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The Faces, 50 anos: a banda 'bagaceira' mais legal de todos os tempos

Combate Rock

22/07/2019 06h51

Marcelo Moreira

The Faces em 1971: da esq. para a dir., Ronnie Lane, Ron Wood, Kenney Jones, Ian McLagan e Rod Stewart (FOTO: GETTY IMAGES)

Duas bandas banda importantes implodidas e sem rumo, ensaios regados a cerveja e uísque, fora os cigarros aos quilos. Junte-se a isso um cantor com um contrato assinado para álbuns e carreira solo, mas que está empacado e entediado. Tinha tudo para dar errado, só que muito certo – ao menos por cinco bons anos de farra e bebedeira.

Esse é o resumo do improvável surgimentos dos Faces em 1969, a banda inglesa zoada e largada que os americanos aprenderam a amar e que rivalizou com Led Zeppelin, The Who e Rolling Stones nos anos 70.

Há 50 anos surgia em um porão a banda mais descolada, relaxada e descontraída do rock clássico inglês, primeiro em um portão, e horas depois sacramentada em um boteco de esquina.

Os Faces foram uma espécie de continuação dos Small Faces, banda surgida em 1965 como um dos pilares da cultura mod e com um som sólido e quente calcado no blues, no rhythm & blues e na soul music graças à guitarra maliciosa e a voz áspera e gritada de Steve Marriott.

O quarteto estourou muito rápido quanto ainda nem tinham 20 anos de idade e a falta de experiência e a velocidade das mudanças do período 1966-1970 derrubaram aquela que rivalizava com Who, Kinks e Yardbirds na cola dos Beatles e dos Rolling Stones.

De enorme sucesso em casa, os Small Faces nunca estouraram nos Estados Unidos, o que pesou nas graves contendas entre os integrantes, todos excelentes músicos. Em 1968, com apenas dois álbuns gravados (de relativo sucesso comercial), a banda começou a adernar.

Marriott intensificou as brigas com o baixista Ronnie Lane, que se achava colíder do grupo, e causava eterna desconfiança no tecladista Ian McLagan, eterno chato e ranzinza, embora de coração enorme.

Assim que conheceu um moleque de 19 anos que tocava guitarra como um monstro, Marriott avisou os ex-amigos por telefone no começo de 1969 que estava caindo fora para montar o Humble Pie ao lado de Peter Frampton, que tinha saído do Herd.

Desorientação e banda sem rumo

Embora não fosse uma grande surpresa, Lane, McLagan e o baterista Kenney Jones (que substituiria o amigo Keith Moon no Who em 1978 – ironicamente, ele diz que foi a última pessoa do meio musical a conversar com Moon, que saiu bêbado de uma festa em 7 de setembro de 1978 e morreu horas depois em um hotel) ficaram irados. Sem Marriott, os Small Faces estavam sem o seu rosto, a sua voz e o seu som característico de guitarra.

No comecinho de 1969, por coincidência, a formação básica do Jeff beck Group implodiu. O irascível guitarrista começou a se ressentir da constante atenção que o vocalista Rod Stewart estava recebendo. Também não tinha gostado de o cantor ter assinado um contrato para carreira solo no ano anterior.

Stewart e Ron Wood, o baixista que era originalmente guitarrista, estavam cada vez mais insatisfeito com o relacionamento com Beck e com os empresários. Após um show, pela décima vez, alguém, entrou no camarim da banda e se dirigiu a Rod: "Parabéns, Jeff, sua banda é extraordinária. O seu guitarrista também é muito bom." Estava ali decretado o fim daquela formação.

Amicíssimo de Wood, Rod e o parceiro de outros carnavais bebiam sem parar enquanto prensavam no que fazer da vida. Rod tinha agora uma carreira solo, mas não tinha banda. O que fazer e por onde começar? O cantor precisava de material autoral para continuar.

De repente, Wood some. Era meados de 1969. Stewart começa a procurar nos bares de Londres e o descobre ensaiando em um porão de um prédio que servia de depósito para os Rolling Stones.

Stewart chega e vê um quarteto ensaiando e bebendo muito. Ronnie Wood "emprestou" sua guitarra para a banda Small Faces, que tinha perdido Marriott. Era uma pequena ajuda enquanto os amigos desorientados pensavam no que fazer.

Por algumas semanas Stewart ficou sentado ao lado do teclado de Ian McLagan, bêbado e entendiado, vendo os ensaios indo a lugar nenhum.

Meio de saco cheio daquela indefinição, o baixista Ronnie Lane, um pouco bêbado, fica irritado com a cara de tédio de Rod e grita: "Acorde, seu tonto, e venha cantar algo para ver se sai alguma coisa."

A contragosto, Stewart, que era fã dos Small Faces, levantou-se e cantou alguma coisa. E depois cantou blues antigos de Muddy Waters.

A noite terminou no pub da vizinhança com Stewart obrigado a aceitar o posto de cantor na nova banda surgida no porão: The Faces, um quinteto que durou até 1975, gravou quatro álbuns em paralelo à carreira solo de Rod Stewart e que chegou a rivalizar em venda de ingressos para shows nos Estados Unidos com Rolling Stones, Led Zeppelin e The Who.

Tensões à vista

Havia um problema: por questões contratuais, Rod tinha de manter a carreira paralela à da banda, mesmo que fosse apenas para gravar álbuns. E então, a partir de 1970, os Faces gravariam dois álbuns por ano, um próprio e outro para Rod Stewart, que acrescentava um monte de amigos para complementar o time.

