Inimigos do conhecimento: a batalha contra o autoritarismo já começou
Marcelo Moreira
Nem foi preciso torcer contra para que as coisas começarem a dar errado. A incompetência e ignorância dos integrantes da família e do governo federal atual se encarregaram de embicar o bolsonarismo rumo à irrelevância, ainda que leve a nação junto.
Entretanto, o mal está feito e levará anos para que haja uma recuperação de tudo o que está sendo deliberadamente destruído em todas as áreas, direta ou indiretamente ligadas ao governo. A má influência malcheirosa pode ser detectada explicitamente nos governos de São Paulo e do Rio de Janeiro.
Para ficarmos na nossa área, que é cultura e entretenimento: na cidade maravilhosa (com minúsculas mesmo), enquanto o município esfarela, o crime organizado avança e cidadãos continuam morrendo ou sendo vítimas de tiroteios, o governo estadual recém-empossado fica preocupado com uma exposição artística que faz alusão aos horrores da ditadura militar.
Hospitais públicos estão à beira do fechamento, funcionários públicos não receberam os salários há muito atrasados, mas o governo estadual decidiu que a performance que deveria ocorrer na Casa Brasil-França deveria ser cancelada~, assim como o último dia da exposição – a explicação estapafúrdia do governador paspalho de que não houve comunicação prévia da performance é inaceitável. Houve censura do Estado.
Em São Paulo, o autoritarismo se manifesta com apenas 20 dias de governo. A administração tucana-fascistoide editou um decreto que em que "disciplina" as manifestações e protestos, onde o que impera são as restrições.
A que mais chama a atenção é aquela que proíbe pessoas mascaradas nos protestos. Na prática, o decreto, que considero, assim como diversos especialistas em direito, inconstitucional, abre o precedente para que qualquer manifestação seja considerada ilegal de antemão e dá o direito aos policiais de considerarem "suspeitos" e passíveis de detenção qualquer pessoa supostamente mascarada, ainda que use echarpes ou esteja se protegendo da brutalidade policial – gás lacrimogênio e bombas de efeito moral.
Uma coisa não dá para negar: essa gente autoritária está cumprindo exatamente o que tinha prometido. Qualquer indício de protesto de oposição aos neogovernos autoritários será reprimido, e de preferência com o amparo de leis, ainda que sejam inconstitucionais na visão de muitas pessoas.
É ingenuidade achar que o rock ficará imune a esse tipo de sanha autoritária dos novos governantes e seus apoiadores moralistas, conservadores e que adoram flertar com comportamentos fascistas.
Apesar de muita gente se surpreender com uma quantidade maior do que o esperado de roqueiros conservadores que não tiveram vergonha de apoiar Jair Bonsonaro e João Doria, ainda assim podemos dizer que é muito forte o viés contestatório entre os apreciadores do gênero no Brasil – fato que pode ser constatado também, entre fãs de outros gêneros, como MPB, rap e funk.
Para muita gente, rock ainda é contestação e oposição, mas acima de tudo antifascista, antiautoritarismo e anti qualquer tentativa de atentar contra os direitos humanos e a liberdade de expressão (coisas que são exatamente os principais alvos dos autoritários que estão no poder).
O governo federal e seus seguidores ultraconservadores nos Estados não escondem que têm o objetivo de controlar a mídia e a difusão de informações, incluindo aqui a censura à cultura, às artes e ao entretenimento. A censura à exposição no Rio de Janeiro é apenas o começo da perseguição político-cultural. Nem mesmo os governos do PT, partido que já flertou com tais ideias no passado, ousaram ir por esse caminho – um acerto e tanto.
O que é preocupante é o completo silêncio de parcela expressiva da comunidade artística a respeito do que nos espera. Exceto pelos artistas ativistas de sempre, é estarrecedor o silêncio no rock e no metal sobre as sombrias perspectivas do futuro.
Praticamente ninguém se levantou contra a iminente destruição das ações culturais do sistema S – principalmente dos Sesc – em razão do anunciado corte de verbas para tais atividades.
Não foram poucos os alertas contra os atentados aos conhecimento e à cultura que seriam perpetrados pelos novos governos. Eles não mentiram: prometeram o que iam fazer e estão começando a fazer.
Mais grave do que os atentados cometidos e o grito dos maus é o silêncio conivente (amedrontado? cômodo? preguiçoso?) dos homens bons, parafraseando o ativista político negro Martin Luther King.
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