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Banda Mirim Baeta Neves resgata uma história de quase 60 anos

Combate Rock

01/11/2019 17h00

Marcelo Moreira

Banda Mirim Baeta Neves (FOTO: FÃ CLUBE/FACEBOOK)

O encontro era familiar. Todos se conheciam, embora não se vissem havia muito tempo. O renovado teatro Abílio Pereira de Almeida ficou pequeno para aquela reunião de amigos de infância e seu parentes, além de vizinhos antigos e nem tão antigos assim.

A lembrança dos que se foram tomaram da conversa, assim como a preocupação dos mais idosos com a missa e com a festa italiana da igreja, que fica do outro lado da rua. Enfim, era um típico domingo de uma cidade do interior.

O detalhe é quetal situação ocorreu a pouco mais de 20 quilômetros dos centro de São Paulo e a menos de dois do centro de São Bernardo, uma das cinco maiores cidades do Estado de São Paulo e uma das 20 principais do país.

A Vila Baeta Neves, ou o Baeta, como é mais conhecido, tem as suas peculiaridades além da ampla presença de descendentes de italianos, como vários outros bairros da cidade. Uma delas é amar incondicionalmente a vila e defender os vizinhos. A outra é celebrar o seu maior patrimônio cultural: a Banda Mirim Baeta Neves.

A questão que se coloca: como é possível venerar algo que deixou de existir há 39 anos e que hoje, de mirim, nada tem?

"A importância da Banda Mirim para São Bernardo e para a comunidade do Baeta é tao grande e impactou de tal forma as pessoas que nela estiveram que não é possível falar da história do bairro sem mencioná-la", afirma o baterista Cláudio Baeta, músico que acompanha, entre outros, o cantor sertanejo Leonardo.

O espetáculo daquele domingo chuvoso e frio no teatro Abílio Pereira de Almeida, no Centro Cultural Baeta Neves, atrás da Igreja São José, era mais uma celebração da Banda Mirim, que fazia tempo que não tocava na cidade e no bairro. Vinte dos inúmeros integrantes da banda se juntaram para uma noite de boa música e inúmeras lembranças.

Impecável, a execução de clássicos da MPB, samba e cinema mostrou um grupo heterogêneo que mandou versões contagiantes para "Trem das Onze" (Adoniran Barbosa), "Besame Mucho" (clássico da mexicana Consuelo Velásques), "Caminhoneiro" (canção imortalizada por Roberto Carlos) e muitas outras. A plateia veio abaixo.

O ponto alto foram as homenagens ao maestro Irineu, que rege a banda aos 81 anos com muita vitalidade, aos músicos e aos integrantes do fã-clube oficial, que estiveram presentes – a presidente, que mora em José Bonifácio, cidade a 600 quilômetros de distância de São Paulo, veio especialmente para a apresentação.

Projeto musical e educativo criado no Baeta Neves em 1962, tomou forma no ano seguinte sob a batuta do maestro Irineu Negri Garcia, um senhor gentil e muitíssimo educado que formou gerações de músicos de todos os calibres – além de Claudio Baeta, vários dos músicos ali formados ganharam o mundo. Há gente, inclusive, que toca na banda de Roberto Carlos.

O projeto deu tão certo que virou referência de conjuntos mirins no Brasil entre 1963 e 1980, quando encerrou as atividades. "Que eu me lembre, nunca perdemos uma competição, regional ou nacional", diz o maestro Irineu.

As aparições na televisão eram semanais, principalmente no programa Silvio Santos, nos anos 70. Ganhou diversos prêmios no quadro "Cidade Contra Cidade".

A importância da Banda Mirim Baeta Neves foi tão grande que virou tema de documentário, "A Matriz dos Metais", um dos mais elogiados em uma das edições recentes do In-Edit – Festival Internacional de Documentários Musicais.

A recuperação do legado da Banda Mirim Baeta Neves é uma iniciativa de Claudinho Baeta, ainda com raízes no bairro, onde mantém um estúdio musical.

Ele decidiu, em 2015, reunir o máximo de ex-integrantes, nenhum com menos de 50 anos de idade, para um evento nostálgico – ou seja, rever amigos e tocar.

Deu tão certo que o maestro Irineu foi chamado para uma das reuniões, que virou ensaio geral que virou a volta oficial da banda.

Desde então, além do documentário, surgiu um CD gravado no estúdio de Claudio chamado simplesmente "Banda Mirim Baeta Neves", com a participação de quase 30 antigos integrantes que recriaram, com arranjos diferentes e bem feitos, clássicos como "Carinhoso", "Aquarelado Brasil" e alguns temas de filmes.

Sem fins lucrativos, o projeto distribui o CD em alguns dos principais pontos comerciais do ABCD e nas apresentações ao vivo (fato que deve ser comemorado dada a ocupada agenda de todos os músicos). Além disso, os próprios músicos e organizadores fazem arrecadação de donativos e dinheiro para diversas entidades públicas e privadas de assistência social – e todo devidamente documentado e comprovado.

Esquecida por 35 anos, a lembrança e o ressurgimento da Banda Mirim Baeta Neves são um dos episódios culturais mais importantes deste século para o ABCD. Mais do que simplesmente lembrar, é uma demonstração de valorização do patrimônio histórico e artístico de uma região que não costuma dar muita atenção ao passado.

A noite fria e chuvosa daquele domingo terminou do outro lado da rua, na festa italiana da igreja, onde músicos e espectadores se acabaram nas lasanhas e copos de vinho para relembrar os vizinhos antigos e os termpos de glória.

Quem menos se divertiu foi Claudio Baeta. Entre um rondeli e outro, já se preocupava com a próxima apresentação da Banda Mirim Baeta Neves. Parece que o projeto deu certo…

 

 

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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