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Raul Seixas: suspeita de colaboração com a ditadura tem de ser comprovada

Combate Rock

28/10/2019 11h43

Marcelo Moreira

Raul Seixas (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Há pessoas que conseguem ser muito eficientes ao manter os muitos esqueletos do passado no fundo do baú. Poucos, entretanto, oas mantêm para sempre no fundo do baú.

Por 30 anos Raul Seixas quase conseguiu, mas quis um jornalista que o cantor voltasse a ser assombrado por um passado desabonador.

Uma nova biografia de Raul será lançada nesta semana, em São Paulo. . "Não diga que a canção está perdida" é de autoria de Jotabê Medeiros, veterano repórter de muitos anos de "O Estado de S. Paulo" e eventual colaborador do UOL.

Alguns veículos de comunicação costumam receber livros antes do lançamento para resenhas. A "Folha de S. Paulo, em" seu texto, destacou algo bem complicado, mas que nem de longe é a parte principal do livro: a suposta delação de Raul Seixas aos órgãos de repressão da ditadura militar onde teria entregado seu grande colaborador à época, Paulo Coelho, hoje escritor de fama mundial.

Este seria o motivo do afastamento entre os dois, ali no comecinho dos anos 80. Coelho confirmou nas redes sociais que esse foi o motivo do afastamento entre os dois, mas não cravou ter certeza de que isso tenha ocorrido.

Sempre no condicional, Coelho diz que sempre houve uma suspeita, mas nunca a comprovação, de que Seixas realmente o delatou como "sbversivo ou comunista". No entanto, a simples suspeita bastou para a amizade azedar.

O escritor cometeu a bobagem de dizer também que "Medeiros quer apenas a polêmica para vender livros". Uma tolice, até porque quem destacou o assunto foi a Folha, e não o escritor, na reportagem em si.

Entretanto, foi o suficiente para levantar suspeitas e maledicências a respeito do cantor, que passou a ser comparado a alguns a Wilson Simonal, grande cantor brasileiro que foi tragado pelo monstro dasfake news por conta de uma desavença com um contador – chamou dois amigos policiais civis para dar uma surra no cara, que era suspeito de desvio de dinheiro, e acabou com a pecha de "coçlaborador da ditadura".

O texto da Folha e o livro de Medeiros são bem cuidadosos ao tocar no assunto. Os documentos que o autor da biografia teve acesso "citam" uma possível delação e "sugerem" que Raul possa realmente ter falado aos órgãos de repressão sobre as supostas "atividades subversivas" do então parceiro de composições.

Tema delicado e explosivo, tem o poder dinamitar reputações e de provocar revisão na história. Raul Seixas foi provavelmente o mais corajoso dos músicos brasileiros nos anos 70 depois que Caetano Veloso, Gilberto Gil e Chico Buarque foram para o exílio.

Debochado,irreverente e cínico, era um dos poucos roqueiros que tinham relevância no Brasil e não poupava  sociedade e o governo com suas metáforas. Era seguido de perto pela ditadura militar, mas a censura não o incomodou tanto quanto a outros artistas.

Músico razoável e cantor único, teve o grande mérito de cair de cabeça no rock and roll primeiro do que todo mundo neste país tropical e de avançar até onde nenhum artista brasileiro na época ousou.

Seixas era radical e culto, tinha estofo para se mostrar contestador sem ser revolucionário. Tinha jeito e coragem (ou inconsequência) para ser provocador como Chico Buarque foi em algumas de suas letras.

Se os Secos & Molhados chocavam e posavam de transgressores por conta das maquiagens e posturas de palco, Seixas e seu jeitão de hippie deslocado mostrava que ia muito mais além na transgressão com o mergulho fundo no rock e nos aditivos ilícitos – em vários momentos ao lado do amigo doidão e letrista ocasional Paulo Coelho.

E o músico baiano teve a sorte grande de ter sido o único a fazer isso de forma tão intensa, e usou o rock, o melhor instrumento para esse tipo de transgressão (ou suposta transgressão).

Ícone cultural e ídolo de uma parcela expressiva de apreciadores de música brasileira, Raul Seixas sempre foi visto como gênio (o que nunca foi) e um ser digno de veneração quase espiritual-religiosa.

Diante do que será revelado no livro de Jotabê Medeiros, novos pesquisadores e historiadores, assim como jornalistas, terão um missão espinhosa: comprovar o que se pode chamar de "denúncia".

Raul realmente entregou Paulo Coelho para a repressão da ditadura militar? Raul chegou a colaborar com a ditadura de forma mais efetiva? Entregou mais alguém?

Ainda não dá para responder a essas questões sem ter lido o livro, coisa que poucos ainda o fizeram. Por que Medeiros não conseguiu, aparentemente, responder a essas perguntas?

Em se tratando de uma figura tão importante quanto Raul Seixas, deixar no ar o fato de que documentos "sugerem" a colaboração não é sustentável nem aceitável.

São suspeitas muito graves para que fiquem sem resposta e sigam depredando a reputação de um artista que sempre foi conhecido por ser contestador e confrontador, especialmente na questão da ditadura militar.

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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