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Uganga injeta fúria e pancadaria no rock nacional com 'Servus'

Combate Rock

10/04/2019 06h31

Marcelo Moreira

É música de protesto. É muito pesado. É punk, mas é thrash metal também. E o Uganga conseguiu estourar os ouvidos da galera em seu novo álbum, "Servus", recém-lançado em formato físico e digital.

É uma banda veterana, com quase 25 anos de estrada, embora os seis CDs (um ao vivo) e um DVD ao vivo possam ser considerados insuficientes para um grupo tão respeitado e prestigiado. Mas isso faz diferença?

"Não nos preocupamos com legado ou com o que as pessoas acreditam que devamos fazer. Fazemos o que temos de fazer enquanto banda, e estamos plenamente satisfeito com o que conquistamos. É uma carreira respeitada, com turnês pela Europa e o lançamento importante de um CD em São Paulo, com a atenção da imprensa", diz Manu "Joker" Henriques, o vocalista.

Com o lastro de três décadas de militância no rock pesado e na música, Henriques tem razão. O Uganga saiu do Triângulo Mineiro e fez história ao fazer o que chama de thrashcore, um som que mistura várias vertentes do rock com letras politizadas e com raízes históricas.

Tanta dedicação rendeu muito prestígio, ainda que não tenha sido o suficiente para colocar o Uganga entre as bandas mais ouvidas e incensadas do Brasil. O que faltou para que o grupo mineiro chegasse ao nível de um Raimundos, de um Krisiun, de um Sepultura?

É uma discussão inútil, em nossa opinião. O vocalista também não perde tempo com perorações a respeito do que aconteceu e do que poderia ter acontecido. Em um evento bacana em São Paulo, no Espaço Som, no bairro de Pinheiros, a banda lançou oficialmente "Servus", aquele que provavelmente é melhor e mais contundente trabalho do grupo.

"Como uma banda underground e cantando em português, considero uma coisa fantástica as nossas realizações. Não é só questão de militância no rock ou nas ideias, é verificar que os resultados são bem legais e que nos deixam orgulhosos", afirma Henriques.

Manu Henriques (FOTO: GIL OLIVEIRA)

O novo álbum copra uma parceria produtiva com a Wacken Foundation, ligada ao mais importante festival de metal do mundo. Boa parte dos recursos usados nos últimos trabalhos da banda são oriundos de fundos públicos (Programa Municipal de  Incentivo à Cultura de Uberlândia entre eles) e parcerias com fundações.

"A parceria com a Wacken Foundation foi mais uma vitória da banda e equipe", comemora Henriques. "É uma honra sermos uma banda latino-americana agraciada com o prêmio e com os recursos do incentivo. Só de ter o logo do maior festival do mundo em nosso trabalho já é uma honra. Se eles estão interessados em nós, então o trabalho está valendo a pena."

Em uma formação com três guitarras, o Uganga fez um pocket show enegético e intenso de pouco mais de 40 minutos para divulgar o álbum novo. E o som que o grupo extrai é orgânico e muito pesado, algo tem sido uma raridade entre as bandas de rock pesado brasileiras.

Muitas bandas brasileiras têm obtido bons resultados ao cantar em português e abordando um som pesado e potente, com letras fortes de cunho político ou simplesmente de denúncia das mazelas sociais.

Project46, Worst, Oitão e uma série de grupos de hardcore têm obtidos bons resultados nesta área, com grande apoio e suporte, mas são os mineiros de Araguari que ainda estão na vanguarda dessa microcena, digamos assim.

O sexteto consegue com maestria a mescla de hardcore com thrash metal, conseguindo avançar em uma área em que o Ratos de Porão, até pouco tempo atrás, reinava sozinho.

O Uganga é mais metal do que punk, o que explica o groove e a tendência de abordar a melodia com prioridade nas música do novo álbum. Em relação às letras, o grupo não alivia: é pancada atrás de pancada, explodindo contra a falta de cuidado com trato social que permeia a vida brasileira.

"A gente procura se esquivar da questão ideológica, já que as questões estão todas postas na mesa e as mazelas, digamos assim, não tem cores partidárias. Há uma responsabilidade coletiva que não pode ser ignorada", afirmou Henriques em entrevista ao Combate Rock.

Uganga toca no Estaço Som, em São Paulo (FOTO: MARCELO MOREIRA)

Em relação ao conceito, há uma mistura de canções de protesto com temas históricos, regionais e uma passada pela espiritualidade, como a própria capa do álbum revela.

Em respeito ao sincretismo religioso, a música do Uganga celebra a diversidade em um momento em que religiões afro-brasileiras são atacadas. "A capa tem o feiticeiro (Uganga, na língua swahili) com pintura de guerra kayapó, usa colares do budismo e da umbanda e com uma luz saindo da testa, que faz referência a raja, ioga e hinduísmo. É uma fusão de simbolismos, sentimentos e energias. É uma arte que tenta vislumbrar um futuro que aspiramos. Seria uma utopia?", explica o vocalista.

Ao vivo as novas músicas funcionam bem, mais pesadas e mais sujas do que no álbum. "Lobotomia", por exemplo, é um libelo contundente contra a política manicomial que sempre foi aplicada no Brasil até poucos anos atrás e a combinação hipnótica das três guitarras conferem um clima atordoante à música.

"Sete Dedos" é uma canção emblemática ao narrar a história da morte de um matador de aluguel que atuava nos anos 40 no sul de Goiás e no Triângulo Mineiro. É a faixa que incorpora arranjos de música brasileira regional e um clima mais denso – imagine "Faroeste Caboclo", da Legião Urbana, em versão muitíssimo mais pesada e com uma história melhor e mais bem contada…

"Depois de Hoje", ao vivo, ganha uma versão mais curta e mais contida, embora não menos forte. No CD, é uma faixa experimental, com elementos eletrônicos, com parte da letra narrada em voz grave e em formato de rap/hip hop. É longa e reflexiva, quase como um épico.

"Servus", a faixa-título, no entanto, é a melhor do álbum, com sua contundência e  mensagem duríssima sobre os nossos dilemas sociais. É thrash metal, mas não é tão veloz, com suas partes repetitivas de guitarra criando um clima angustiante e sufocante enquanto Manu Henriques vocifera a letra.

E há também outra letra com especial conteúdo político-social. "Fim de Festa" é uma canção punk por excelência, rápida, incisiva, um soco no queixo de quem valoriza a sua vidinha medíocre diária enquanto o mundo passa ao largo clamando por atenção e atitude.

"Servus" é um álbum com muita atitude, furioso, que ataca direto no fígado para incomodar e chacoalhar. Muitos vão se surpreender com a mensagem pesada, carregada de simbolismo urbano, que vem de uma banda do interior do Brasil. No entanto, só vai surpreender quem não conhece o trabalho do Uganga, cujo novo CD certamente frequentará várias listas de melhores de 2019.

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

Sobre o Blog

O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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