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Monkees: de fenômeno pré-fabricado da TV a uma banda influente e inovadora

Combate Rock

22/02/2019 06h43

Marcelo Moreira

Em janeiro o Combate Rock publicou a resenha do livro "Love Is Understanding", lançado em português pela editora Chiado Books. O autor, o jornalista e escritor brasileiro Sergio Farias, é especialista em rock dos anos 60 e um fanático pelos Monkees – teve o prazer de encontrar treês dos integrantes em uma convenção da banda nos Estados Unidos, em 2014. O livro é considerado a primeira biografia de Peter Tork, o baixista da banda. O Combate Rock conversou com Farias em dezembro passado, no lançamento da obra em São Paulo. Com a morte de Tork, aos 77 anos, nesta quinta-feira, decidimos republicar o texto sobre o livro.

 

De banda artifical, pré-fabricada, a um dos grupos mais influentes dos anos 60, não só na música, mas em vários campos do entretenimento. Assim os Monkees ressurgem nas páginas da primeira biografia decente do grupo publicada em português.

"Love Is Understanding – A Vida e a Época de Peter Tork e os Monkees", publicado pela Chiado Books, é um trabalho de fôlego do escritor carioca Sergio Farias, um apaixonado pelo rock dos anos 60 e pela música pop em geral.

Buscando alguma originalidade para uma obra que não pretende fazer grandes revelações, Farias preferiu focar o texto em Peter Tork, o baixista do grupo e que, na série de TV, fazia o papel do monkee bobinho e apatetado.

"A escolha, para mim, era óbvia: era o único integrante que ainda não tinha uma biografia, mesmo em inglês. Nas minhas pesquisas, a minha escolha se provou acertada, pois Tork tem a personalidade mais fascinante", diz o autor.

Farias quis contar uma história interessante de uma forma simples e rápida, reta, sem rebuscamento ou recursos estético-literários, como costumam fazer os biógrafos de rock ingleses, por exemplo.

É uma leitura fácil, mas que às vezes pode ser penosa por conta de alguns detalhes excessivamente destrinchados. No entanto, isso se mostra necessário em razão da fundamental contextualização histórica e também nas explicações de como funcionavam o mundo da TV amerciana dos anos 60 e os mecanismos do rock em Hollywood.

Se não há revelações inéditas, o livro é importante por retratar o personagem mais discreto e o que mais se deu mal ao final da banda – justamente por isso talvez tenha sido o que menos recebeu atenção da imprensa e dos escritores de rock.

Ao contrário do que todo mundo pensava, Peter Hansen Thorkelson, de ascendência norueguesa, era um intelectual, multi-instrumentista (tocava sete instrumentos), poliglota (além do inglês, falava francês, alemão, espanhol e era razoável em japonês).

Monkees em 1966: Peter Tork é o último à direita (FOTO: REPRODUÇÃO YOUTUBE)

Dos quatro integrantes, era o mais articulado e contestador, sendo o primeiro a "tretar" quando ficou claro que os produtores musicais e da TV não deixariam que os Monkees tocassem em seus próprios discos – eles só punham as vozes em músicas compostas por outras pessoas especialmente para a série de TV.

Um outro mérito da obra é mostrar, de forma detalhada e didática, a crueldade da máquina de criar e destruir celebridades instantaneamente, e do efeito que isso causava em jovens pobres ou remediados que ficavam ricos do dia para a noite – e que perdiam tudo em curto espaço de tempo assim que caíam no ostracismo.

Com evidente afeição e apreço pelo biografado, Sergio Farias, com apoio de farto material de pesquisa, não ameniza quando narra o período em que Tork desceu ao inferno, mas aproveita para ressaltar como Tork era o gente boa da banda, retratando o líder e guitarrista Michael "Mike" Nesmith como autoritário, centralizador, autossabotador e "traíra".

Já o baterista e cantor Micky Dolenz e o cantor Davy Jones emergem como artistas indiduvalistas e egocêntricos, com interesse muito mais no que a banda poderia proporcionar do que na própria carreira da banda. Peter, por sua vez, seria o intelectual e referencial musical dos Monkees, com sua vida despreocupada, generosa e totalmente hippie.

