Zé do Caixão era o 'padroeiro' do metal brasileiro
Marcelo Moreira
Zé do Caixão era sombrio. Macabro. Desgracento (sic). Alguém que causava calafrios apenas de ter o nome mencionado. Não é à toa que assustava, e muito, pessoas pouco habituadas ao mundo do terror trash e clássico dos filmes B, C e D. Funcionárias da limpeza e da cozinha do prédio da Folha de S. Paulo, no centro de São Paulo, fugiam dele quando visitava o local devidamente trajado como o mestre das trevas.
Esse ser desgracento, de cartola e unhas enormes, vivido pelo genial José Mojica Marins, se divertia muito causando impacto e levando o personagem às raias do sobrenatural.
Cineasta, ator, escritor e dramaturgo, além de cenógrafo, era um dos artistas mais corteses que habitaram esse mundo. Adorava a aura de maldito no Brasil, por mais que isso o tornasse muito underground e pouco reconhecido. De riso fácil e gentil, gostava de falar e de brincar. E não levava muito a sério a sua fama tardia nos Estados Unidos como "Coffin Joe", o cineasta cult descoberto por nerds cinéfilos.
Morto aos 83 anos nesta semana, era um ídolo de uma geração de roqueiros, o que o divertia muito também. Ficou sabendo bem tarde que gente como os músicos do Sepultura e dos Ratos de Porão o veneravam e adoravam seus filmes de terror toscos de baixo orçamento -e, por isso mesmo, clássicos e cults.
Não foram poucas as vezes em que subiu ao palco com o Sepultura, em São Paulo, para abrir apresentações com seu show previsível e engraçado – e mágico.
"Eu sou rock'n'roll, embora eu só tenha percebido isso bem tarde. Sabe que é legal? Essa moçada faz um barulho danado, mas tem referência, é bem informada e um bom gosto indiscutível", disse certa vez na mesa de um bar cercado por roqueiros ávidos por um pouco de sabedoria e boas histórias.
Zé do Caixão era subversivo, embora não fosse essa, ao menos inicialmente, a sua intenção. E plena ditadura militar, desde 1964, sua obra cutucava e demonstrava aspectos tenebrosos de uma época tenebrosa.
Por meio da ficção barata de terror, conseguia expor alguns dos temores da sociedade civil ligada no autoritarismo e na escalada das restrições à liberdade de todos os tipos. era escrachado no terror e no sangue em profusão, ao mesmo tempo em que era sutil nas entrelinhas.
Poucos percebiam essa sutileza e a natureza subversiva e de resistência? Não importa. Era necessário que fosse assim e era necessário que fosse tosco e exagerado, o que lhe conferia certa genialidade nas obras macabras e marcantes.
A sua maneira, José Mojica Marins foi um extraordinário artista e importante dentro de um contexto difícil e perigoso. A marginalidade (enquanto artista fora dos grandes circuitos culturais) foi crucial para dar relevância a sua obra intensa e emblemática.
É parte indissociável de uma era da vida cultural brasileira e da formação de muitos artistas e intelectuais absorveram tudo o que puderam dele para criar um mundo paralelo onde Zé do Caixão era o mestre das trevas.
E como mestre das trevas não perdia a piada. "Gostei desse tal de Ozzy, parece bem amedrontador. Mas o Zéd do Caixão é mais original e assustador", brincava quando encontrava os caras do Sepultura.
Mojica era mestre do cinema trash e do horror, e também era bastante rock'n'roll. Era uma espécie de padrinhjo do som pesado e extremo brasileiro. Sua morte deixa muitos órfãos dentro do nosso rock.
Breve resumo da carreira: como ator ele esteve em longas como "Padre Pedro e a Revolta das Crianças" (1984), "O Profeta da Fome" (1970), "O Segredo da Múmia" (1982) e "O Gato de Botas Extraterrestre" (1990). Como diretor, ele fez "À Meia-Noite Levarei Sua Alma" (1963), "Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver" (1966), "O Estranho Mundo de Zé do Caixão" (1967), "O Despertar da Besta" (1969), "A Virgem e o Machão" (1974), "Como Consolar Viúvas "(1976), entre outros.
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