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Novas caras do blues brasileiro: T. Guy e R. Souza

Combate Rock

23/07/2019 06h53

Marcelo Moreira

A coisa não está fácil pra os músicos do underground brasileiro, mas a maior parte deles não se importa com isso – u quase isso. Gente do rock e do blues corre atrás das oportunidades e se mostra muito criativa nos negocios e, principalmente, nas músicas.

Dois guitarristas de blues enfrentam a maré com inteligência e extremo bom gosto explorando áreas pouco navegadas, digamos assim, aqui no Brasil.

T. Guy, aos 26 anos, é um instrumentista corajoso, que aborda o blues de uma forma quase lúdica, com os dois pés no jazz. "Tell Uncle John" é o seu mais recente trabalho, onde o clima é de vaudeville, ou de cabaré flutuante no rio Mississippi. Som datado? Ainda bem que é.

Músico escolado no underground internacional, começou a conceber o álbum quando morava em Londres, em 2015. Época de muito trabalho e boas experiências.

O guitarrista T. Guy (FOTO: DIVULGAÇÃO)

A ideia era estudar engenharia, mas o violão sempre perto desviava o foco, assim como a fervilhante cena blueseira inglesa. "Eu morava em uma das acomodações do campus da universidade: o quarto eraminúsculo, cabia só cama, escrivaninha e guarda-roupa, e tudo bem apertado. Tinha um violão que ficava encostado no guarda-
roupa enquanto ficava na cama, e na cama quando eu saía. Então, sempre que estava no quarto, acabava com o violão no colo."

"Tell Uncle John" teve a maior parte das gravações realizadas em São Paulo no final de 2018, com a presença de músicos importantes como Rodrigo Mantovani (baixo) e Humberto Ziegler (bateria). Foi masterizado em Los Angeles, por Robert Hadley (Ray Charles, Carole King, David Crosby). Ou seja, T. Guy não pensou pequeno para realizar o CD.

A delicadeza da guitarra e a sutileza dos arranjos são o ponto alto das belas canções "Tell Uncle John" e "Angeline". É blues, é jazz, e folk, mas também bem mais do que isso. Difícil não lembrar de New Orleans e do recém-falecido Dr. John.

"People, People" abusa da criatividade nos teclados e nos riffs de guitarra, trazendo para o CD um clima de fanfarra que se junta a Rod Stewart e Faces no meio do caminho.

E é o cantor inglês que se diz escocês que dá o tom na pungente "Meant to Be Apart", com seu clima jazzístico, com pianinho à la Diana Krall. Guy se mostra um bom crooner, com sensibilidade e muita sutileza.

"Brother, Help Me", por sua vez, é um lamento rhythm & blues que transborda dor e melancolia, como bem salientou o músico em recente declaração a respeito do álbum: "É um disco que fala de relacionamentos fracassados, sejam eles entre indivíduos em sociedade, entre casais desafiados pela distância, infidelidade, diferença de expectativas ou
pelo azar das circunstâncias em que se encontram."

Claro que há melancolia, afinal, não dá para tratar de "corações partidos" fazendo troça. No entanto, dá para perceber que luzes e certo otimismo em algumas canções.

Não há tragédia, como Guy mesmo frisa. Há doses de ironia e bom humor, como em "No Friend of Mine", que contém um pouquinho de sarcasmo também. "The Valley" é o melhor que uma canção folk pode oferecer, com voz, violão e muito sentimento.

A qualidade do trabalho e delicadeza no trato com os arranjos "Tell Uncle John" só encontra paralelo no jazz e no blues recente do Brasil em "Let Me In", da cantora Bia Marchese, e nos bons trabalhos do Nouvelle Cuisine.

R. Souza (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Outro destaque dessa nova safra do blues nacional curiosamente também abrevia o pimeiro nome. R. Souza (também costuma se apresentar como Rodrigo Souza) acaba de lançar um EP chamado "Down the River", com quatro músicas autorais e uma boa bagagem dentro do estilo.

O músico de Itapira (SP) é mais velho que T. Guy, mas tem uma trajetória longa no interior de São Paulo. Aos 36 anos, mostra um domínio do blues e uma pegada diferenciada na guitarra, o que fica claro nas quatro músicas novas.

Não bastasse o prestígio no Brasil, Souza tem no currículo anos de estudo de música nos Estados Unidos – é formado em Worship and Technical Arts em Dallas, no Texas, e Music Production pela Berklee, na Califórnia. É natural, portanto, que o blues esteja nas suas veias.

Que o diga a primeira canção do EP, "Mountain Top", um blues pesado da tradição dos guitarristas latinos dos Estados Unidos e Canadá – Tommy Castro, Joe Bonamassa, Chris Duarte, Lance Lopes, Curtis Salgado e muitos outros.

É uma canção forte, um blues rock centrado em camadas de guitarras e com o apoio de um teclado bem colocado e timbrado. Há também nítidas influências do blues texano, como no baixo pulsante que lembra a Double Trouble, que acompanhou Stevie Ray Vaughan, e uma bateria marcada à la ZZ Top.

"Down the River" dá uma desacelerada e envereda pela soul music. A guitarra de Souza aqui mostra uma pegada mais vigorosa, esbanjando categoria e um groove contagiante – o solo principal é um primor de feeling.

O clima dá uma amenizada com "My Mistake", onde dá para perceber ecos de Joe Bonamassa e Eric Clapton. É uma balada blues com viés country, onde guitarra e violão duelam de forma interessante, mostrando muita competência na elaboração dos arranjos. Aqui Souza se mostra um cantor com mais recursos, sme precisar forçar m pouco, como em "Mountain Top".

Na última canção, o arremate é certeiro, embora não prime pela originalidade. "Train to Paradise" reúne todos os predicados do blues rock, com guitarras fortes e agressivas, abusando dos efeitos e dando um clima mais pesado. Não há como não lembrar do projeto Beck, Bogert & Appice, dos anos 70, em que Jeff Beck flertou com o hard rock.

R. Souza é uma boa surpresa da guitarra blues brasileira, e aparece paa engrossar um time de primeira qualidade, formado por Igor Prado, Artur Menezes, Celso Salim, Neto Rockfeller, Mauricio Sahady, Cristiano Crochemore, Fernando Noronha, Rodrigo Campagnulo e mais alguns mestres do gênero que despontaram neste século.

 

 

 

 

 

 

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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