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Titãs e Ira! caem no folk, uma alternativa interessante e necessária

Combate Rock

14/08/2019 06h48

Marcelo Moreira

Titãs no formato trio: Tony Bellotto (esq.), Sergio Britto (centro) e Branco Mello (FOTO: SILMARA CIUFFA/DIVULGAÇÃO)

Reinvenção não significa inovação e não necessariamente envolve criatividade ou inventividade. Entretanto, nem sempre é algo negativo ou desprovido de qualidade.

Dois anos atrás, o Ira! decidiu repaginar seu repertório com uma nova modalidade de "acústico". O espetáculo Ira! Folk trouxe os clássicos do grupo de uma forma diferente: a abordagem era semiacústica, mas desprovida dos excessos de arranjos do clássico "MTV Unplugged" e com andamento mais lento, com arranjos bem diferentes. Ficou muito bom.

Agora é a vez dos Titãs, que realizaram alguns shows no formato trio – os fundadores remanescentes Tony Bellotto (guitarra), Branco Mello (guitarra, voz e baixo) e Sergio Brito (voz e teclados). Beto Lee (guitarra) e Mário Fabre (bateria) aparecem como "convidados".

Depois do interessante trabalho "12 Flores Amarelas", uma ópera-rock, os Titãs surpreendem ao retornar ao estilo "acústico", mas com algo bem mais próximo ao modelo "folk" apresentado pelo Ira!, ou seja, arranjos despojados e uma pegada mais leve, quase MPB em alguns momentos. Surpreendente e bem interessante.

Será que essa é a tendência que vai prevalecer entre os veteranos do rock nacional? Será que poderemos esperar Paralamas do Sucesso ou Frejat no estilo folk?

É muito cedo para apedrejar esses artistas que procuram a reinvenção sem que realmente criem algo novo. O que o Ira! fez foi bem diferente do usual, com bom resultado, assim como o Titãs, que recuperaram o acústico mas nem tanto assim.

Falta de criatividade, comodismo ou mero oportunismo? É muito fácil apontar o dedo para quem quer que seja quando falamos de um mercado fonográfico depredado e falido, em que muitos consumidores simplesmente se recusam a "consumir", preferindo obter música de graça ou pagar quase nada para ter acesso a aplicativos de streaming.

Vale a pena investir e criar música nova autoral, que certamente passará despercebida e será descartada quase que imediatamente? A imensa maioria dosa artistas diz que sim, que é o que faz um artista se sentir vivo e produtivo. Na prática, no entanto, a coisa é bem diferente.

Há os que falam abertamente sobre a questão. "Não faz mais sentido lançar CD novo com músicas novas, as pessoas não querem mais saber", comentou Mick Jagger em uma entrevista para a revista Rolling Stone em 2013.

O último CD de inéditas dos Rolling Stones, "A Bigger Bang", de boa qualidade, mas longe do brilhantismo do auge da carreira do quarteto, foi lançado em 2005. O mais recente, de 2016, é "Blue and Lonesme", uma coleção de versões para clássicos do boues norte-americano.

O formato folk é uma boa sacada, e casa bem com bandas versáteis, que têm catálogo extenso, variado e consistente. Dependendo do caso, podem soar completamente diferentes reciclando o mesmo repertório, mas de forma mais amena.

É o que sobrou para bandas veteranas, mas preguiçosas, como dirão alguns? Talvez sim, mas ainda bem que existe essa alternativa. Não é o ideal, óbvio, mas é o que o público parece disposto a aceitar e pagar (ao menos em parte).

É o que temos para o momento, embora queiramos bem mais de alguns de nossos artistas favoritos. E nem dá para que exigir muito ou condenar os Titãs por conta do novo espetáculo. Afinal, faz menos de dois anos que a banda lançou o ambicioso e interessante "12 Flores Amarelas", provavelmente o melhor trabalho autoral de rock nacional dos últimos anos.

Ira! Folk no palco do Sesc Vila Mariana, em São Paulo (FOTO: RICARDO ALFREDO FLÁVIO)

No caso do Ira!, se a solução caiu bem e se tornou um sucesso, por outro lado coloca a banda em um dilema: até quando esse formato vai durar? Qual será o próximo coelho a ser sacado da cartola?

Aparentemente, Edgard Scandurra (guitarra e vocais) e Nasi (vocais), a dupla que comanda o Ira!, não tem pressa de elaborar um novo trabalho de inéditas. Já são praticamente cinco anos desde a volta da banda após uma separação dolorida.

Desde o começo a ideia era reativar o Ira! sem aquele compromisso de tornar a banda o que era antes da separação. Haveria o Ira! convivendo com os múltiplos trabalhos paralelos de Scandurra e a carreira solo bem-sucedida de Nasi. Portanto, eles avisaram desde o começo que teríamos o Ira! ao vivo de vez em quando, mas sem a obrigatoriedade de tê-la em tempo integral.

Entretanto, o dilema permanece: depois do formato folk, o que poderemos esperar? Essa não é uma precupação imediata dos músicos, que certamente ainda apostam fichas neste tipo de reciclagem.

O fato é que o estilo folk foi um achado para artistas veteranos com catálogos respeitáveis, algo que certamente cairia bem para gente como Paralamas, Frejat e Lobão, que possuem músicas perfeitamente adaptáveis ao estilo.

Se o acústico revigorou nos anos 90 várias carreiras e se tornou o trabalho mais vendido de muitas bandas dos anos 80, o folk se mostra uma alternativa bem viável para fazer o mesmo, embora não na mesma intensidade.

Se há algum oportunismo, ele surge como uma necessidade de mercado, uma alternativa para manter a relevância de artistas que ainda se mostram ativos e criativos. E só bandas boas e artistas talentosos têm capacidade para transformar seus repertórios e virá-los de tal forma que as músicas os ares sem que soem como meros produtos requentados.

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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