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Genesis: o drama da separação e verdades sobre como a banda ficou gigante

Combate Rock

04/05/2020 06h31

Uma banda no auge da forma artística e da explosão de problemas internos. O Genesis chegou a 1975 se equilibrando entre o sucesso de "The Lamb Lies Down on Broadway", seu mais ambicioso trabalho, e as dificuldades de conciliação entre as tensões internas que culminaram com a saída do vocalista Peter Gabriel e o fim da chamada formação clássica. O drama que a banda passou no ano fatídico que definiu os rumos do quinteto é contado aqui de uma forma mais pessoal e mais humana, com alguns bastidores pouco conhecidos do grande público. Em texto especial para o Combate Rock, o jornalista Mauricio Noriega, do SporTV e da TV Globo, descreve alguns dos problemas que atingiram o Genesis em 1975 e que explicam a decisão de Gabriel de seguir em carreira solo, deixando os vocais para o baterista Phil Collins. Entretanto, também desmistifica muitos fatos que corroborariam a tese de que Phil Collins tomou conta da banda e ditou os rumos mais pop que se seguiram. É fato, no entanto, que a saída de Gabriel inaugurou uma era de sucesso absoluto, transformando o grupo em um gigante do mercado e dos estádios.

A formação clássica se reúne em 2014 quando do lançamento de um documentário realizado pela emissora BBC, da Inglaterra. Antes, em 1999, regravaram a canção "Carpet Crawler', hit da fase Gabriel. Na foto, da esq. para a dir., Gabriel, Hackett, Rutherford, Collins e Banks (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Mauricio Noriega – especial para o Combate Rock

O ano de 1975 foi uma fase de conflitos individuais que explodiu o Genesis, mas sem muitos feridos. A gravidez da mulher de Peter Gabriel foi difícil e ele se afastou justificadamente. Em "The Lamb Lies Down on Broadway", que foi lançado como um LP duplo, ele fez as letras e os outros quatro, as músicas, o que era um racha criativo importante.

O guitarrista Steve Hackett também estava trabalhando em músicas para "Voyage of The Acolyte", seu primeiro álbum solo. Gabriel e o tecladista Tony Banks eram os melhores amigos desde a escola, mas sempre tiveram uma relação tensa quanto às decisões da banda.

Por conta disso, Gabriel decidia agir por conta própria e não discutia com a banda decisões como as de usar máscaras e roupas no palco. A banda gostou porque rendeu publicidade, mas se incomodava porque a música ficava em segundo plano.

Há muita confusão por parte da crítica musical quanto ao som do Genesis e a influência de Gabriel nele. É uma visão tendenciosa. O guardião do som progressivo do Genesis chama-se Tony Banks, muito mais que Peter Gabriel e muito mais que Steve Hackett.

Todas as biografias do grupo e de integrantes dão conta de que o responsável pelos arranjos era Phil Collins. E todos os integrantes são unânimes em apontá-lo como o melhor músico do grupo.

As diferenças entre os discos "Trespass" e "Nursery Crime", em termos de som, são gritantes. As entradas de Collins e Hackett foram fundamentais para isso. O Genesis sempre quis fazer singles. Todos são fãs dos Beatles e de The Who. Diante disso, é quase consenso que a saída de Gabriel aliviou as tensões na banda. Lembremos que Collins era da família, isso não traria problemas com a base de fãs.

Aí entra outro erro grave da crítica especializada, que atribui a Collins a mudança do som. Trago dados. A primeira música romântica do Genesis é "Your Own Special Way", do "Wind and Wuthering", escrita por Mike Rutherford.

A excelente (para mim a melhor em termos de virtuosismo musical) fase de quatro membros marca também uma grande tensão entre Hackett e Banks (lembra-se do guardião do som do Genesis?). Hackett se incomoda porque mais músicas de Banks chegam aos discos do que as dele. As decisões são por votação da banda.

Hackett sai quando entende que tem material bom que a banda não aproveita e investe nos trabalhos solo. Ele sai durante as mixagens de "Seconds Out", de 1977, para mim um dos melhores ao vivo do rock.

Com os três remanescentes as tensões criativas se reduzem a um ponto contornável graças à grande amizade entre eles, principalmente entre Collins e Rutherford (uma cozinha perfeita).

Outro erro dos críticos, por puro preconceito, vem agora. O primeiro hit do Genesis, "Follow You Follow Me", não foi escrito por Collins, como equivocadamente apontam alguns críticos. A letra é de Rutherford para sua esposa Angie. A mudança no som é uma resposta ao movimento punk, que crucifica o rock progressivo.

O desejo de fazer canções mais curtas e diretas é da banda, não de Collins, que efetivamente só passa a contribuir mais como compositor a partir de "Duke", com as canções "Misunderstanding" e "Please Don't Ask Me". "Turn It On Again" é uma fusão de ideias de Banks e Rutherford que a banda trabalhou. A partir de "Abacab", a banda passa a compor coletivamente em jam sessions.

Outro ponto em que a crítica erra vergonhosamente ao analisar o som do Genesis como trio: a música sempre é composta em jam sessions, em grupo. As letras são individuais. Nenhum integrante traz ideias que sobraram de seus trabalhos solo. Mas pesa sobre os ombros de Collins a "culpa", uma acusação pesada das viúvas do som progressivo de Gabriel. Esquecem que o som de Gabriel tem muito de Collins.

Formação clássica do Genesis, na primeira metade dos anos 70: da esq. para a dir., Tony Banks (teclados), Phil Collins (bateria e vocais), Steve Hackett (guitarra) e Mike Rutherford (baixo e guitarra); abaixo, maquiado, Peter Gabriel (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Vamos lembrar a bateria em "Intruder". Quando chegamos a "Invisible Touch" e o mundo progressivo cai sobre a cabeça de Collins, temos outras informações. "Land of Confusion" é letra de Mike Rutherford, escrita com 40 graus de febre, ditada para Phil Collins à beira da cama do amigo.

Pode parecer tendencioso porque, embora goste muito da fase Gabriel, acho que o Genesis sem ele é muito melhor, mais palatável, mais direto, mais bem tocado e com som melhor. A música é priorizada.

Gabriel já tentava ser pop desde muito antes de "So" e seu megassucesso "Sledgehammer", onde usou metais sintetizados, coisa que os fãs do Genesis abominaram quando os metais do Earth Wind and Fire foram trazidos para a banda em "No Reply At All".

Gabriel sempre fugiu do Genesis depois que saiu. Praticamente não toca canções do grupo em sua carreira solo. Os demais o fazem regularmente. Gabriel parece ter receio de ver seu nome ligado ao que a banda fez depois dele, embora ele próprio tenha declarado que a banda fez muito mais sem ele do que com ele e admitisse uma certa inveja ao vê-los ao vivo. Ele até brinca que recebe elogios por "A Trick of The Tail", álbum do qual não fez parte.

Acredito que o sucesso fenomenal de Collins incomodou os fãs antigos da banda. Pior para eles, que deixaram de curtir muitas das melhores canções do Genesis que foram produzidas em formato trio.

Mesmo com a separação, em 1975, e a saída de Hackett, em 1977, os integrantes mantiveram a amizade. Em 1982 se reuniram para ajudar Gabriel, que teve prejuízos e sofreu ameaça de morte por causa do festival Womad, que ele criou.

A apresentação final da turnê do Genesis com a formação clássica foi com o Gabriel, em Milton Keynes Bowl, na Inglaterra. Hackett estava no Brasil e chegou a tempo para o bis.

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

Sobre o Blog

O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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