'Houses of the Holy’: a malícia está nos olhos de quem vê
Ricardo Gozzi – do site Roque Reverso
A notícia da semana no mundo do rock extrapolou o bom senso. A rede social Facebook baniu publicações contendo a capa do clássico álbum "Houses of the Holy", do Led Zeppelin, pela delirante razão de apologia à pedofilia. A empresa voltou atrás alguns dias depois, mas quando isso aconteceu diversos usuários relataram terem sido banidos de postar na rede social por terem compartilhado a publicação, que teve como origem a página Ultimate Classic Rock, com mais de 1 milhão de seguidores.
Para quem não conhece, ou não se lembra, a capa de "Houses of the Holy" traz uma montagem fotográfica na qual duas crianças nuas sobem a chamada Calçada dos Gigantes, uma deslumbrante formação rochosa natural situada na Irlanda do Norte, sob um céu alaranjado.
Trata-se certamente de uma das capas mais emblemáticas da história do rock, digna de um dos melhores discos gravados pelo Led Zeppelin.
Clássicos como "Over the Hills and Far Away", "D'yer M'aker" a "The Rain Song" fazem parte deste álbum.
Seria bem melhor falar do disco. Mas quem se importa com cultura e música de altíssima qualidade em tempos de emburrecimento em escala global? Os imbecis finalmente chegaram ao poder e ainda vão rosnar muito antes de largarem o osso.
Depois de alguma comoção, numa resposta bastante constrangedora aos administradores da página, um porta-voz do Facebook reiterou que a rede social "não permite imagens de crianças nuas", mas "sabe se tratar de uma imagem culturalmente significativa". Algo do tipo, "fiquem tranquilos, a culpa foi do algoritmo, não temos nada a ver com isso".
O algoritmo que bane uma imagem icônica – não foi a primeira e provavelmente não será a última – é o mesmo que deixa passar notícias falsas, mensagens disseminando ódio e intolerância, além de imagens e vídeos violentos e grotescos, muitas vezes envolvendo crianças, idosos e animais.
Podemos concluir, portanto, que o algoritmo deriva do trabalho de programadores idiotizados, entregando seu conhecimento em troca de um salário enquanto a empresa para a qual trabalham consegue colocar em prática os mais impensáveis elementos distópicos de "1984" e "Admirável Mundo Novo": uma sociedade vigiada e mentalmente dopada enquanto seus acionistas faturam bilhões manipulando ideias e comportamentos.
Nos últimos anos, por exemplo, o Facebook e o WhatsApp – também pertencente à empresa de Mark Zuckerberg – foram fundamentais para manipulações eleitorais que resultaram em aberrações como o Brexit, as revoluções coloridas e Jair Bolsonaro. Se você acredita que os imigrantes são o maior problema da atualidade, ao lado do kit gay, da mamadeira de piroca e da doutrinação comunista nas escolas, sorria: a culpa é do algoritmo – e da sua falta de senso crítico.
E se você consegue ver apologia à pedofilia na capa de "Houses of the Holy", procure um terapeuta. A malícia está nos olhos de quem vê.
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