Topo

King Crimson libera discografia em streaming e relança caixa de CDs

Combate Rock

02/10/2019 06h52

Marcelo Moreira

O King Crimson nunca fez questão de agradar e deixou isso bem claro em sua música complexa e genial. Dos grandes nomes do rock progressivo, certamente foi o mais radical e aquele que menos fez concessões. "Fazemos música para a cabeça das pessoas, e não para os pés", costumava declarar de forma arrogante e presunçosa o guitarrista Robert Fripp, criador e chefão d abanda.

Do mais puro jazz ao mais radical experimentalismo, o King Crimson fez de tudo, encantando, assombrando, surpreendendo e assustando, na melhor tradição de Frank Zappa, David Bowie, Miles Davis e muitos outros.

Com uma discografia incontável e incalculável, juntando discos de estúdio, ao vivo e ensaios que se transformaram em obras, para não falar na miríade de músicos que passaram pelo conjunto, o grupo de vez em quando solta álbuns e edições comemorativas com uma série de bônus, material de altíssima qualidade.

Atração confirmada no Rock in Rio 2019 e com show marcado também para São Paulo, no final do ano, a banda é notícia por conta dos incontáveis lançamentos que vem fazendo desde o ano passado para comemorar os seus 50 anos de fundação.

Até agora são 20 CDs e EPs que vêm com o selo "KC 50", misturando gravações ao vivo, demo tapes, gravações de ensaios e versões diferentes de uma série de músicas predominantemente dos anos 70.

Paralelamente, a banda finalmente colocou nas plataformas de streaming toda sua discografia oficial de estúdio e em breve o fará também com os inúmeros álbuns ao vivo.

Fripp resistia ao streaming oficialmente porque rejeitava a qualidade de som oferecida, muoito pobre, segundo ele. No entanto, nos bastidores, jornalistas ingleses especializados especulavam sobre a baixa remuneração dos sites de hospedagem, o que enfurecia o líder da banda.

O cardápio não para por aí. No dia 10 de junho a banda exagerou, de novo, ao lançar uma caixa chamada "Heaven and Earth" com 18 CDs com gravações ao vivo ocorridas entre 1997 e 2008 – existe uma versão "Deluxe", ainda mais exclusiva, com 24 CDs!!!!!!!! É um lançamento maravilhoso, mas caríssimo, feito na medida para fanáticos e colecionadores.

São exageros típicos de Fripp e da banda: quem não se lembra, no começo de 2017, da caixa contendo 14 CDs em comemoração ao lançamento do CD "Island", de 1972?

Em dezembro do mesmo ano, eles se superaram: "Sailor's Tale" chegou em uma megacaixa com 27 (!!!) CDs contendo gravações impecáveis de show, ensaios, sobras de estúdio e entrevistas, tudo isso relativo ao período entre 1970 e 1972. Ou seja, imagines então o que existe nos arquivos do grupo.

É claro que um material tão risco e imenso desses é coisa para colecionadores endinheirados, com o preço batendo em alguns sites em U$ 1 mil (quase R$ 4 mil).

Esse material, na verdade, contém 21 CDs, 2 áudio-DVDs e 4 blu-rays. A caixa traz os álbuns do período ("In The Wake Of Poseidon", "Lizard" e "Islands"), com remasterização e remixagens feitas pelo mestre Steven Wilson (Porcupine Tree) e pelo próprio Fripp, tudo com faixas-bônus.

Para os fanáticos, o filé está nos 15 CDs são de concertos da época, quase todos inéditos, um presentação dentre os projetos de comemoração dos 50 anos do surgimento da banda. E o que dizer então dos livretos altamente informativos?

Estreia improvável

Guitarrista de formação acadêmica e com um peculiar movimento na mão direita, Robert Fripp, que chegou aos 70 anos de idade em 2017, sempre se mostrou um purista mas, contraditoriamente, um visionário.

Seu King Crimson, criado e 1969 e estreando ao vivo nada menos do que no Hyde Park, em Londres, abrindo o concerto que os Rolling Stones fizeram em homenagem a Brian Jones, que morrera dois dias antes, tentava condensar todas as influências possíveis em um experimentalismo agressivo.

O disco de estreia, de 1969, "In the Court of the Crimson King", que tinha Greg Lake (futuro Emerson, Lake & Palmer) no baixo e nos vocais, é um poço de inovação sonora, mas também de esquisitices e de pura experimentação sonora.

"21st Century Schizoid Man", talvez a melhor e principal canção, misturava hard rock com jazz, em que o instrumental e experiências sonoras intrincadas mostravam a ousadia e a criatividade da banda. Já a faixa-título era provavelmente a síntese daquele movimento chamado "progressivo" que surgia com Yes, The Nice, The Move e Moody Blues.

