a imagem dos Beatles

Combate Rock

16/05/2020 07h00

Marcelo Moreira

O estudante nerd e intelectual pira no show de uma banda de rock explosiva, mas energética, em uma pocilga em um porto decadente. Logo chama a namorada e mais alguns amigos moderninhos que adoram a banda. A namorada do nerd se apaixona pelo galã do grupo e larga o namorado.

O enredo é de filme de sessão da tarde, mas é baseado em fatos reais e realmente virou filme – "Os Cinco Rapazes de Liverpool", de 1994 (título em inglês, "Backsbeat").

A vida dos Beatles nos inferninhos do porto de Hamburgo, na Alemanha Ocidental, ande aventura entre 1960 e 1962, antes da fama, mas não foi um mar de rosas.

E poderia ter sido muito pior sem a ajuda e admiração do casal Klaus Voormann e Astrid Kirchherr, que eram estudantes de arte e aspirantes a artistas.

Voormann perdeu a namorada para o baixista Stu Sutcliffe, mas logo superou a mágoa, tanto que continuou amigo dos Beatles pelas décadas seguintes. Aprendeu a tocar baixo, tocou em uma das bandas de John Lennon e Yoko Ono, fez a capa do álbum "Revolver", de 1966 e virou figurinha fácil na Londres musical dos anos 70, tocando baixop e contando histórias antigas dos quatro garotos de Liverpool na Alemanha.

Astrid Kirchherr em seu estúdio em Hamburgo, no começo dos anos 60 (FOTO: REPRODUÇÃO)

Já Astrid, a loirinha linda e moderninha de cabelos curtos e muita sabedoria, só desfrutou de um ano de namoro com o baixista, que logo abandonaria a banda para ficar com ela em Hamburgo para morrer de derrame cerebral aos 21 anos. E foi graças aos Beatles que ela se tornou um renomada fotógrafa e artista plástica.

Mas o foco é Astrid Kirchherr, a aspirante a artista que capturou um dos Beatles e que deixou outro, Lennon, caidinho de amores. Ela morreu nesta semana aos 82 anos de idade na Alemanha. A causa da morte não foi divulgada.

Assim como Voormann, Astrid teve importância fundamental na vida do então quinteto inglês que se apresentava nas boates do porto.

Mais do que dar um banho de cultura e informação àqueles moleques toscos e barulhentos, deu uma aula de estética e de postura pop. Foi a primeira a perceber o potencial artístico do grupo musical e o futuro iluminado que teriam.

Também foi a primeira a perceber, antes do que os Beatles, que Sutcliffe estava sobrando e que não deveria estar ali – pescou até mesmo que, apesar da aventura e da diversão, o baixista não queria estar ali.

Nas boas temporadas que passaram na cidade alemã, os cinco beatles se divertiram muito e tiveram todo o suporte do grupo de estudantes de arte.

Aprenderam muito do que viriam depois a desfrutar com o sucesso, e os monólogos de história da arte da loirinha mais velha e muito sabida encantavam os destemidos rapazes ingleses da classe trabalhadora.

Astrid Kirchherr era intelectualmente curiosa e artisticamente ambiciosa, mas jamais arrogante e pedante. Curtia realmente o som transgressor dos Beatles, como se eles fossem um grupo punk, diferente. E ficava feliz com o genuíno interesse deles por arte e por informação, embora sempre tivesse olhos para Sutcliffe, o mais velho deles e o que tinha algum apuro e senso estético.

Uma das primeiras sessões de fotos dos Beatles em Hamburgo, com George Harrison (esq), John Lennon (centro) e Paul McCartney ainda pouco naturais (FOTO: ASTRID KIRCHHERR/REPRODUÇÃO)

Convencido por Lennon a comprar um baixo e entrar para os Beatles, cedo percebeu que errara ao gastar o prêmio de um concurso de artes plásticas no instrumento – era um pintor promissor.

Astrid foi uma salvação em meio ao tédio de ter de representar que sabia tocar baixo – não sabia e nem chegou a aprender, apesar as aulas insistentes de Paul McCartney e John Lennon.

Com a loirinha alemã, o suposto baixista conseguiu encontrar uma alma gêmea para discorrer sobre artes plásticas e história da arte. Apaixonados, os dois foram viver no apartamento de classe média de Astrid e Sutcliffe não voltou para a Inglaterra após a segunda temporada em Hamburgo.

Graças a Astrid, os Beatles se tornaram um quarteto e Paul virou um dos maiores baixistas da história da música.

E foi ela também que criou o padrão estético roqueiro de fotos na primeira metade dos anos 60. Enquanto os já famosos Beatles estavam de terno e gravata quando sucesso veio, as fotos antigas de Hamburgo inundaram Londres e fez que com ue várias bandas adotasses aquele visual.

Ela mudou e moldou a imagem dos Beatles? Sim, principalmente naquele período de ingenuidade e aventuras. Tinha muito de James Dean, ator americano ídolo de adolescentes e jovens dos 50, um pouco de Elvis Presley e da cultura "teddy boy". O corte de cabelo que viraria a marca registrada da banda também foi ideia dela.

Sem Astrid Kirchherr os Beatles talvez se mantivessem mais selvagens, menos focados e menos instruídos. As noções estéticas de arte popular e de vanguarda europeia foram muito bem aproveitadas e contribuíram bastante para a bagagem que os quatro músicos apresentaram ao longo das décadas seguintes.

A fotógrafa se manteve próxima deles durante a década de 1960 e despontou como uma artista influente e importante a partir dos anos 70. Os conatos ficaram raros a partir de então, mas os músicos sempre a mencionaram como parte fundamental da identidade beatle antes e depois do estouro.

 

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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