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Paul Di'Anno está se despedindo: celebremos uma lenda viva do rock

Combate Rock

19/02/2020 06h35

Marcelo Moreira

Ele nunca aprendeu a falar português, mesmo tendo morado por um tempo em São Paulo. Até mesmo os palavrões que aprendeu assistindo ao Corinthians no Pacaembu soavam difíceis de pronunciar e entender. Mesmo assim, era uma companhia divertidíssima nos bares do Bom Retiro e das proximidades da quadra da Gaviões da Fiel.

Já debilitado e usando bengala para andar, o cantor inglês Paul Di'Anno, o primeiro vocalista da fase de sucesso do Iron Maiden, fazia questão de cumprir todos os compromissos que lhe arranjavam. "Só quero que tenha cerveja", dizia com um sorriso sacana.

Nos frequentes rolês pela Galeria do Rock, onde se sentia em casa – "não existe lugar como esse no mundo" -, gostava de conversar com todo mundo e repetir as mesmas histórias de sempre.

Pena que, infelizmente, ele já era uma caricatura do grande artista que tinha sido. Faltavam-lhe fôlego, condição física nos joelhos e memória para lembrar as letras mais complicadas.

Estamos falando de um período entre 2010 e 2011, quando ele demonstrava que a carreira estava no fim. Agora, dez anos depois, Di'Anno finalmente cumpriu a promessa e marcou o último show de sua carreira, aos 61 anos de idade e vários problemas de saúde que praticamente o obrigam a ficar sentado o tempo inteiro.

Na verdade, podem ser dois shows na Inglaterra. As apresentações acontecerão no festival Beermageddon, na Inglaterra, nos dias 28 e 29 de agosto.

Ele estará à frente do Ides of March, grupo composto pelos ex-membros do Maiden Terry Wapram (guitarra), Terry Rance (guitarra), Doug Sampson (bateria) e Speed Harris, que toca em uma banda cover do Iron Maiden.

Paul Di'Anno em entrevista ao Combate Rock e ao Estadão.com no ano de 2011 (FOTO: MARCELO MOREIRA)

Enquanto isso, saboreemos um último trabalho dele que foi lançado recentemente, onde ele demonstra muita garra, só que com a voz claudicante. "Hell Over Waltrop – Live in Germany" é uma gravação perdida de 2006, em que desfila alguns hits do Iron Maiden e canções emblemáticas de sua carreira.

Encrenqueiro e carismático, Di'Anno era um punk perdido em uma banda de metal, embora no começo dos anos 80 fosse um pouco difícil diferenciar os dois gêneros, dependendo da tosqueira e da banda de garagem que fosse analisada.

Sua chegada ao Iron Maiden coincidiu como estouro da NWOBHM (New Wave of British Heavy Metal). O vocal agressivo e rasgado combinou com o instrumental pesado e veloz que o baixista Steve Harris, o dono da banda, imprimiu ao quinteto.

Tudo foi muito rápido a partir de meados de 1979. As fitas demo ganharam as rádios pitaras e os clubes de rock da Grande Londres e logo a banda entraria em estúdio para gravar o álbum de estreia, em 1980.

Di'Anno era a ponta de lança da ferocidade de uma música que extrapolava, e muito, os limites musicais e estéticos do punk, seja  em atitude, seja em qualidade.

O Iron Maiden saiu do underground dos subúrbios e ganhou a Europa, enquanto que seu vocalista caía de cabeça nos extremos do mundo roqueiro. Muita cerveja, muita encrenca, muita briga e alguma droga revelavam uma personalidade autodestrutiva e que, não raro, levava junto quem estava por perto.

Por isso não se surpreendeu quando o empresário Rod Smallwood lhe disse que estava fora após a gravação de "Killers", o segundo álbum do Iron \Maiden, em 1981. ]

Tanto o empresário como Harris estavam fartos do cantor problemático e briguento e monitoravam havia alçgum tempo Bruce Dickinson, cantor e compositor do Samson. E foi naquele ano de 1981 que, nos bastidores de um festival, Dickinson foi convidado a cantar no Iron Maiden, já uma potência continental.

Paul ficou com raiva, mas entendeu o que aconteceu e se convenceu de que ele tinha de ser demitido. Ao longo dos 20 anos seguintes tentou retornar ao topo com bandas como Battlezone e Killers, além de frequentar o Brasil com regularidade a partir de 1996.

Aqui montou um grupo, em São Paulo, com quem gravou o álbum "Nomad", e excursionou pela América do Sul várias vezes. Gostou tanto que ligou para a mulher em Londres e avisou que moraria um tempo na capital paulista, sua segunda casa.

Paul Di'Anno em show recente (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Repetiu a situação algumas vezes neste século. Mesmo quando esteve preso em Los Angeles, nos Estados Unidos, por causa de uma briga em um bar, não deixou de pensar no Brasil. Voltava sempre e ficava na casa de amigos ou em hotéis no centro.

O Brasil só ficou distante quando os problemas de saúde se agravaram e teve ainda de cumprir uma prisão de meses na Inglaterra por causa de dívidas previdenciárias antigas.

"O Iron Maiden é responsável por muita coisa do que sou, e por parte de minha carreira. Só que tenho talento e já mostrei fora do Maiden. Portanto, sou um abençoado ao saber que gente em locais distantes, como Brasil, me respeitam e gostam do meu trabalho a ponto de me fazer se sentir em casa em São Paulo. Isso não tem preço", disse o cantor a este jornalista em entrevista há muito, muito tempo.

Di'Anno fará muita falta, mas que pelo menso parte de sua aposentadoria seja nos botecos do Bom Retiro ou nas lojas de CDs da Galeria do Rock.

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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