Intenso, inquieto e genioso, Fripp exigia o máximo de seus músicos em todos os sentidos e exagerava ao querer que eles estivessem na mesa "vive" e no padrão de excelência dele. Por conta disso, a rotatividade de músicos era enorme.

Curiosamente, um dos que mais tempo permaneceram, o baterista Bill Bruford (ex-Yex, que chegou em 1972) admirava a inteligência, a criatividade e a musicalidade do guitarrista, mas o detestava como pessoa. A recíproca era a mesma: Fripp tolerava o baterista porque ele era um músico genial, mas não gostava dele pessoalmente.

Formação original do King Crimson: da es. para a dir.; Ian McDonald, Michael Giles, Pete Sinfield, Greg Lake e Robert Fripp (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Mudanças fundamentais

No fim de 1969, o quinteto que tinha poucos meses se reduzira a um trio – Ian McDonald (multi-instrumentista) e Michael Giles (percussão e bateria) desistiram diante da mão de ferro do então amigo Fripp.

O guitarrista e o baixista/vocalista Greg Lake se viram sozinhos, já que Pete Sinfield eram membro, mas não tocava – poeta, era um compositor/letrista e ajudava nos shows ao operar a parafernália de iluminação).

E eis então que a banda embarca naquele que os fãs consideram o período mais fértil do King Crimson, os dois anos entre 1970 e 1972, que é retratado em "Sailor's Tales", mesmo com toda a loucura de troca de integrantes e as constantes mudançs de direcionamento musical.

Era a fase de elaboração do segundo álbum, "In The Wake os Poseidon", que tinha boas canções, mas sem o impacto do disco de estreia. Lake cantou em quase todo o trabalho, mas também se cansou do esquema de Fripp e saiu em abril de 1970.

Nas gravações, o saxofonista e flautista Mel Collins ajudou bastante, assim como o baixista Peter Giles (irmão de Michael e amigo de Fripp deste os tempos do trio Giles, Giles & Fripp).

A banda ficou em um limbo no período pós-"In the Wake of Poseidon", mas assim mesmo Fripp insistiu para que novas músicas fossem compostas no período do final de 1980 e começo de 1971. "Lizard", o terceiro álbum, tomou forma com o vocalista e baixista Gordon Haskell e o baterista Andy McCulloch, além da paticipação de Jon Anderson (Yes) cantando em uma faixa.

Instabilidade

Comercialmente o disco fracassou, mas se tornou um clássico da banda, já recheado de experimentalismo e ousadia. Collins e Sinfield ainda estavam por perto, mas novas mudanças viriam para o quarto álbum, "Islands".

Haskell e McCulloch não agradaram e foram substituídos por Boz Burrell (baixo e vocais) e o baterista Ian Wallace, mas ainda assim as coisas não deslanchavam. Nos shows a banda arrasava, mas o discos não vendiam, por melhores que fossem – e "Islands" era excelente.

É nesse período que os shows de "Sailor's Tales" se centram, com destaque para a guitarra então pesada e hipnótica de Fripp e o bom desempenho do talentoso Burrell, que deixaria a banda em 1972 para logo embarcar em uma série de projetos e, enfim, entrar no Bad Company no final de 1973.

King Crimson na BBC, em Londres, em março de 1970 (FOTO: DIVULGAÇÃO)

A intensidade do período e as constantes exigências de Fripp, mais a falta de êxito comercial, implodiram a formação ao final de 1972 – nem mesmo o letrista Sinfield aguentou a aporrinhação e brigou com o ex-amigo.

Sozinho, o guitarrista teve de correr para remontar o King Crimson por conta de contratos com gravadoras e shows agendados. Chegaram o baixista e vocalista John Wetton (que depois tocaria no Asia e no Uriah Heep), o baterista Bill Bruford, descontente no Yes, o percussionista Jamie Muir e o violinista David Cross.

O som da banda muda, fica mais melódico e menos experimental, mas cada vez mais progressivo e técnico. E é isso que vemos no quinto álbum, "Lark's Tongues in Aspic", de 1973, que muitos especialistas apontam com o melhor disco da carreira do Crimson.

Com a falta de reconhecimento e sucesso, o grupo implode de novo e acaba ao final de 1974 para retornar seis anos depois com outra formação e outra proposta musical. Entretanto, nada seria como o vulcânico período entre 1970 e 1972.

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

Sobre o Blog

O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
Contato: contato@combaterock.com.br

Blog Combate Rock