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"Da Lama ao Caos", o disco, é dissecado em livro 25 anos depois

Maurício Gaia

07/10/2019 07h00

Há 25 anos, Chico Science & Nação Zumbi fazia sua estreia discográfica. "Da Lama ao Caos", seu primeiro álbum, acabou tornando-se um marco na música brasileira e o representante maior do movimento manguebeat.

A jornalista Lorena Calábria estreia como escritora lançando o livro "Chico Science e Nação Zumbi: Da Lama ao Caos". O livro faz parte da série "O Livro do Disco", da editora Cabogó.

Durante quatro anos, Lorena realizou mais de 600 entrevistas e, com uma escrita ágil, nos revela o contexto do surgimento da cena mangue, o estabelecimento da banda Chico Science & Nação Zumbi e as circunstâncias e conflitos que envolveram a gravação de seu primeiro álbum.

O início

Pode se dizer que o surgimento da cena mangue se deu na zona. Foi em uma "casa de tolerância" que surgiu a festa "Sexta Sem Sexo", em que seus frequentadores se reuniam para dançar de Marvin Gaye a Einstürzende Neubaten. Entre organizadores, frequentadores e amigos, se destacavam Chico Vulgo (pré-Science), Fred Zero Quatro, o jornalista Renato L., H.D Mabuse (nomeado "Ministro da Informação" do manguebeat) e DJ Dolores. Pode-se considerar esses os mentores da cena mangue.

Loustal (Foto: Gil Vicente)

Chico, junto com Jorge Du Peixe e H.D Mabuse montaram a Bom Tom Radio, influenciados pelo hip hop de Afrika Bambaataa e LL Cool J. "A Cidade" foi composta nessa época e é possível ouvir essa versão aqui. Dali, surgiram os primeiros experimentos que criaram o Loustal. O encontro deles com o grupo de percussão Lamento Negro foi o que deu origem à Chico Science & Nação Zumbi.

Chico Science & Nação Zumbi (foto: Fred Jordão)

O curioso é que, no início desta união, não eram os ritmos pernambucanos que faziam parte do som dele – a influência maior é o samba reggae do Olodum. Talvez aí resida o pecado do livro, em não identificar o "click" que fez com que eles abandonassem o samba-reggae e incorporassem o maracatu e o côco em sua matriz rítmica.

O álbum

Capa de "Da Lama ao Caos"

Sempre se disse que a produção do álbum "Da Lama ao Caos" não fazia jus à potência sonora que a banda trazia ao vivo. Inicialmente, o desejo da banda era contar com Arto Lindsay na produção, mas a gravadora Sony impôs o nome de Liminha.

A autora não só nos descreve uma audição do todas as faixas com todas as pistas abertas junto com Liminha, como também entrevista membros da banda para esclarecer a dimensão dos conflitos entre banda e produtor. A primeira dificuldade foi conseguir captar os sons dos tambores. Para muita gente, o som ficou "limpo" demais, tirando o peso que esses instrumentos traziam em suas apresentações. Hoje, o guitarrista Lucio Maia reconhece que Liminha fez o possível para ser o mais fiel possível ao que a banda queria. Chico queria mais peso, mas com as condições tecnológicas da época, só se abandonassem os instrumentos e partissem para uma solução eletrônica.

Outro ponto de tensão foi fazer com que os músicos, novatos em estúdio, conseguissem registrar seus instrumentos com o mesmo volume e intensidade do começo ao fim de cada faixa. Para completar, havia a pressão do orçamento: não estourar o budget da gravadora era imperativo. O álbum custou 60 mil reais, ao custo da época.

Apesar destes conflitos, Lucio Maia diz que Liminha foi fundamental para que o álbum tenha o reconhecimento que tem até hoje, embora declare "Ele percebeu o potencial da gente, mas precisava espremer aquela laranja, e foi nessa espremida que a gente ficou 'magoadinho"'.

Depois do lançamento do disco, as vendas não corresponderam às expectativas da gravadora, mas foi o suficiente para alavancar a carreira da banda no exterior. Shows nos Estados Unidos e na Alemanha, reuniões com David Byrne, interessado em lançar o álbum no mercado americano e outros casos curiosos, como o reencontro de Chico Science com Nick Cave, são relatados de maneira deliciosa por Lorena Calábria.

Realmente, a pergunta que se levanta após a leitura do livro é: que raios Chico Science estaria fazendo caso não tivesse morrido prematuramente em um acidente de carro, às vésperas do carnaval de 1997? Seu talento, sua ambição e resiliência me fazem supor que talvez ele se consolidasse como um dos principais artistas de sua geração no mundo.

Bônus Track

Inspirado pela leitura do livro, criei uma playlist com não só músicas de "Da Lama ao Caos", mas também com outras, que influenciaram a formação do som da banda e também a composição das músicas presentes no álbum. Divirta-se!

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

Sobre o Blog

O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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