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Apoiar a Venezuela é um feio escorregão de Roger Waters

Combate Rock

05/02/2019 06h23

Marcelo Moreira

Um dos momentos mais importantes do atual show de Roger Waters (FOTO: REPRODUÇÃO/YOUTUBE)

Roger Waters, ex-baixista do Pink Floyd, marcou vários golaços no ano passado em sua passagem turbulenta pelo Brasil. Suas posições políticas, geralmente de esquerda e de forte conteúdo social, causaram celebrações e também mal-estar durante a campanha eleitoral brasileira.

Antifascista e antiautoritário, é um notório defensor da liberdade de expressão e de opinião e não foge de um bom debate. Defende a causa palestina – povo oprimido há muito tempo pelo Estado de Israel –  e rejeita qualquer tipo de militarismo.

Diante de suas polêmicas posições políticas, parte dos apoiadores do músico ficou chocada com o anúncio de seu apoio ao presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, sucessor de Hugo Chávez, morto em 2011.

Sua decisão é coerente com seu pensamento esquerdista e sua defesa de governos dessa orientação, até porque ele se diz também anti-imperialista e é crítico ferrenho das políticas conservadoras do presidente Donald Trump, dos Estados Unidos.

A questão é que o músico foi pego no contrapé ao apoiar um regime que claramente tem viés autoritário, ainda que politicamente seja populista de esquerda, ou tenta ser.

Desde que Chávez chegou ao poder, em 2003, a Venezuela foi paulatinamente sendo aparelhada pelo governo militarista e popularesco-demagogo. Criou-se uma "doutrina", chamada de "chavismo", baseada em conceitos vagos de "justiça social, distribuição maior de renda e combate à corrupção e às elites de sempre".

Na prática, o regime venezuelano repetiu o roteiro que todos os governos autoritários implantam: sufocamento e asfixia da oposição e a imprensa com leis autoritárias feitas sob medida por com Congresso submisso, oportunista e amedrontado. Essas leis são chanceladas por Judiciário aparelhado e colocadas em prática por milícias e grupos paramilitares de apoio ao regime.

Com a perseguição a qualquer adversário, visto como inimigo, esse tipo de governo aproveita para correr e minar a democracia, fortalecendo sua posição com base em medidas de exceção, autoritárias, que incluem o aparelhamento do Estado e das empresa estatais lucrativas. O cenário pode ser aplicado à Venezuela, à Nicarágua, às Filipinas, à Hungria, à Turquia, à Rússia e algumas das ex-repúblicas soviéticas da Ásia.

Quando a tudo isso são adicionadas altas doses de corrupção e incompetência, além de eleições pouco transparentes e e com indícios fartos de fraudes, temos a destruição de uma nação e um êxodo populacional nunca visto no continente americano nos últimos 200 anos – as estimativas dão conta de que mais de 3 milhões de venezuelanos decidiram fugir da gravíssima crise econômica, espalhando-se por Colômbia, Peru, Equador, Chile, Brasil, México e Estados Unidos.

A crise venezuelana é um problemaço de difícil solução e altas doses de violência implícita. O governo Maduro abusa da intimidação policial, política e militar contra parte expressiva da população, contra jornalistas e contra qualquer um que proteste por qualquer coisa.

Por mais que uma intervenção militar estrangeira seja impensável e reprovável, é fato que o caos venezuelano, que se aprofunda a cada dia, principalmente na questão econômica, terá de envolver esforços multinacionais para que o país não caia em uma guerra civil – fato bastante plausível. Ainda assim, são os venezuelanos que precisam tomar as rédeas, pacificar e reconstruir o país.

O chavismo destruiu uma nação, com uma piora considerável sob a gestão Maduro.O aprofundamento da crise econômica e da miséria andou lado a lado com as medidas autoritárias e antidemocráticas.

Roger Waters certamente não ignora nada disso. Assim como no Brasil, no ano passado, ele sabe muito bem a realidade da Venezuela. Sempre foi uma pessoa muito bem informada.

Só que, convenientemente, aciona o seu modo "pragmatismo político" para ressaltar suas posições políticas de protesto, tão elogiáveis na maioria dos casos. Seu apoio a Maduro é um ponto fora da curva, um risco estratégico desnecessário – é uma autêntica e feia "pisada na bola".

Ele erra quando diz que a Venezuela é uma verdadeira democracia. Está bem longe disso. Fica bem difícil essa defesa, ainda que seja mera retórica, vinda de um artista importante que preza os direitos humanos, que rechaça qualquer tipo de medida antidemocrática e que valoriza ao extremo a liberdade de expressão.

A extrema polarização política na sociedade do país vizinho, aliado a interesses escusos e inconfessáveis de muita gente (principalmente do lado chavista) embaça a visão de analistas que pretendem encontrar algum ponto de equilíbrio que possibilite chegar a um consenso e tirar o país da lama.

No entanto, na melhor do que os relatos de quem vive o caos diário em um país destroçado economicamente e inviável politicamente para ver o que a Venezuela virou – ou melhor, no que o chavismo transformou o país.

Sugiro a leitura de duas longas reportagens da jornalista Paula Ramón, venezuelana que trabalha em  São Paulo como correspondente de agências internacionais. Seu relato de visitas recentes ao país para visitar a mãe é estarrecedor. O primeiro é "Notícias de Maracaibo", de março de 2018. O segundo tem o título "O Arroz Chegou", e é de novembro de 2018.

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

Sobre o Blog

O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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