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'The Wall', 40 anos: obra-prima do Pink Floyd é cada vez mais necessária

Combate Rock

08/12/2019 06h47

Marcelo Moreira

Cena do filme "The Wall", do Pink Floyd (FOTO: REPRODUÇÃO)

Há dez anos, um site inglês de cultura fez uma enquete querendo saber dos leitores qual era a distopia preferida da maioria. Coincidentemente, venceu "The Wall", do Pink Floyd, que naquele ano comemorava os 30 anos de seu lançamento. Em segundo lugar, apareceu "1984", de George Orwell, seguindo por "Fahrenheit 451", de Ray Bradbury.

O quadragésimo aniversário do então álbum duplo do Floyd está chegando – 30 de novembro – e obra continua cheia de significados às vésperas da terceira década do século XXI.

Uma concepção de Roger Waters, o baixista e vocalista irado e politizado, "The Wall" teve pouca colaboração dos companheiros, especialmente do guitarrista David Gilmour.

Era o auge das brigas internas, e a desintegração do grupo começava a ali, com a demissão do tecladista Roick Wright durante as gravações. Também não ajudou o fato de que o produtor Bob Ezrin estava afundado nas drogas.

Ainda assim, o disco é um dos pontos altos do rock, com seu preciso apontamento das dificuldades de comunicação que atingem o ser humano na modernidade, na educação amarrada e encaixotada com conceitos arcaicos (no caso, a inglesa) e radicalização política cada vez maior na sociedade, sempre tendendo para o autoritarismo.

Durante a conversa que manteve cm Caetano Veloso no ano passado, quando veio tocar no Brasil, Roger Waters lamentou que o tema de "The Wall" fosse tão atual e que refletisse muitas das coisas que ele refutou e combateu durante toda a vida.

Evitou fazer associações diretas com o então candidato a presidente Jair Bolsonaro (PSL), mas era evidente que o político de extrema-direita representava tudo o que o músico inglês execrava – e que não disfarçava a contrariedade quando enfatizava aspectos condenatórios a respeito do Bolsonaro.

Aliás, é sempre necessário ressaltar, nestes 40anos de "The Wall", a passagem de Waters pelos palcos brasileiros em 2018, em plena campanha eleitoral, com muita polêmica e críticas ao fascismo, especialmente quando ele listou, no telão, Bolsonaro como uma das lideranças mundiais de inspiração fascista.

Um texto muito interessante sobre a passagem de Waters naquele período por aqui deu destaque à pouca familiaridade que muitos eleitores conservadores têm com a obra do músico, apesar de uma suposta idolatria pelo Pink Floyd. O jornalista Mauricio Angelo foi muito feliz na associação que fez entre a obra de Waters e aspectos de "1984", de George Orwell, em relação às reações que provocou por aqui.

"The Wall" ainda é uma obra fascinante porque remete a todos os nossos medos diante da evolução política e do pensamento político após a Segunda Guerra Mundial.

O fim da Guerra Fria e a implosão do mundo comunista apontavam para uma era em que a economia daria as cartas, mas politicamente entraríamos me uma época mais serena, onde a democracia seria a vanguarda, ainda que focos autoritários e pensamentos mais conservadores perdurassem em vastas regiões do planeta.

O disco do Pink Floyd não ia contra essa tendência, até porque saurgiu em 1979, mas era um doloros lembrete de que, se havia otimismo com a drrocada de várias ditaturas totalitárias e com o aparente desgaste da Guerra Fria, por outro lado sempre havia o risco do retorno ao nacionalismo e a possível ascensão do fundamentalismo religioso/ideológico. Afinal, não era essa uma das mensagens de "The Wall"?

(FOTO: REPRODUÇÃO)

Quarenta anos depois, o disco do Pink Floyd ainda nos coloca esses desafios – conter a onda totalitária que parte do mundo parece semear, revitalizar os valores democráticos e confinar o ódio político/religioso/cultural aos porões mais profundos.

Roger Waters se equivoca ao fazer uma defesa apaixonoada e inconsequente de uma Venezuela destruída por um regime autoritário/personalista de inspiração esquerdista; erra também ao insistir em um boicote internacional contra Israel quando é justamente o isolamento uma das características mais perversas para quem vive de cultura. No entanto, sua luta contra o pensamento fascista e contra qualquer tipo de autoritarismo é um farol que orienta os debates contra as forças obscurantistas – estas, quase sempre conservadoras.

Os ataques de Waters a Israel revela uma seletividade de alvos, já que ele silencia diante da violência perpetrada por nações árabes contra os próprios cidadãos e em guerras no Oriente Médio?

Sim, como também ele fica em silêncio quando festivis de rock em Dubai boicotam bandas inglesas, como o Saxon em Dubai, anos atrás. É também doloroso o silêncio dele diante da condenação à morte e prisão perpétua de músicos iranianos de heavy metal – sorte que hoje estão exilados no Canadá.

Estes lapsos e omissões não suficientes, no entanto, para que deixemos de reconhecer que Waters é uma das voxzes mais importantes da cultura ocidental em prol da liberdade de expressão, da paz e contra o fascismo. E "The Wall" talvez seja o seu maior legado diante de uma era convulsionada por ódio, com muita gente ansiosa por erguer uma série de muros.

Se "The Wall" representa, de forma contundente, como uma obra musical pop tem força para se tornar universal e imortal, é também um exemplo gigantesco de como se manter atual mesmo depois de 40 anos de seu lançamento, por meio do olhar perspicaz e certeiro de seu autor.

Um dos momentos mais importantes do atual show de Roger Waters (FOTO: REPRODUÇÃO/YOUTUBE)

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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