Na ânsia de retomar a carreira, Lane, McLagan e Jones toparam o acerto, assim como Woody, amigo incondicional. O arranjo, no entanto, se tornou um fio desencapado ao longo dos cinco anos de existência dos Faces e foi a fonte original dos entreveros entre todos. Resumindo, foi um erro.

No começo deu tudo certo, todo mundo parecia que realmente era amigo, a julgar pelas farras, pelas destruições de quartos e brincadeiras pesadas entre todos os membros.

Os shows tanto em teatros como em estádios, eram relaxados e descontraídos, com uma mistura de rock clássico, hard rock, soul music e rhythm & blues.

O primeiro álbum, "First Step", ainda saiu inexplicavelmente com o nome de Small Faces com os cinco na capa. em seguida vieram "Long Player", "A Nod is a Good as a Wink… To a Blind Horse" e "Oh La La", com o sucesso "Stay With Me", além de um álbum ao vivo.

A aparente união descontraída escondia um ressentimento e uma desconfiança de Lane e McLagan em relação a Stewart por conta da relação conturbada com o vocalista Steve Marriott. Uma hora Rod vai nos deixar na mão, já que tem carreira solo que estava decolando junto com a da banda.

Não demorou para Stewart ficar puto com isso e confrontar Lane. Este, por sua vez, cada vez mais interessado em folk music e menos em rock, começou a ensaiar em seu estúdio caseiro com um grupo de músicos pouco conhecidos em meados de 1972, na mesma época em que estreitava a amizade com Pete Towshend, do Who – naquele mesmo ano, gravou músicas no primeiro álbum solo dele.

Segunda e última formação dos Faces, em 1973, com o baixista japonês Tetsuo Yamauchi (na ponta direita) substituindo Ronnie Lane (FOTO: REPRODUÃO/DIVULGAÇÃO)

Os ensaios em casa se tornaram o germe do que viria ser o Slim Chance, grupo de apoio de Lane em sua carreira solo. Cada vez mais distante, Lane consumou a sua saída da banda no final de 1972 sem rusgas aparentes.

Tetuso Yamauchi, um baixista japonês beberrão que não falava inglês direito, foi o escolhido para o posto meio que no desespero. Ele tinha substituído Andy Fraser no Free naquele ano, mas esta banda estava à deriva.

Stewart e Woody levaram a banda como deu até 1975 mesmo com as crescentes desconfiança de McLagan. Ironicamente, quem, deu o tiro de misericórdia foi Ron Wood, cada vez mais amigo de Keith Richards e Mick Jagger – os dois tocaram no álbum solo de Wood de 1974.

Roubo do guitarrista

Quando Mick Taylor pediu demissão dos Rolling Stones em janeiro de 1975, Wood foi chamado às pressas para substituí-lo temporariamente em vários shows naquele ano, período em que os Faces estariam parados (só voltariam a tocar no segundo semestre)

Para Stewart, era o fim da b anda, pois sabia que Woody não sairia mais dos Rolling Stones – por mais que estes tenham feito a desfaçatez de não oficializá-lo como membro da banda e de obrigá-lo a passar por "testes" na Alemanha, no final do ano, que também envolveram os americanos Harvey Mandel e Wane Perkins e até mesmo Eric Clapton.

No fim, Ron Wood foi oficializado, para decepção do amigo Rod – os dois ficaram algum tempo brigados por conta disso. diante do inevitável, Stewart anunciou o fim dos Faces na última semana de dezembro de 1975, para extrema irritação de Ian McLagan e Kenney Jones.

Até Jones entrar no Who, em 1978, perambulou por projetos de amigos e numa tentativa fracassada de Marriott de ressuscitar os Small Faces, sem Lane e com McLagan.

Já o tecladista se deu bem melhor, sendo contratado como tecladista nas turnês dos Rolling Stones até 1979,  em dobradinha com o pianista e chefe de turnês da banda Ian Stewart, que morreu em 1985.

Ronnie Lane fez sucesso como artista solo mesclando rock e folk e voltou a trabalhar com Ron Wood em 1977 em pelos dois álbuns que foram lançados postumamente. Acometido pela esclerose múltipla descoberta em 1980, foi lentamente se afastando da música até em 1998, quando morreu aos 51 anos de idade.

Ian McLagan casou-se com a viúva de Keith Moon, Kim, em 1980 e manteve uma movimentada carreira solo naquela década, lançando álbuns com frequência. Morreu em 2014, em Austin, nos Estados Unidos, aos 69 anos, quando estava em turnê com sua banda, vítima de um AVC (acidente vascular cerebral).

Kenney Jones, que nunca contou com a simpatia do cantor Roger Daltrey, tocou com Who até 1984 (a dissolução oficial foi anunciada em 1984). Quando a banda voltou aos palcos, em 1989, não foi convidado. Oficialmente, ele informou que tinha compromissos com o cantor Paul Rodgers na banda The Law, que lançou um disco em 1991.

Desde então participa de projetos diversos e de eventuais shows de celebração com o que restou dos Faces – em 2010, a banda se reuniu sem Stewart (que alegou ter compromissos inadiáveis para a fazer a turnê) e Lane, morto 12 anos antes. Quem assumiu os vocais foi Mick Hucknall, do Simply Red.

O som dos Faces sempre foi maravilhoso, algo único, tanto que inspirou muita gente, principalmente os Black Crowes. É a banda bagaceira mais legal de todos os tempos.

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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