Os quatro se conheceram após serem selecionados entre quase 500 candidatos para um projeto de uma emissora de TV baseado no filme "A Hard Day's Night", dos Beatles, sucesso mundial.

Peter e Mike já eram músicos profissionais, enquanto Davy, inglês, era ator de teatro e musicais, assim como Micky, que tinha sido astro infantil de TV nos anos 50.

Os quatro seriam integrantes de um grupo de rock em busca do sucesso enquanto passavam por situações surreais e cômicas nos 58 episódios do seriado, que durou de 1966 a 1968. Em paralelo, manteriam uma carreira musical com shows e gravações de discos, mas tudo isso seguindo à risca as orientações dos empresários de TV e da carreira musical.

Surpreendendo a todos, os Monkees foram um sucesso instantâneo nos Estados Unidos e na Europa – e depois no mundo todo. Ficaram milionários rapidamente, mesmo ganhando muito menos do que deveriam. Chegaram a vender, no período do auge, mais discos do Beatles e Rolling Stones juntos.

Com a fama e o dinheiro, se tornaram por 18 meses os astros mais quentes de Hollywood e da Califórnia, ficando íntimos de gente como George Harrison (Beatles), Jimi Hendrix e muitos astros do rock, TV e cinema.

Querendo provar que não eram apenas rostinhos bonitos de TV que não sabiam tocar, logo quiseram a independência artística e começaram a brigar com os produtores do seriado e dos discos, entre eles o poderoso Don Kirshner, que arrumava as músicas e os compositores, bem como os músicos de estúdio, para tocar nos dois primeiros álbuns.

Exigiam não só tocar nos álbuns como gravar suas próprias composições, além de serem os músicos principais em seus shows – Dolenz não era músico, embora soubesse tocar um pouco de violão e guitarra, e aprendeu bateria a contragosto, na marra, para permanecer no seriado.

Monkees em 1967, em turnê promocional. Da esq. para a dir., Peter Tork, Davy Jones, Micjy Dolenz e Mike Nesmith (FOTO: DIVULGAÇÃO)

A rebeldia demonstrada logo no começo da série conrou o seu preço. Vendiam muito e geravam muitos milhões de dólares, mas conseguiram irritar todauma cadeia forte de empresários e patrocinadores.

Tudo isso culminou com a decisão da NBC e dos produtores da série de não realizar a terceira temporada, já de olho no que consideravam esgoramento do produto televisivo.

O fim do suporte da TV coincidiu com a lenta e gradual queda da inspiração musical. Os discos ficaram mais complexos, menos pop, com direcionamentos mais artísticos, o que espantou eventuais investidores e produtores musicais interessados em resgatar o grupo.

O longa-metragem "Head", que parecia ser a salvação e indicar novos caminhos, fracassou nos cinemas e contribuiu para acelerar o fim da banda.

Peter e Mike, as referências musicais, sempre se estranharam no estúdio, apesar da amizade inicial. As brigas ficaram constantes até que o baixista resolveu sair, anunciando sua partida em 30 de dezembro de 1968, fato aparentemente comemorado pelos outros três.

Como um trio, o grupo naufragou de vez, praticamente saindo do radar pop naquele ano importante de 1969. Irritado, Mike sai em novembro daquele ano. Mick e Davy tentam esticar os Monkees como uma dupla até 1971, quando ninguém mais se lembrava da banda.

As décadas seguintes ao fim da banda – é bom ressaltar que os quatro não eram e nem nnca foram amigos – mostram os quatro perdendo suas fortunas, mas fica claro que aquele que se deu pior foi Peter Tork, mergulhado em dívidas, alcoolismo, drogas e crises criativas.

"Love Is Understanding" é uma obra interessante porque mostra um outro lado da engrenagem da indústria de entretenimento do rock e da TV. Deixa muito claro o tamanho do moedor de carne que destrói carreiras e reputações e as consequências que causam nas vidas dos ex-astros – Tork virou garçom e músico de rua após falir, e ser abandonado por duas esposas, tambpem em razão do alcoolismo.

Também é importante por ser a melhor (única?) biografia dos Monkees em português, resgatando boas histórias a respeito de quatro músicos que integraram uma banda pré-fabricada e as consequências de se rebelarem contra o mundo artificial que tentaram lhes impor.

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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