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O vilipêndio de obras de arte e o avanço nazista na sociedade

Combate Rock

17/01/2020 14h30

Marcelo Moreira

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A apropriação indébita de obras de arte para referendar ideologias ou simplesmente ideias esparafúrdias é uma das coisas mais comuns – e abjetas – que temos desde sempre, principalmente em campanhas eleitorais.

Não foram poucos, por exemplo, os músicos que protestaram e proibiram Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, de usar suas canções na campanha eleitoral ou mesmo em ações do governo.

Por mais que as teorias do pensador alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900) exibissem críticas pesadas à sociedade, à religião e aos costumes de sua época, entre outras coisas, mesmo que pairasse um viés autoritário e nacionalista, ainda assim não poderiam ser associadas ao nazismo e ao fascismo.

No entanto, acabou servindo como arcabouço teórico e ideológico do pensamento nazista graças a alguns acólitos que "tomaram para si" as obras e o próprio pensamento.

O mesmo se pode dizer de Richard Wagner (1813-1883), o grande compositor alemão do século XIX, autor de óperas como "Tristão e Isolda", "Siegfrid", "Parsifal" e "Anel dos Nibelungos".

Também associada ao nacionalismo e ao antissemitismo, a obra do mais famoso compositor alemão foi "apropriada" pelos nazistas, seja por conta de gostos pessoais, seja para fins ideológicos esdrúxulos. Este texto do site Deutsche Welle mostra como Hitler e os nazistas se apropriaram da obra de Wagner.

No bicentenário do nascimento do compositor, a emissora britânica BBC perguntava: "Podemos escutar, assistir ou executar a música de Wagner de consciência limpa? Terá ela sido pervertida de modo desprezível pelos nazistas, ou a adulação deles meramente expôs suas perversões inerentes?"

Reafirmando que ele não era um nazista – nem podia ser, por motivos cronológicos –, o programa da BBC não deixava dúvidas quanto ao antissemitismo do músico: "Wagner já deixara claros seus monstruosos sentimentos, a começar com o infame panfleto Sobre o judaísmo na música, de 1850″, reafirma o texto da Deutsche Welle. No site Estadão.com, mais algumas referências para o lamentável vídeo do agora ex-secretário de Cultura. Clique aqui

A ópera alemã sempre se diferenciou da italiana por ser mais trágica e densa, deixando o sentimentalismo meio de que de lado. Por conta disso, musicalmente, sempre foi mais pesada, assim como as sinfonias do austríaco Gustav Mahler (1860-1911) e do inglês Gustav Holst (1874-1934).

Músicos e fãs de heavy metal, por conta disso, quando se interessam por música erudita, se apaixonam pelo peso de Wagner – e também pelas escalas técnicas e virtuoas de violinistas, como o italiano Niccolo Paganini (1782-1840).

E não é que, mais de 80 anos depois da tragédia nazista na Europa um completo imbecil, membro do governmo Jair Bolsonaro, não comete os mesmos pecados, além de vilipendiar a obra de Wagner?

No abominável que discurso em vídeo que postou na página da Secretaria de Cultura do Ministério do Turismo, o inominável secretário Roberto Alvim vociferou contra inimigos ideológicos, citou um trecho inteiro de um texto de Joseph Goebbels, o ministro da Propaganda de Adolf Hitler, o ditador nazista, e colocou como fundo musical um trecho de uma ópera de Richard Wagner, que era um dos preferidos de Hitler e de outras autoridades nazistas.

Nem vale a pena ficar batendo na tecla do discurso de Alvim, um bolsonarista estúpido e irrelevante que choramingou nas redes sociais porque não conseguia encenar suas peças de teatro graças a um suposto "boicote" do mercado. Com dó, o governo bolsonaro lhe arranjou um carguinho na Funarte e depois o alçou a secretário de Cultura.

Alvim é ligado ao teatro, mas nuncateve projeção no meio. Preconceituoso, desinformado, ideologicamente deformado e enviesado, é tido como um oportunista até mesmo dentro do governo ultraconservador, seja por vomitar ideologia conservadora de forma conveniente, seja por alardear na internet suas "conversões" religiosas e seu fanatismo evangélico, com um discurso da pior espécie.

Portanto, não é surpreendente que tenha se apropriado da obra de Richard Wagner, deturpando seu significado e associando-a ao que de pior a humanidade produziu, exatamente como fizeram os nazistas que tanto admira.

Reproduzir um texto de Goebbels não só revela a sua deformanação de caráter, mas evidencia que, além de fanático religioso e desonesto intelectualmente, Alvim é uma pessoa perigosa.

A demissão de Alvim ocorreu no começo da tarde desta sexta-feira (17), diante da imensa repercussão negativa do discurso gravado – gerou até mesmo um ultimato de Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, algo impensável em uma democracia.

Independentemente da reação rápida do governno e da demissão do inacreditável secretário, o estrago foi imenso. O simples fato de ter sido mantido por meses no cargo mostra a índole deste governo federal, inspirado por ideias autoritárias, fascistas e nefastas.

 

 

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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