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The Who gravou Stones, que gravaram Beatles, que tocaram The Who...

Combate Rock

09/12/2018 06h43

Marcelo Moreira

Uma pequena ajudinha dos amigos. A famosa frase que intitula um dos grandes clássicos dos Beatles, "With a Littler Help From My Friends", cantada por Ringo Starr em 1967 no melhor de todos os álbuns, "Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band", sempre é usada de forma irônica por Keith Richards quando é perguntado sobre a música que deu o impulso à carreira dos Rolling Stones – "I Wanna Be Your Man", de John Lennon e Paul McCartney. Antes comentado de forma prazerosa, o assunto passou a azedar as entrevistas concedidas pelo guitarrista dos Rolling Stones e por Mick Jagger.

Por muito tempo, "I Wanna Be Your Man" foi considerada, de forma errônea, como a única gravação entre gigantes do rock, ou seja, de uma banda do tamanho dos Stones gravar algo de um artista do mesmo tamanho. De forma estranha, algumas gravações de músicas de gigantes feitas por gigantes foram escanteadas ou ignoradas ao longo dos anos, escondendo o que um dia foi uma camaradagem entre  grandes estrelas.

O segundo single dos Rolling Stones é o caso mais famoso, embora o quinteto não chegasse aos pés dos amigos de Liverpool quando gravaram "I Wanna Be Your Man", em 1963. Os quatro beatles já moravam em Londres naquele ano, que marcou 0 início da beatlemania, mas estavam bem antenados sobre possíveis concorrentes. Gostavam de checar in loco o poder das novas bandas que eles mesmo estavam "puxando", ao mostrar que a música jovem poderia fazer sucesso an Inglaterra.

Numa das visitas ao Marquee Club numa quarta-feira à noite, os Beatles foram ver o Stones e cumprimentá-los no camarim, ao final do show. A empatia foi imediata, e muito mais forte do que qualquer concorrência. Mick Jagger, Paul McCartney e John Lennon  logo ficaram bastante chegados, com Richards mantendo certa distância, e bebendo de vez em quando com George Harrison. A amizade entre os dois guitarristas rendeu a indicação dos Stones`, por parte de Harrison, à Decca Records, famosa por ter recusado os Beatles em 1962. Sem pestanejar, Dick Rowe, o responsável pela imensa "cagada", contratou o quinteto.

A capa do primeiro álbum

A capa do primeiro álbum dos Stones, de 1964: eles nunca consideraram incluir nele 'I Wanna Be Your Man', apesar da sugestão do empresário Andrew Loog-Oldham

O primeiro single dos Stones foi gravado e lançado em meados de 1963. "Come On" era uma versão fraquinha de um clássico de Chuck Berry e passou quase despercebido. Eles ainda não compunham e estavam em um beco sem saída no estúdio, olhando para o teto. Os amigos Lennon e McCartney tinham finalizado as gravações de algumas músicas do que viria ser o segundo álbum dos Beatles, "With the Beatles", nos estúdios Abbey Road, da EMI. No meio do caminho, lembraram que o Stones estavam em um estúdio acanhado no centro e foram até lá.

Percebendo a encrenca dos amigos, John e Paul disseram que tinham uma canção que poderiam cedê-la, mas que precisavam finalizá-la. Prometeram que o fariam dois dias depois. No entanto, meia hora depois que saíram para casa, a dupla dos Beatles voltou. "Esqueceram alguma coisa?", perguntou Jagger. "Terminamos a música no táxi. Podem gravá-la", disse John sorrindo. "I Wanna Be Your Man", com os Stones, foi o primeiro sucesso da banda, chegando ao 12º lugar nas paradas britânicas. Acabou sendo grava um mês depois pelos Beatles, com Ringo cantando, e entrou no lado B das "With the Beatles".

Já os Stones foram homenageados por outros amigos amigos, rendendo a eterna gratidão de Jagger e Richards. Os dois foram condenados à prisão em 29 de junho de 1967 no condado de Chichester por posse de drogas, em uma mal explicada batida policial induzida por jornalistas de um jornal sensacionalista de Londres.

