Boicote e perseguição, as armas preferidas dos roqueiros na briga política
Marcelo Moreira
O arquivo digital chega à web rádio por meio de uma assessoria de imprensa. O som agrada, logo entra na programação regular, para logo em seguida duas ou mais pessoas elogiarem o CD por inteiro.
Só que alguém descobre que o artista defende tal corrente política e tal político. A informação é disseminada com a velocidade e o impacto de fake news.
O resultado: a música é retirada da programação e o diretor da rádio avisa a assessoria que tal artista está banido. Não bastasse isso, uma legião de idiotas engendra uma campanha de difamação e ataques nas redes sociais, não só por conta da posição política, mas também pela orientação sexual da pessoa.
Esse modo de operação não é novo – pelo contrário. Remonta a séculos atrás como arma poderosa de desacreditar inimigos e depredar reputações. Governos totalitários cansaram de usar o expediente a partir do século XX.
No entretenimento, em todas as suas vastas áreas, sempre ocorreu esse tipo de coisa, seja por meio da fofoca, seja por ataques diretos vingativos por conta de quebra de contratos ou mudança de empresariamento/gravadora/cônjunge.
O que chama a atenção é que, finalmente, esse tipo de atitude baixa chega ao rock underground do Brasil. Desde a campanha eleitoral do ano passado surgiram informações desencontradas e rumores de que já ocorria uma espécie de "lista de vetos" (outrora chamada de "lista negra") à medida que Jair Bolsonaro (PSL) se consolidava como favorito a vencer a disputa para a Presidência da República.
Vários artistas comentavam, de forma velada, que estavam sofrendo cancelamentos de contratos e shows de forma inesperada e abrupta, e que, nos bastidores, a explicação seria "motivos políticos".
Tal cenário se intensificou em 2019. Muita gente reclamou bastante dos cancelamentos, sendo a explicação já não era tão velada assim.
A polarização política virou guerra em todas as camadas da sociedade, desde o serviço público, com sistemáticos expurgos ou afastamentos de funções, até demissões em autarquias ou empresas privadas pertencentes a empresários ou grupos explicitamente apoiadores de Bolsonaro.
É um assunto delicado, em que os artistas fazem de tudo para evitar a fim de evitar o agravamento de boicotes ou perseguições. Demorou um pouco, mas alguns casos gritantes começam a vir a tona.
O mais rumoroso é o da cantora paulista Föxx Salema, que revelou nas redes sociais que sofreu boicote de sites de rock e web rádios por conta das posições políticas identificadas com a esquerda, além das militância pelos direitos humanos e do público LGBTQ – ela é transexual.
Xingada e atacada nas redes sociais tanto pela militância política como pela condição sexual, Salema viu seu álbum de heavy metal recém-lançado, "Rebel Hearts", ser ignorado e rejeitado em vários veículos.
Ninguém é obrigado a ouvir o que quer seja, ou a fazer análise sobre qualquer trabalho, ou mesmo colocar qualquer música na programação que seja.
No entanto, de acordo com os comentários e conversas que teve com representantes de vários veículos, Föxx Salema foi desrespeitada, atacada e ameaçada por ser esquerdista e transexual. Houve perseguição nas redes sociais.
Do lado oposto, também há queixas de boicote. Marcos Kleine, guitarrista das bandas PAD e Ultraje a Rigor, reclamou nas redes sociais de um suposto boicote que estaria sofrenmdo em algumas casas.
No caso, seria um show em uma importante e elegante casa na zona sul de São Paulo. Kleine alega que uma apresentação da PAD, que faz um hard rock de muito boa qualidade em português, teria sido desmarcada, supostamente, por "motivações políticas". Ele teve o cuidado de usar o "supostamente", já que, aparentemente, não teve a confirmação da motivação.
Conhecido no meio artístico pela postura de viés conservador em termos políticos, Kleine atacou a política de curadoria de shows da Secretaria Municipal de Cultura, de São Paulo, e afirmou que "divulgará, de agora em diante, todos os lugares que segregarem a banda por questões políticas ou que não tenham explicações aceitáveis".
Ele conclamou fãs a denunciarem o que camou de "ditadura cultural". "Para quem achava que não existia ditadura na cultura no Brasil chegou a hora de mostrar a real. Se você já presenciou isso ou foi vítima deixe seu relato aqui [redes sociais]. Vamos começar a lutar contra dando nomes e marcando pessoas."
Censura, boicotes, perseguições, ameaças, intimidações… Quando foi que deixamos de gostar de música, artes, cultura? Quando foi que permitimos que o ódio e o rancor interferissem em nossas preferências musicais?
Será que hoje um artista excvepcional como Wilson Simonal conseguiria exercer a sua arte? Para quem não lembra, o cantor negro de MPB e soul music foi acusado de ser um colaborador da polícia durante a ditadura militar – tudo porque, segundo jornaslistas que pesquisaram a sua vida, Simonal teria pedido a ajuda de um amigo policial para dar uma "prensa" em um contador/empresário, que teria roubado o cantor.
Será que bandas identificadas com ideais hippies dos anos 70, como Novos Baianos e as de rock progressivo, passariam pelo crivo de produtores de shows que são "cnservadores"?
São tempos difíceis os que vivemos, quando o que menos está sendo levado em conta é a qualidade do trabalho de artistas. As perspectivas são ruins, pois a tendência é de que o fosso seja ampliado e alargado, ampliando a distâncias dos polos políticos – e não há soluções ou saídas para este grande dilema.
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