Topo

Livro narra o começo dos Dead Kennedys e a origem da fúria punk

Combate Rock

25/04/2019 12h00

Marcelo Moreira

O punk rock britânico foi o começo de tudo e estabeleceu a forma, mas quem deu o conteúdo, principalmente o político mais radical, foram os norte-americanos, mais precisamente os seminais e anárquicos – e excelentes – Dead Kennedys.

A premissa sempre foi difundida a partir dos anos 80 pelos críticos de rock dos Estados Unidos, mas sempre recebeu forte repulsa na Inglaterra, quando não recebida de forma zombeteira.

Mas eis que um jornalista inglês resolveu mudar de lado – ou melhor, assumir o lado no qual sempre acreditou – e louva a qualidade e a importância do quarteto californiano em um livro bem legal, "Dead Kennedys – Fresh Fruit From Rotten Vegetables", que conta a história do nascimento da banda e da criação/gravação do primeiro álbum, "Fresh Fruit From Rotten Vegetables", entre 1979 e 1980.

Neste momento em que a banda está prestes a fazer quatro shows no Brasil, mas sem o vocalista Jello Biafra, fora da banda desde 1986, torna-se necessário conhecer mais sobre um grupo furioso, anárquico, bem humorado e político até a medula óssea. E o livro, que tem edição brasileira, é crucial entender como surgiram os Dead Kennedys e como Biafra moldou o conceito lírico e comportamental.

O autor do texto, Alex Ogg, percorre toda a improvável história do encontro de um moleque do Colorado (Jello Biafra, um pseudônimo hilário adotado pelo vocalista) com um rodado guitarrista irascível sete anos mais velho em San Francisco (East Bay Ray, o motor criativo da banda, na questão instrumental).

Lançado no Brasil pela editora Ideal, e com excelente tradução do jornalista e guitarrista paulista Alexandre Saldanha (que tocou na banda Reverendo Frankenstein), a obra mostra como o álbum é importante para quem deseja conhecer a gênese do punk engajado e politizado norte-americano, bem mais agudo e influente do que o movimento inglês, que sempre foi mais musical e esteticamente bem definido.

Aquele que é frequentemente considerado o maior de todos os álbuns punks foi gestado por mentes inquietas, brilhantes e furiosas, dispostas a quebrar as regras de várias maneiras e chutar as canelas mais conservadoras, com direito à candidatura de Biafra ao governo da Califórnia em em 1980 (com uma plataforma de governo hilária e chegando ao quarto lugar, entre dez candidatos, mas com uma quantidade de votos ridícula).

Dead Kennedys (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Dead Kennedys (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Muito bem documentado e com uma quantidade grande de entrevistas – inclusive com todos os integrantes, que se não se falam praticamente desde 1986, quando o núcleo principal da banda rachou.

Todos os lados foram ouvidos, com direito a toda mesquinhez e falta de cortesia e diplomacia que separações litigiosas costumam produzir.

São curiosas as tentativas de se apropriar dos créditos de canções, pedaços de canções, letras, pedaços de letras, de pedaços de mixagens e de ideias para capas de álbuns singles.

Ray e Biafra até hoje são capazes de brigar em público e na imprensa até mesmo pela ideia de ter creditado o gato Norm (??????), um felino preguiçoso que rondava o estúdio, como coprodutor do primeiro álbum da banda, este que é considerado o melhor de todos os trabalhos punks por alguns.

Impecável do ponto de vista técnico na questão de jornalística, o texto merecia um pouco mais de cuidado – e aqui louve-se o trabalho de carpintaria e ourivesaria de Alexandre Saldanha, que conseguiu consertar alguns problemas de fluidez e contextualização, já que é um profissional experiente e competente, tendo sido responsável por traduções de biografias dos Ramones e individuais dos integrantes da banda.

Ogg faz questão de dizer logo no começo que é um fã incondicional dos Dead Kennedys e às vezes exagera na importância da banda no contexto do movimento punk e do rock como um todo.

Entretanto, evita tomar partido entre os dois lados beligerantes e não tem pudores em export os podres e as bobagens vomitadas por ambos os lados, sendo bastante crítico a respeito dos rumos que a banda tomou em vários momento de sua breve carreira (1979-1986).

A edição brasileira traz muitas fotos e uma quantidade grande de reproduções de capas de singles, banners de shows, cartazes de shows e outras coisas bem interessantes.

DK

Como o foco sempre foi a criação da banda e a gravação/lançamento do primeiro e magistral álbum, Alex Ogg apenas passeia sobre o resto da carreira do grupo.

A polarização intelectual-política-musical entre Biafra (esquerdista ao extremo, envolvido com inúmeras causas sociais e políticas) e o resto da banda (leia-se East Bay Ray, menos radical, um pouco mais conservador e mais interessado na música em si) ficou clara já no segundo álbum, "Plastic Surgery Disasters".

As brigas constantes, em parte por questões ideológicas – como ocorreu quase 30 anos depois em São Paulo, com o racha na ótima banda Garotos Podres, de Mauá (ABC, Grande São Paulo), culminaram na saída do vocalista Biafra em 1986.

Ele entrou na Justiça para tentar dissolver a banda e arrebatar os direitos autorais de quase todo o catálogo dos então quatro álbuns dos Dead Kennedys, mas não conseguiu.

Os Dead Kennedys sem o vocalista icônico tentaram prosseguir, mas submergiu na mediocridade e na falta de credibilidade artística e política no meio dos anos 90, ainda que Ray e outros integrantes tenham esticado ao máximo a vida do "cadáver" até o começo dos anos 2000.

Com vários hiatos, a banda recuperou parte da credibilidade e do público, mas perdeu relevância, embora a sua fase áurea seja idolatrada pela maioria dos principais astros do punk rock.

Já Jello Biafra se tornou professor universitário de história e ciências sociais, palestrante e cantor ocasional em projetos específicos de amigos e ou de causas socais relacionadas aos direitos humanos. Fluente em espanhol, arranha o português escolheu a história do Paraguai como tema de dissertação em um curso de pós-graduação.

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

Sobre o Blog

O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
Contato: contato@combaterock.com.br

Blog Combate Rock