Uma onda de indignação tomou conta dos fãs e até mesmo da mídia "séria", que nunca tinha dado muita atenção aos Rolling Stones. Após muita crítica, o caso foi encaminhado ao Supremo Tribunal britânico para novo julgamento. Houve ainda uma grande manifestação de apoio e simpatia de colegas músicos, e mesmo celebridades de várias áreas se posicionaram diante do que consideraram um excesso diante da quantidade mínima de substâncias ilegais encontradas.

Enquanto havia a perspectiva real de prisão prolongada para os dois Stones, a banda The Who, então os concorrentes mais ameaçadores desde o afastamento dos Beatles dos palcos, resolveu protestar de forma inusitada: gravando canções dos amigos, uma por mês, até que houvesse uma decisão favorável á dupla de roqueiros.

Embora concorrentes, Pete Townshend (guitarra) e John Entwistle (baixo) eram admiradores dos Rolling Stones e ficaram amigos de Jagger, Richards e Brian Jones (guitarrista dos Stones, morto em 1969) no começo de 1966, após um concerto das duas bandas em Londres. Enquanto o julgamento estava em andamento, The Who gravou versões  duas canções de Jagger e Richards, "The Last Time" e "Under My Thumb", que foram lançadas às pressas por sua própria editora com todos os lucros sendo doados para a caridade.

Townshend já era em 1967 um dos mais articulados e inteligentes artistas do rock aos 22 anos, muito ligado às artes plásticas, literatura e movimentos de vanguarda. Foi dele a ideia de publicar anúncios de página inteira nos dois jornais da tarde de Londres, o Standard e o News, com o seguinte texto: "Os integrantes do The Who acreditam que Mick Jagger e Keith Richards foram tratados como bodes expiatórios para o problema das drogas, e em sinal de protesto contra as graves sentenças impostas em Chichester, estão lançando hoje a primeira de uma série de músicas para manter o trabalho dos dois em alta perante o público até que eles estejam em liberdade e possam voltar a gravar."

Formação original do Who: da esq. para a dir., Roger Daltrey, Keith Moon, John Entwistle e Pete Townshend (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Formação original do Who, em foto de 1965: da esq. para a dir., Roger Daltrey, Keith Moon, John Entwistle e Pete Townshend (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Liberados pela corte suprema britânica, que atenuou as sentenças, os dois músicos dos Stones agradeceram publicamente o apoio generalizado que receberam e imediatamente gravaram às pressas e lançaram a música "We Love You", que irônica em relação aos seus algozes, ao mesmo tempo em que agradeciam a todos os amigos.

Nunca houve um agradecimento público ao Who pela iniciativa, mas sabe-se que Jagger em pelo menos duas ocasiões demonstrou sua gratidão pessoalmente aos quatro amigos daquela banda – o Who inclusive foi o convidado de honra, ao lado de John Lennon, do especial de TV "Rock'n'Roll Circus", dos Stones, gravado em dezembro de 1968, mas que nunca foi ao ar.

Para finalizar, o Who quase foi homenageado pelos Beatles em 1968. Durante as sessões de gravação do "White Album", os músicos de Liverpool fizeram diversas jam sessions, algumas com a participação de Brian Jones, dos Stones, e de Eric Clapton. Brincavam com várias músicas dos anos 50, dos ídolos Elvis Presley, Eddie Cochrane, Gene Vincent, Chuck Berry e muitos outros, e gostavam de tocar "A Quick One, While He's Away", uma mini-ópera de Pete Townshend grava no então mais recente álbum do Who, "A Quick One".

Lennon gostava da música, e chegou a sugerir gravá-la, junto com outros tantos "covers", para ser usada no futuro. Isso nunca ocorreu. Trechos dessas jam sessions e ensaios acabaram surgindo nos anos 70 em um bootleg (LP pirata) chamado "Black Album", cujas poucas cópias em vinil tornaram o produto um dos dez mais cobiçados da história. São gravações de ensaios realizados em 1968 e 1969, nas gravações do "White Album" e do que viria a ser "Let It Be". Trechos de  "A Quick One" podem ser ouvidos em duas passagens ao longo do LP pirata triplo.

 

 

 

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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