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Keith Richards, 75 anos: uma guitarra rebelde a serviço da revolução

Combate Rock

17/12/2018 06h47

Marcelo Moreira

Já eram os anos 80 e um repórter meio gaiato perguntou a Keith Richards, guitarrista dos Rolling Stones, em uma cerimônia de premiação qualquer, que tipo de exemplo ele queria ser no futuro, para a molecada aspirante a rock star. A resposta foi bem humorada, mas em tom sério: "O pior possível!"

E ele levou a sério essa máxima ao longo de seus longevos 75 anos de idade, completados neste mês de dezembro.

Richards, inglês descendente de galeses, cultivou por muito a fama de durão, de pária e de rebelde, em uma calculada (ou não) contraposição ao amigo e rival Mick Jagger, companheiro de Stones outrora tido como uma ameaça à nação britânica, mas convertido a mauricinho milionário a partir do final dos anos 70.

Alçado à condição de imortal (em todos os sentidos), o guitarrista que é sinônimo de riffs e, por que não, uma personificação do próprio rock, esbanja vitalidade para quem já deveria ter morrido há muito tempo.

Sólido e ávido por tocar, venceu com certa facilidade outro imortal, Lemmy Kilminster, baixista e vocalista do Motorhead, morto em 2015, aos 70 anos.

Lemmy, ao lado de Ozzy Osbourne (Black Sabbath), era considerado forte concorrente nos excessos de tudo quanto é tipo e cuja resistência era notória. O metaleiro do Motorhead está morto e Ozzy foi forçado a encarar a sobriedade para ter o mesmo destino. E Richards? "As drogas de hoje são de péssima qualidade, não me interesso mais. Eu me contento com o uísque."

O menino tímido e franzino que era alvo de pancadas na escola se transformou no maior vilão do rock, aquele que sempre tinha fala de mau, aquele que certamente preocupava pais desesperados com o fato de suas filhas idolatrarem os Rolling Stones.

Você deixaria sua filha se casar com um stone? "Isso nunca fez qualquer diferença. Casaria com ela queira ou não o pai dela", caçoou certa vez a respeito da máxima criada pelo então empresário Andrew Loog-Oldham.

Keith Richards chega aos 75 anos sereno e mais calmo (a queda de um coqueiro, em 2006, o feriu com seriedade e surtiu "efeito"), mas o sarcasmo, o cinismo e mordacidade continuam intactos. E é claro que seus alvos prediletos continuam os mesmos – a monarquia inglesa e o amigo-desafeto Jagger.

Os dois se toleram atualmente e mantêm um relacionamento cordial que coloca a banda acima de tudo – afinal, são 56 anos tocando juntos. Tudo bem, a roda precisa girar e os ganhos efetivos compensam as alfinetadas mútuas e as pisadas imensas na bola – como Jagger decidir de última hora que não haveria turnê mundial dos Stones em 1986, ou as indiscrições reveladas por Richards sobre o companheiro na autobiografia, "Vida", em 2008.

O guitarrista ainda acredita que o rock é perigoso e que deva ser sempre perigoso, por mais que Jagger fique feliz em receber da rainha da Inglaterra a medalha infame de "Membro do Império Britânico".

Ok, o vovô Richards está muito milionário, está limpo das drogas e, de certa forma, está inserido no mesmo "sistema" que "cooptou" Jagger.

Mesmo assim não se dá por vencido e investe contra este establishment, que foi permanentemente denunciado pelo próprio.

"Eles sempre quiseram nos destruir, desde sempre, desde que surgimos, há mais de 50 anos. Serei sempre contra esse tipo de canalhice e não vou querer uma medalha qualquer desses caras, justamente desses caras que tentaram me prender em 1967, em 1972, em 1977 e todas as outras vezes", vociferou em "Vida", a sua autobiografia.

Não há como não admirar um roqueiro raiz que repete a mesma ladainha há 50 anos – e ainda assim é bacana de ouvir. Tá, ok, vem de novo a questão de ser um roqueiro dinossáurico zilhardário, mas qual outro músico rebelde e sem papas na língua continua atacando tudo e todos?

John Lennon e Lemmy não estão mais por aí; Roger Waters (ex-Pink Floyd) prefere investir contra o fascismo e Israel e Paul McCartney e Bono optaram pela "paz universal" e causas ambientais. Só sobrou Richards para chutar a canela da rainha – que sorte a nossa!

Costuma-se dizer que a música que ouvimos até hoje e que tanto amamos é fruto direto das guitarras de Chuck Berry, dos riffs de Little Richard, da sensualidade e carisma de Elvis Presley e do talento e genialidade de Muddy Waters, B.B. King e Willie Dixon.

Tudo isso tem lá a sua verdade, mas não fossem gênios como Richards, Eric Clapton, George Harrison, John Lennon, Jeff Beck, Jimmy Page, Pete Townshend, Ritchie Blackmore, Tonny Iommi e alguns outros atuando na "sintetização" do que os pioneiros criaram certamente estaríamos ouvindo outra coisa – ou não… E Keith Richards foi o pioneiro entre esses caras que sintetizaram o rock do início em algo palatável para guitarras mais pesadas e mais melódicas.

Rebeldia aos 75 anos com a conta bancária gorda e sem correr o menor risco? Há quem o critique por isso e por muito, muito mais. Eu fico com o rebelde que construiu uma maneira singular de tocar guitarra e compor riffs; fico com o cara que sempre teve prazer em chutar muitas canelas o tempo todo, inspirando milhões de moleques a ouvir a icônica "Street Fighting Man" no talo, a pegar uma guitarra e, ao menos, incomodar o vizinho conservador chato.

Esse é um dos legados que Keith Richards vai nos deixar. Lennon gritou "You Say You Want a Revolution?", em "Revolution". Richards, com sua guitarra, nos empurrou para a revolução ao som de "Street Fighting Man" e "Gimme Shelter". Devemos isso a ele.

 

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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