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A tradição do blues passada de pai pra filho na música de Lucky Peterson

Combate Rock

29/09/2019 06h45

Eugênio Martins Junior – do blog Mannish Blog

Lucky é um cara sortudo. Nasceu filho de um dos mais importantes blueseiros de Buffalo, no estado de New York, James Peterson. Seu pai também era um cara sortudo. Era filho de um dono de uma concorrida jukejoint no Alabama. Cresceu entre o ambiente insalubre do blues e a glória da música de Jesus em uma igreja local.

Mas aos quatorze anos caiu na vida até chegar a Buffalo em 1955. Tocou onde podia até fundar, dez anos mais tarde, seu próprio clube, o Governor's Inn.

Sua banda dava suporte a todos os figurões do blues elétrico que passavam por lá nos anos 60: Muddy Waters, Howlin' Wolf, Big Joe Turner, Lowell Fulson, Freddie King e Koko Taylor foram alguns.

Em 1970 teve seu primeiro álbum produzido por Willie Dixon, The Father, Son and the Blues, com a participação nos teclados de seu filho sortudo com apenas cinco anos.

No tempo certo, Lucky pegou o bastão das mãos do pai e tornou-se o próprio guardião dessa tradição secular.
O jovem prodígio especializou-se no órgão Hammond B3 e na guitarra e aos 17 anos já integrava a banda de Little Milton e depois a de Bobby "Blue" Bland, dois grandes nomes do blues.

Nessa época conheceu o produtor Bob Greenlee que o levou à Alligator Records para gravar os excelentes Lucky Strikes! e Triple Play.

Nunca mais parou de gravar discos acima da média e hoje é aclamado como um dos grandes do blues. Em 2017 gravou o excepcional Tribute to Jimmy Smith, homenagem ao seu ídolo e mentor.

Estive com Lucky Peterson em junho de 2019 no festival de Rio das Ostras (RJ), que voltou com força total.
Assisti a dois shows, no Palco Costa Azul e na Lagoa de Iriry, onde Lucky teve ao seu lado o guitarrista canadense Shawn Kellerman (em breve entrevista ao Mannish Blog), e os brasileiros Flávio Naves (teclados), Bruno Falcão (baixo) e ainda a participação de sua esposa, a cantora Tamara Tramell. Foram sete shows no Brasil com esse time.

Eugênio Martins Júnior – Há a incrível história do álbum "The Father, Son and the Blues" gravado por seu pai, James Peterson, com sua participação. Você lembra de alguma coisa?
Lucky Peterson – Foi o primeiro álbum do meu pai, gravado em Buffalo, New York, eu tinha apenas cinco anos. Não lembro daquelas sessões.

Lucky Peterson (FOTO: CEZAR FERNANDES/DIVULGAÇÃO)

EM – Certo. Qual foi a principal lição passada pelo músico James Peterson?
LP – As raízes. A verdade do blues. Amar o que você faz. E eu amo. Foi isso que aprendi com meu pai. As pessoas vão sacar o que você está fazendo.

EM – Você nasceu e cresceu no meio do blues. Gostaria que falasse sobre isso.
LP – Sim. Meu pai era dono de um dos principais clubes de Buffalo. Ele recebia Buddy Guy, Junior Wells, Koko Taylor, James Cotton, Jimmy Reed, Muddy Waters. Cresci com todos esses artistas em volta.

EM – Você recebeu alguma influência de algum desses caras que frequentavam o bar?
LP – Tenho orgulho de ter conhecido todos eles. Tenho um pouco de Lightnin' Hopkins, um pouco de Freddie King, mas desenvolvi meu próprio estilo.

EM – Você tocou com Etta James, Bobby Bland e Little Milton, está correto?
LP – Fui o bandleader de Little Milton por cinco anos e depois fui para a banda de Bobby "Blue" Bland como sideman. Aproveitei o máximo com ambos. Com Etta James fiz apenas algumas sessões, mas foram ótimas. Ela era legal e talentosa. É o que tenho a dizer.

(risos) EM – Você não gosta de falar muito, né?
LP – Não mesmo.

EM – O álbum Spirituals and Gospel, gravado por você e Mavis Staples é um lindo tributo a Mahalia Jackson. E o Willie Walker que está no Brasil nesse momento me disse que o blues e o gospel têm o mesmo ritmo, o mesmo sentimento, mas a mensagem é diferente. Você poderia comentar essa afirmação?
LP – É verdade. A única diferença é que no gospel você diz Jesus e no blues você diz baby. (risos)

EM – Você começou a gravar muito cedo e a tua discografia é bem prolífica, gravou diferentes estilos musicais e é multi-instrumentista. Acompanho o teu trabalho há algum tempo e acho que podemos chama-lo de algum tipo de guardião dessa arte. Quero dizer, arte que passou de pai pra filho.
LP – Acho que é um pouco disso. Blues, rock and roll, funk, gospel. Lucky Peterson é um pouco de tudo isso.

EM – Levando isso em consideração, como você faz as escolhas? Quero dizer, o que vai entrar no próximo álbum. Você planeja ou simplesmente acontece?
LP – Apenas deixo rolar. Meu próximo álbum vai se chamar Fifty Years, quer dizer, há cinquenta anos venho tocando o blues. Tenho feito coisas diferentes em todos esses anos e vai ser um reflexo disso, um pouco de tudo. A programação é para sair agora em setembro.

EM – Gostaria de falar um pouco de Jimmy Smith. Vocês dois têm algumas semelhanças. Ambos começaram a tocar cedo, ambos tocam o Hammond e são fãs da música gospel. Me parece natural que você tenha gravado um álbum em sua homenagem.
LP – Fiz esse tributo porque o considero um dos maiores organistas de blues. Estudei órgão com Jimmy e sinto sua falta. Ele colocou o Hammond B3 no mapa.

EM – Você gravou discos ao vivo em Berlin, em Maciac e passou um bom tempo de sua vida viajando pela Europa. Você acha que o blues é mais reconhecido lá do que nos Estados Unidos?
LP – Acho que é a mesma coisa.

EM – Você imaginava que no Brasil haveria uma cena? Quer dizer, você já esteve aqui uma vez.
LP – Sim. E há uma boa cena por aqui.

EM – No show de ontem pude ver o poder da parceria com sua esposa. O jeito que vocês cantam juntos foi muito especial. Poderia falar sobre isso?
LP – Somos casados há 25 anos. Adoro me apresentar com ela. Temos um boa interação.

EM – Vocês compõem juntos.
LP – Sim, às vezes. Quando sentimos que devemos. Gostamos de manter a independência.

EM – Ontem foi a sua quinta apresentação no Brasil. Como estão sendo os shows na turnê?
LP – Ótimos. Estou gostando de todos. Quero voltar logo.

EM – Qual o conselho que um veterano com cinquenta anos dentro do blues pode dar ao jovem músico?
LP – Pratique. Ouça Lucky Peterson. Compre meus discos e ouça de verdade. (risos).

EM – Pra terminar, qual a importância do blues para a cultura americana?
LP – Foi a primeira música a aparecer. Gospel, blues. É a única música que você não precisa de um sucesso. Ele traz os fundamentos, a base.

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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