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Roger Daltrey, 75 anos: o indomável e perfeccionista cantor do Who

Combate Rock

01/03/2019 13h34

Marcelo Moreira

Roger Daltrey (FOTO: DIVULGAÇÃO/MERCURY CONCERTOS)

Mick Jagger provavelmente não teve a intenção, mas acertou em cheio um rival quando escreveu o verso de "Street Fighting Man", uma poderosa canção de protesto: "O que pode fazer um garoto pobre a não ser cantar em uma banda de rock'n'roll?" (lembrando que Jagger era de classe média e de família estabilizada).

Não sei se o cantor Roger Daltrey se identificava com a canção, que interpretou no projeto British Rock Symphony, de 1999, mas ele a cantou com muito vigor.

Ao completar 75 anos de idade nesta sexta-feira, 1º de março, aquele que é indicado como o melhor cantor de rock por muita gente não cansa de relembrar, em entrevistas, que tinha tudo para virar um delinquente e passar um bom tempo na cadeia. O rock e The Who o salvaram.

Mesmo meio baixinho, Daltrey era atrevido e explosivo, ou "nervosinho", como diria o companheiro de Who Pete Townshend em sua autobiografia.

O cara era mesmo esquentado, mas o que ninguém fala, nem Townshend, é que o cantor nervosinho era perfeccionista e não admitia corpo mole, relaxo e mau-caratismo. Por isso vivia tretando com o baterista Keith Moon – não que este fosse mau caráter, mas era uma figura que adorava brincadeiras de mau gosto e não suportava o comportamento caxias e mandão do vocalista.

Não foram poucas as vezes em que Moon e Daltrey bateram boca nos bastidores e nos palcos. Daltrey cobrava responsabilidade – sabia que o Who era uma grande chance em sua vida sofrida -, mas Moon debochava e zoava.

O conflito entre os dois resultou na expulsão do cantor da banda em meados de 1965, pouco antes do lançamento do primeiro álbum. O motivo: um murro certeiro do fortinho Daltrey no queixo zombeteiro do displicente baterista.

O mal-estar durou duas semanas e Daltrey voltou – segundo alguns livros sobre o Who, mais por falta de boas alternativas do que por vontade dos outros três de perdoá-lo.

De família de classe média e operária do oeste de Londres, Daltrey era um garoto genioso e impulsivo, mas muito inteligente. Enretanto, odiava estudar e foi fisgado muito cedo pelo rock'n'roll de Elvis Presley e Jerry Lee Lewis.

Fora da escola, achou que poderia ser um guitarrista e líder de banda, e efetivamente o foi até que conheceu um moleque narigudo e mais novo que tocava guitarra bem melhor do que ele. Pete Townshend o convenceu a permitir a sua entrada nos Detours, fundada pelo vocalista.

Quando ficou claro, quando o baixista John Entwistle chegou, que o cantor era um instrumentista limitado, não  lhe restou alternativa a não ser se tornar aquele que viria ser o melhor cantor de rock. "Se não fosse isso, era a delinquência ou uma vaga melancólica em alguma indústria metalúrgica nos arredores de Londres", comentou em sua recente autobiografia. Pai aos 19 anos de idade, já vislumbrava um futuro entediante e sem brilho na periferia da capital inglesa.

De cantor voluntarioso no início do Who, Daltrey evoluiu para um bom crooner de banda de rhythm & blues durante a época dos mods na Inglaterra, entre 1964 e 1966.

Com o crescente predomínio de Townshend na banda, como principal compositor, coube ao cantor se tornar a imagem do grupo e liderar a transformação do Who de banda principal do movimento mod a um dos ícones ingleses do rock psicodélico, que desembocaria em um período que levou a banda a cair de cabeça no rock pesado a partir do final de 1968.

O cantor também seu ego subir às alturas com o estrelato e foi o principal responsável por deixar o Who sempre à beira do estresse, com sua eterna disputa com o guitarrista Townshend pela liderança de fato do grupo e suas inescapáveis rusgas com  o baterista Keith Moon.

Daltrey ate que tentou deixar o lado esquentadinho escondido, mas nunca conseguiu de fato. Chegou a discutir aos berros com Townshend durante uma entrevista coletiva em 1973.

No mesmo ano, durante um dos ensaios nas gravações do álbum "Quadrophenia", acertou um soco direto no nariz gigante do guitarrista quando se viu na iminência de ser agredido a golpes de guitarra.

Townshend apagou (bateu a cabeça na bateria de Moon) e só acordou no hospital. "Com um alvo daquele tamanho [o nariz de Townshend] seria impossível errar", brincou o cantor anos depois.

E tem sido assim ao longo de 57 anos de carreira e parceria com Townshend – muitas brigas, discussões e pazes sempre recheados de boas músicas.

Se Daltrey quase rompeu com o amigo quando da morte de Keith Moon em 1978 (em vez de um membro substituto, queria um baterista contratado por show e turnês) e quando da organização da turnê de 2010 do Who (exigiu, e conseguiu, que parte de sua banda solo se transformasse em banda de apoio da banda), também, foi solidário e muito amigo quando defendeu o guitarrista das críticas e ataques no momento em que partiu para a reabilitação.

"Ele [Townshend] precisa se tratar e tem de ir para a clínica. Se ele tiver de encarar outra tunrê, ele morre", declarou certa vez no começo de 1982 a uma emissora de rádio norte-americana. "Se para isso o Who tiver de parar, será assim."

E assim foi, para desgosto de Entwistle, o milionário perdulário que vivia no limite da bancarrota e que usava as turnês para pagar as dívidas. O Who acabou oficialmente em 20 de dezembro de 1982, no Canadá, e só voltaria aos palcos sete anos depois, para comemorar os 20 anos do lançamento da ópera-rock "Tommy".

Realizado como cantor de rock e artista solo – gravou nove álbuns solo, o mais recente no ano passado -, Daltrey, pai de seis filhos, dez netos e com bisnetos a caminho, também um ator bem-sucedido, algo que se tornou um hobby para um rock star maduro. De sua geração, é o mais talentoso nas telas, bem melhor do Mick Jagger, Huey Lewis, Dee Sinder (Twisted Sister) e Gene Simmons (Kiss), entre outros.

Antes de passar pelo Brasil, em 2017, com o Who, ele declarou à TV Globo que não pensava em aposentadoria, embora aquela fosse a última turnê da banda. "Ainda não, mas eu sei que está terminando. Não dá para fazer o que faço, na minha idade, por muito mais tempo. Será inevitável parar."

Inevitável sim, mas  não será tão cedo, pois o Who está gravado um novo álbum, que será lançado este ano, com uma consequente turnê norte-americana com no mínimo 30 datas.

 

 

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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