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Politicamente correto, uma 'ferramenta' de ataque e de mão dupla

Combate Rock

22/01/2020 06h47

Marcelo Moreira

O politicamente correto está, já faz algum tempo, em cruzada firme para matar a liberdade de expressão e de opinião. Tem fracassado na maioria das vezes, principalmente quando "respaldado" por argumentos ideológicos retrógrados ou de origem religiosa igualmente estapafúrdios.

Em tempos bolsonaros, quando muita gente sente orgulho da própria ignorância – quando não burrice -, o tal politicamente correto serve de instrumento covarde e pusilânime para agressões estapafúrdias.

Não é uma ferramenta inútil, já que teve serventia e, em muitas situações, coloca freio a preconceios e discriminações. Até mesmo explica muita coisa para gente noção e desinformada.

Entretanto, de mãos dadas com a ignorância e com a falta de respeito, o politicamente correto também serve para  atacar, ainda que de forma atabalhoada, a crítica nas áreas de cultura, artes e espetáculos, tanto em jornais como na internet.

Parece existir uma regra não escrita de que é proibido falar mal de qualquer coisa e de alguém, e que tudo precisa ser sempre relativizado, e que a tal "contextualização" serve como muleta para toda e qualquer justificativa para que se não se fale mal de uma obra de arte.

Os exemplos vão do mais simples e rasteiro – legiões de fãs inconformado com críticas negativas a seus ídolos – ao mais pedante e arrogante pseudointelectualismo de boteco movido a tintas malcheirosas de ideologia burra e ultrapassada – a situação absurda, como anos atrás ocorreu em relação ao "patrulhamento" em cima do suposto conteúdo racista de algumas obras de Monteiro Lobato – foi considerado por alguns como um escritor racista e preconceituoso.

Se a internet revolucionou a forma de como o ser humano lida e obtém informação, também mudou para pior a forma de como as pessoas discutem e debatem. A internet jogou o debate na lata do lixo em grande parte dos assuntos relevantes em qualquer parte do mundo.

Transformou-se em uma enorme cracolândia (parafraseando o sábio jornalista Décio Trujillo Júnior), onde a desqualificação virou o principal argumento de discussão – e ferramenta obrigatória de indigentes intelectuais e culturais para mascarar a própria ignorância.

Ter opinião é pecado no século XXI dominado pela tecnologia, pela web e pelas redes sociais. A crítica negativa de um disco ou um livro é apedrejada de forma inacreditável apenas por ser negativa – com a interatividade, leitores/internautas travam um debate de baixíssimo nível, como se o ídolo fosse unanimidade e inatacável.

Não se respeita mais na internet e nos jornais o direito de jornalistas, críticos e especialistas respeitados, com pelo menos duas ou três décadas de ofício, de opinar.

Ninguém diverge, contesta ou discorda com educação ou argumentos. Diverge-se, contesta-se e se discorda com ameaças e agressões verbais de todos os tempos. É um movimento inaceitável de cassação do direito de criticar e opinar.

Tal quadro desalentador é observado de forma mais acentuada na política e na área de cultura popular, particularmente na música.

O anonimato e a distância tornaram a covardia e a agressão gratuita ferramentas essenciais para a imposição de ideias ou para protestar de forma a intimidar articulistas ou especialistas de todos os matizes.

Os ataques veementes e constantes contra a opinião e a crítica, quase sempre de forma tola, vazia e inconsequente, instauraram um clima de inquisição na internet.

Mais do que a arquibancada violenta de um Fla-Flu ou um Corinthians e Palmeiras, qualquer crítica ao trabalho de certos artistas vira motivo para um autêntico linchamento moral e ético contra o autor.

Vários textos do Combate Rock ao longo do tempo foram alvo de leitores enfurecidos e atormentados por conta de críticas aos trabalhos de gente como Mutantes, Nirvana, Raul Seixas, Legião Urbana, Restart, Charlie Brown Jr e Los Hermanos, entre outros.

Agora são os textos que publicamos em defesa dos direitos humanos, da liberdade de expressão, a favor das artes e da cultura e contra a onda ultraconservadora de inspiração fascista que domina o Brasil bolsonaro.

Parte expressiva dos "comentários", em língua com algum parentesco com o português, abusou de xingamentos, desqualificações rasteiras e protestos estéreis contra os autores. Em nenhum momento chegaram perto de argumentar com algum nível de decência o objeto da questão – as críticas em si.

 

Acreditar que toda essa várzea é o retrato da internet é um equívoco tremendo e uma injustiça para com a imensa maioria de pessoas sérias e que usam a web com prudência e inteligência.

No entanto, não há como ignorar a sensação de que é justamente a cracolândia é que domina o ambiente virtual, tanto em português como em qualquer língua. A precarização e o baixo nível não são privilégio dos brasileiros.

Ainda assim, é assustadora a indigência intelectual que dominam fóruns e páginas de opinião de blogs, portais e sites brasileiros. Nem é o caso de mencionar os ambientes esportivos dedicados ao futebol, onde o clima de arquibancada é compatível com a ausência de educação e inteligência na maioria das vezes – na verdade, parece que isso é requisito básico para tais ambientes.

O desconhecimento total da função de jornalistas e críticos revela de forma inequívoca o elevado grau de desinformação do público em geral, evidenciando, por outro lado, um viés extremamente perigoso: a intolerância para com a divergência, a diversidade e a diferença.

Não são poucos os iletrados que "questionam" o papel do jornalismo, da mídia e da imprensa, chegando à petulância de dizer (ou seria "determinar") o que um jornalista deve ou não escrever, e como tem de escrever. "Jornalista não pode dar opinião" é apenas a mais frequente dos lixos publicados em páginas de comentários em grandes portais de internet.

O baixo nível predominante na internet e a incapacidade – ou recusa – de compreensão de qualquer texto opinativo é um indicativo preocupante de uma tendência autoritária que predomina no grande público – algo bastante comum em ambientes de discussão política, seja de direita ou esquerda, igualmente de níveis baixos de inteligência, cultura e tolerância.

A tentativa de imposição de uma "homogeneização" de pensamento artístico-cultural – onde o politicamente correto, a ausência de senso crítico e a esterilidade de ideias predominam – é inócua, mas não menos desalentadora.

Qual o sentido de opinar, criticar, debater e pensar em um ambiente que repele a vida inteligente, onde o que interessa é a futilidade e o entretenimento mais rasteiro e pueril que existe?

Levar luz às trevas? Por mais que intelectualmente seja tentador, essa motivação é pedante demais. Satisfação pessoal? Egoísta demais.

O fato é que críticos, colunistas e jornalistas especializados são cada vez mais lidos na internet, seja em blogs pessoais ou em espaços próprios em grandes portais ou portais de grandes jornais.

Portanto, eis a maior vitória da vida inteligente na internet: criticados, desqualificados, xingados e até ameaçados, mas cada vez mais lidos em um verdadeiro mar de mediocridade.

É maior prova de vida inteligente na web – prova incontestável de que críticos, colunistas e jornalistas especializados serão sempre cada vez mais necessários.

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

Sobre o Blog

O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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