Topo

Cinquenta anos atrás, o último 'show' dos Beatles

Combate Rock

30/01/2019 12h41

Marcelo Moreira

Show dos Beatles no telhado da Apple Studios, em Londres

Show dos Beatles no telhado da Apple Studios, em Londres (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Ninguém gostou muito da ideia, já que estava frio e daria muito trabalho. Mas os quatro integrantes da banda e o convidado exultante, Billy Preston, subiram decididos para o telhado: tocariam ao vivo como há muito não faziam.

E então aquele 30 de janeiro de 1969 entraria para a história como um dia caótico ali nas imediações dos escritórios da Apple a gravadora dos Beatles: o quarteto e o tecladista norte-americano Preston fariam o que hoje se chama de ensaio aberto no telhado do prédio. Seria a última vez que eles tocariam juntos, em público.

É claro que o caos tomou conta daquela parte do centro comercial de Londres. Assim que os primeiros acordes de "Get Back" e "Don't Le Me Down" soaram, poderosos e imponentes, ninguém mais trabalhou na vizinhança. As janelas dos prédios de encheram de curiosos, assim com as calçadas do entorno.

Todo mundo diz que foi um show. Não foi, na verdade. Não passou de um ensaio aberto, com a repetição de alguns números e até interrupções de takes por conta de erros normais para quem estava enferrujado e não encarava um palco havia três anos.

Desde então os quatro se enfurnavam em estúdio com o produtor George Martin e se dispunham a criar obras-primas, mas raramente se juntavam ali para tocar juntos, os quatro, cara a cara, como nos velhos tempos.

Para piorar, o grupo estava em franca dissolução, ou dissolvição, como brincou John Lennon mais tarde. Era o período em que o grupo tentava gravar o que seria o álbum/documentário em vídeo "Get Back", que seria abortado. Seria lançado mais de um ano depois, com o nome de "Let It Be", já com os Beatles separados e encerrados como banda.

Brigando muito, contrariados e desentrosados, com Paul McCartney irritando os companheiros porque tentava assumir a direção dos trabalhos e do grupo, alguém teve a ideia de aliviar a tensão tocando ao vivo no telhado, mesmo no inverno gelado do fim de janeiro. Até que deu certo – ou mais ou menos, de acordo com algumas fontes.

O que ocorreu esteve longe do brilhantismo da melhor banda de todos os tempos. Havia certa insegurança, os músicos, exceto McCartney, pareciam meio travados, ou pouco confortáveis, como no caso de Ringo Starr.

A ventania às vezes atrapalhava a captação de som. O show/ensaio aberto durou 42 minutos, com nove takes (execuções) de cinco canções – "Get Back", "Don't Let Me Down", "I've Got a Feeling", "One After 909" e "Dig a Pony".

A banda começava a esquentar e a curtir aquilo quando a Polícia Metropolitana interrompeu tudo alegando "perturbação da ordem" – não poderia ser diferente, afinal os Beatles tocavam em público pela primeira vez em três anos.

Até hoje nenhum biógrafo descobriu quem teve a ideia do "show", mas sabe-se que foi George Harrison o autor do convite para que o tecladista Billy Preston participasse de alguns ensaios para aliviar um pouco o clima pesado, segundo o livro "The Complete Beatles Chronicle", de Mark Lewisohn.

Já outro biógrafo da banda, Philip Norman, conta que, quando os Beatles começaram a tocar, houve comoção entre os espectadores que passavam pela rua, cinco andares abaixo, muitos dos quais em horário de almoço.

Quando a notícia se espalhou, uma multidão se formou nas ruas e nos telhados dos prédios próximos, e a polícia avaliou que o show estava causando problemas de barulho e trânsito.

A polícia teve que ameaçar os funcionários da Apple de prisão para serem admitidos dentro do prédio e a banda continuou tocando por vários minutos após a chegada dos policiais.

Paul improvisou a letra de "Get Back" para falar da situação: "Você está brincando no telhado de novo e sabe que sua mãe não gosta, ela vai mandar te prender!". Com a conclusão de "Get Back", o show terminou e John agradeceu: "Quero agradecer em nome do grupo e de nós todos e espero que tenhamos passado no teste".

Em alguns momentos houve fagulhas de uma verdadeira banda de rock, mas nem de longe daquela que todos consideravam a principal de todas. Depois um início travado e claudicante, os caras se soltaram, mas não foi nada grandioso, apesar dos sorrisos.

Ninguém sabe ao certo de o concerto do telhado ("The Rooftop Concert") amenizou o clima. O fato é que as filmagens do documentário e as gravações do álbum foram abandonadas logo em seguida.

O fim das apresentações ao vivo, decretado após o 29 de agosto de 1966, em San Francisco (Estados Unidos), deveria ser o ponto de mudança para uma vida mais tranquila e tempos mais serenos no estúdio, o que não ocorreu.

Depois do concerto do telhado, McCartney conseguiu reunir a banda com muito custo entre julho e agosto para gravar aquele que seria o penúltimo álbum da discografia – e o último de fato a ser gravado. "Abbey Road", excelente, mas com cara de epitáfio, foi lançado no final de setembro, quando secretamente a banda não mais existia – ou pelo menos não tinha mais John Lennon.

Dias antes do lançamento, em uma tensa reunião na Apple, quando o quarteto discutia se voltaria a fazer shows ao vivo e que tipo de material gravaria no futuro, Lennon soltou a bomba.

Quieto o tempo todo, com a onipresente Yoko Ono ao lado, começou a rir do nada e então avisou que estava cansado e "de saco cheio". Avisou que estava saindo do grupo e saiu da sala cantando, descendo as escadas dizendo "os Beatles não existem mais" (pelo menos três escritores especialistas na história da banda contam essa história, com alguns detalhes diferenciando-as).

Um mês depois tentou-se outra reunião para demover Lennon, mas este continuou irredutível, mas aceitou uma trégua até meados do ano seguinte. O motivo era a promoção dos novos lançamentos previstos – o tal filme e mais um álbum. Se a notícia da saída de Lennon – ou do fim da banda vazasse – poderia afetar negativamente as vendas.

Os Beatles ainda entrariam no estúdio uma última vez no comecinho de janeiro de 1970, mas sem Lennon. No dia 3, McCartney, Harrison e Ringo finalizaram duas canções de Harrison, uma delas "I Me Mine", que entraria no álbum seguinte, a colcha de retalhos "Let It Be".

No dia 10 de abril, rompendo o acordo do ano anterior, Paul McCartney lança o seu primeiro álbum solo, antes do lançamento de "Let It Be", e anuncia que não é mais integrante dos Beatles.

Irado, Lennon ainda tenta dar o troco e articula a continuidade da banda, ignorando que ele mesmo disse que estava fora meses antes. Não deu certo. Sem interesse na continuidade, Harrison e Ringo mantêm silêncio. O fim da banda é inevitável e praticamente anunciado no fim de abril de 1970.

 

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

Sobre o Blog

O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
Contato: contato@combaterock.com.br

Blog Combate Rock