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Polarização política resvala na tensão que envolve o Sepultura

Combate Rock

20/01/2020 06h46

Marcelo Moreira

Atualizado às 15h30 de 20 de janeiro de 2020

As imensas divergências em quase tudo que envolve os "dois lados" do Sepultura ganharam novos contornos na semana passada quando Iggor Cavalera, o ex-baterista da banda que saiu em 2006, deu uma entrevista polêmica ao site Scream & Yell falando sobre aspectos políticos do Brasil atual.

Posicionando-se contra o fascismo e posições autoritárias de governos em várias partes do mundo, acabou, involuntariamente, reacendendo polêmicas que atingiram o ex-companheiro Andreas Kisser, guitarrista e líder da banda atual que carrega o nome.

Com isso, reacendeu velhas críticas que pesam sobre Kisser, que acabou sendo detonado nas redes sociais por conta de mensagens publicadas no Twitter entre 2016 e 2019.

O baterista não poupou o que ele chama de "boomer de direita" – aquele pessoal que nasceu entre 1948 e 1964, viveu a era pós Segunda Guerra Mundial e as revoluções políticas e de costumes das décadas de 1960 e 1970.

Na ótica de Iggor, esse pessoal abraçou o liberalismo de comportamento e defendeu mudanças políticas e ideológicas, só que mudou o foco, tornando-se  "um bando de ultraconservadores no costumes e ultraliberais e fascistas na política e economia".

Iggor acabou sendo adotado nos últimos dias por uma esquerda fanática e raivosa, que celebrou sua postura, até então não muito conhecida, como mais um bastião de resistência dentro do rock contra as nojentas políticas de depredação de direitros humanos e de valores culturais e artísticos perpetrados pelo governo Jair Bolsonaro.

O problema é que sobrou para Andreas na briga entre fãs do Sepultura e viúvas dos irmãos Cavalera, que há muito estão fora da banda e que provavelmente nunca voltarão.

Max ( esq.)e Iggor Cavalera (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Diante da polarização política extrema que invade o terreno do insano e irracional, foram resgatadas mensagens em redes sociais onde Kisser se posicionou, em uma tentativa de ser isento, contra atentados cometidos supostamente por esquerdistas na casa da ministra Cármen Lúcia, do STF (Supremo Tribunal Federal), no Rio de Janeiro, em 2018, quando a fachada do prédio dela foi atingida por tinta vermelha.

Na época, Kisser se revoltou contra o fato – com toda a razão -, mas inadvertidamente escreveu no Twitter que "perdedores têm de aceitar resultados e decisões, e que isso é democracia".

De acordo com reportagens da época, a Polícia Cívil investigava, entre algumas possibilidades, de que militantes petistas seriam os autores do atentado ao edifício em represália contra decisões do STF contra o PT e contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Foi o que bastou para que as tropas de choque de cães hidrófobos da pior esquerda que existe iniciassem uma blitz contra o músico nas redes sociais, chamando-o de conservador, fascista "que não honra a letra do Sepultura contida na música 'Refuse/Resist"'.

Em outras entrevistas, meio que posando de "isentão", Kisser investiu contra a classe política como um todo e reclamou da extrema polarização, que radicalizava dos dois lados e conduzia o país a uma ingovernabilidade.

Pode-se criticar o músico sobre sua postura política de ficar em cima do muro, de seu mutismo quanto aos constantes atentados à liberdade de expressão cometidos pela Justiça brasileira e discursos de gente ligada ao governo federal nefasto.

No entanto, é um absurdo rotulá-lo como conservador e apoiador de ideias fascistas. Mais do que isso, é injusto e mentiroso. Ele jamais defendeu tais posturas e nunca declarou apoio a Bolsonaro ou seres igualmente execráveis. Se ele não se manifesta explicitamente a favor de uma resistência a retrocessos e medidas lesivas à população, em geral, tampouco cai no outro extremo.

Andreas Kisser (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Aqui, no Combate Rock, elogiamos a postutra mais combativa e de protesto demonstrada pot Iggor Cavalera, preocupado pelo avanço do conservadorismo no Brasil, do ressurgimento de ideias fascistas e pela destruição de direitos humanos e civis.

E vamos também respeitar a posição de Andreas Kisser de não se posicionar claramente diante do que está acontecendo – é um direito dele, embora quiséssemos que assumisse posturas mais enfáticas a favor da liberdade de expressão e contra os ataques à cultura e às artes, justamente por ele liderar a ainda mais importante banda de rock do país.

O que não é aceitável é imputar a ele a pecha de reacionário e apoiador de governadores ultraconservadores por conta de uma frase interpretada como "apoio ao golpe político contra a presidente Dilma Rousseff endossado pelo STF e Cármen Lúcia", como um imbecil escreveu em resposta ao tuíte do músico.

Se a ideia é apedrejar politicamente Andreas Kisser por suas supostas convicções ideológicas, então essa galera do contra precisa melhorar os argumentos e procurar com mais afinco os eventuais deslizes cometidos pelo músico.

P.S.: Alertado por alguns leitores deste Combate Rock, relembro que Andreas Kisser participou da música e do clipe "Matar ou Morrer", da banda PR5, um dos projetos do cantor e baixista Paulo Ricardo fora do RPM. A canção é claramente um apoio ao batalhão Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar", da Polícia Militar paulista. É uma tropa de elite que ficou marcada por sua extrema truculência, violência e letalidade, mas também pelo extremo abuso de autoridade e desproporção na abordagem, principalmente no período da ditadura militar. A letra dessa música, na minha opinião, um dos maiores lixos produzidos pelo rock nacional, já que exalta a violência e os procedimentos nada ortodoxos da Rota. Na nossa opinião, uma gigante pisada de bola de Paulo Ricardo e Andreas Kisser.

P.S. 2: Para deixar claro, consideramos o ataque à casa de Cármen Lúcia um atentado político tanto quanto o ataque à Porta dos Fundos. Neste, no entanto, o objetivo era destruir e ferir, enquanto a tinta visou apenas a depredação.

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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