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Ainda precisamos do rock? Sim, desde que ele sobreviva

Combate Rock

28/01/2020 06h57

Carlos Lopes (*) – especial para o Combate Rock

Uma coisa é certa: enquanto houver um garoto (ou garota), uma guitarra e um amplificador – em uma tomada – o rock "nunca morrerá"… Será?

Em 1968, os Rolling Stones Mick Jagger e Keith Richard, em fuga da Justiça e da moral inglesas, vieram ao Brasil. Jagger descobriu o batuque do candomblé na Bahia – enquanto que, no Marrocos, o guitarrista Brian Jones vivia um poderoso insight espiritual sob o efeito de tambores, flautas e um menino dançarino vestido com a pele de um bode!

Jagger, inspirado pela revelação baiana, cunhou umas de suas mais corretas reflexões: "Os brasileiros não precisam de rock. Vocês já têm o verdadeiro rock que é o candomblé!"

Apesar de o rock e o candomblé possuírem o mesmo cheiro de senzala (como diria o jurista Ruy Barbosa, também baiano), a maior parte do público de rock renega essa origem ao não entender que rock, samba, blues, funk e macumba são a mesma coisa.

Mick Jagger (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Nascido entre escravos, criado pelos desprezados sociais, o rock and roll ("mete e mexe" em tradução literal) se embranqueceu, atingiu outros patamares e se separou de seus primos, dentre eles a soul music.

Estaria Lobão certo desde o seu "O Rock Errou", em 1986? Provavelmente sim, mas essa é uma questão muito pessoal que nada tem a ver com alcateias e nem com o que se convenciona chamar de rock…

Assim como o rock pode estar morto por ter se desgarrado de sua origem inconsciente mais profunda, Deus também estaria morto desde a reflexão do filósofo alemão Friedrich Nietzsche em 1882. Mesmo assim, tanto o rock como "Deus" sobrevivem. Entre aspas e pastores.

"Vivo em minha própria casa
Jamais imitei algo de alguém
E sempre ri de todos os mestres
Que nunca se riram de si também."

A Gaia Ciência (Nietzsche).

O rock, assim como ocorreu com outros gêneros musicais, está distante dos seus dias de glória, tanto pelo cansaço como pela infinita repetição de fórmulas, mas, principalmente, pelo desinteresse da indústria em promovê-lo para as camadas populares.

E foram as camadas populares que criaram o estilo há mais de um século – se contarmos a história a partir dos terreiros e das bandas de jazz -, pois é a sagrada e poderosa indústria que determina quem sobe ou desce ao pódio.

Essas camadas populares, o tal do povo, é execrado pela maioria dos roqueiros, que os vê como ignorantes, evangélicos fanáticos e massa de manobra. E são esses mesmos "ignorantes" que foram fãs de rock brasileiro nos anos 1980, porque a indústria assim o quis.

E o maior motivo que permitiu que as bandas nacionais oitentistas vendessem mais de um milhão de álbuns cada não foi a qualidade das músicas e letras, mas o investimento financeiro feito pelas gravadoras para que os discos tocassem em rádios, TVs – e no "Cassino do Chacrinha".

E assim como o povo em 2020 não gosta mais de rock, o próprio rock se afastou do povo com seus festivais com ingressos exorbitantes, seus meet and greet, letras em inglês e sua desconexão cultural. Hoje, muitos ex-fãs de rock dos anos 1980 votam em nazistas…

Carlos 'Vândalo' Lopes (FOTO: DIVULGAÇÃO)

O rock, pelo menos desde o final do grunge, tem se tornado extremamente conservador, e isso já se sentia no próprio grunge, porque o estilo também era conservador, ao perpetuar os mesmos clichês estéticos e musicais de gerações anteriores.

Toda a mítica revolucionária, dos anos 60 e 70, a mesma que alegava que o rock era mais do que música, repetida infinitamente através de gerações a gerações, já não impressiona ninguém, porque a maioria das bandas, dos fãs e da imprensa especializada pouco se interessa em mudanças.

E o rock sem mudanças morre. Ou sobrevive fossilizado como uma operação plástica, uma peça de museu, ou um velho filme mudo preto e branco.

"O rock morreu com as atitudes
De artistas que só se preocupam consigo
E nunca com seus semelhantes
Sua transgressão planejada
Sua atitude rebelde em capas de discos
A fé de remover montanhas cede
À força dos tentáculos do materialismo
Consumismo e mercadoria

O rock só deveria existir enquanto existissem razões do coração,
Enquanto o sangue circular pelas veias
Enquanto a música ainda servir para fazer pensar
Como o rock pode viver se está sufocado
Dentro de frascos de detergente?"

(*) Carlos Lopes, também conhecido como Carlos Vândalo, é músico, jornalista, desenhista, ilustrador e professor. Cantou e tocou guitarra nas bandas Dorsal Atlântica, Mustang e Usina Le Blond.

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

Sobre o Blog

O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
Contato: contato@combaterock.com.br

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