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A escola como alvo e a devastação do futuro de uma nação

Combate Rock

16/08/2019 06h32

Marcelo Moreira

FOTO: REPRODUÇÃO INTERNET

Não há futuro em um país onde as escolas de periferia precisam colocar avisos nos telhados implorando para que os helicópteros das polícias não atirem justamente por serem escolas.

É assim que termina um texto da revista/instituição Nova Escola, também publicado em forma de artigo no jornal Folha de S. Paulo. Se for possível, clique aqui para ler.

O autor, o jornalista Leandro Beguoci, diz claramente que não queria ter escrito o texto, inspirado nas cartinhas escritas a mão por crianças do Rio de Janeiro enviadas aoTribunal de Justiça daquele Estado.

As cartas não foram escritas como o protesto  embora o sejam, e da forma mais dramática. São apenas depoimentos de crianças que querem ir à escola sem correr o risco de morrer.

É revoltante ler que quase todas as crianças que escreveram as cartinhas tiveram um parente próximo morto ou espancado em ações policiais.

Os governantes que assumiram em janeiro de 2018 não são os culpados diretos pela guerra civil que matou 100 mil jovens, a imensa maioria de negros e pobres, entre 2007 e 2017, segundo dados do Unicef, o fundo das Nações unidas para crianças e adolescentes.

No entanto, a maioria desses governantes, de orientação conservadora-evangélica-extremista de direita, têm muita responsabilidade no agravamento dos confrontos verificados nos Estados mais populosos e violentos. É no Rio de Janeiro que a polícia implantou a prática do "caveirão aéreo", com atiradores de elite alvejando civis e "suspeitos" de todos os tipos em nome de um suposto "combate à criminalidade".

Em São Paulo, o número de pessoas mortas por policiais militares no primeiro semestre de 2019 subiu 11,5% na comparação com  o mesmo período do ano passado, de acordo com dados da própria Secretaria de Segurança Pública. Foram 414 mortes. O número de PMs mortos em confrontos (ou supostos confrontos) caiu cercade 42%. No Rio de Janeiro, os números também estão em ascensão.

Todas as reportagens que mostram o envio das cartas das crianças aos juízes são o retrato mais contundente e insano da guerra civil que domina as maiores cidades.

O fosso social é tão fundo que uma simples crítica aos procedimentos das polícias no Rio de Janeiro é motivo para uma campanha atroz de depredação de reputação de um jornalista com credibilidade e prestígio.

Chico Pinheiro, apresentador do Bom Dia Brasil, da TV Globo, criticou uma ridícula nota oficial da Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro, uma nota meramente protocolar, o que poderia, de alguma forma, no mínimo ignorar os procedimentos policiais violentos. "A polícia diz que às vezes enfrenta traficantes. Como se o fato de ser traficante justicasse atos violentos, fosse motivo suficiente para balear e matar."

Foi o que bastou para as hordas de cães hidrófobos extremistas xingarem o jornalista nas redes sociais, afirmando que ele defende bandido e que tem "conluio com traficantes e petistas".

A disseminação do ódio e a intensificação do discurso de guerra contra a violência urbana  – "bandido nbom é bandido morto" – é uma espécie de salvo-conduto para uso recorrente e indiscriminado da violência contra a sociedade.

Qualquer um agora vira alvo, é transformado em bandido, do professor que protesta nas ruas contra os ataques à educação aos artistas de rua que mostram a sua arte; dos políticos de oposição que têm suas reuniões invadidas nas sedes de partida a cientistas que contrariam a pseudo-ideologia estapáfúrdia dos desmiolados que apoiam o governo federal bolsonarista; do trabalhador que resiste às abordagens policiais truculentas de madrugada aos dirigentes de movimentos sociais que tentam defender miseráveis que também são vítimas do Estado, como os sem-teto.

No meio dessa guerra suja, onde os direitos humanos e as liberdades civis e de expressão são as vítimas de primeira hora – e o Combate Rock já listou aqui diversos casos de atentados contra bandas e cantores de rock ocorridos ao longo deste ano, em incidentes claramente motivados pelo ódio e pela ânsia de repressão de policiais de todos os tipos, além de agentes estaduais e municipais.

Com a desculpa de preservar a "lei e a ordem", a polícia repressiva prende cidadão que xinga o presidente da República e invade reuniões partidárias de opositores para "monitorar o movimento".

Também alega falta de alvará do que quer que seja para cancelar festival punk que tinha cartaz de divulgação considerado "ofensivo" ao presidente e invoca suposta "falta de respeito" para conduzir coercitiva e ilegalmente músicos para a delegacia de polícia para prestar "esclarecimentos" por conta de uma música "crítica" às polícias brasileiras.

Se tudo isso ocorre diante do que podemos detectar como "um ambiente de normalidade" numa sociedade que parece se acostumar com o autoritarismo, então como será possível protestar e combater a guerra contra o pobre, o negro e a periferia?

Continuaremos a a assistir aos assassinatos praticados pelo Estado de forma impassível, chancelando a normalização da repressão e das mortes de civis que ousam ir à escola ou comprar comida no mercadinho? Vamos continuar a achar normal que as políciais decretem que todo morador pobre de comunidade/favela éinimigo?

Entre as cartas de crianças que pedem o fim das operações policiais estruturadas no Rio de Janeiro, em especial no Complexo da Maré, a mais devastadora sintetiza o horror a que a população de parte da cidade  está vivendo:

"Boa tarde. Eu queria que parassem as operações porque muitas famílias serão mortas. Agora, eu estou sem quarto porque vocês destruíram na operação. Todo mundo na minha escola chora, meu irmão morreu por causa dos policiais e eles bateram no meu primo. […] Muito obrigado por ter lido minha carta".

 

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

Sobre o Blog

O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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