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'Rock Sem Partido' está goleando antes mesmo da chegada de Bolsonaro

Combate Rock

29/11/2018 07h00

Marcelo Moreira

(FOTO: REPRODUÇÃO/YOUTUBE)

Não fale, não ouça e não pense. O negócio é subir ao palco e cantar versões insípidas, inodoras e incolores de artistas medianos ou grandes hits – desde que não seja do Pink Floyd!

O movimento "Rock Sem Partido" ainda não existe, mas está em gestação, na trilha dos infames projetos de lei que envolvem a excrescência do "Escola Sem Partido".

Desde a passagem conturbada e extremamente necessária do baixista e vocalista Roger Waters (ex-Pink Floyd) pelo Brasil saíram do armário os roqueiros conservadores que não toleram ouvir algo que "fira as suas suscetibilidades".

Se antigamente tínhamos os punks de butique, que desconheciam o significado das letras e o histórico de suas bandas, agora temos o rock universitário e o roqueiro de shopping center, aquele que acha legal usar a camisa dos Ramones mas que não faz ideia que o grupo representou na história do rock.

O "Rock Sem Partido" é anterior à passagem de Waters pelo Brasil. Foram muitas as críticas que artistas de MPB e rock nacional receberam por subirem ao palanque de Lula e Dilma nas quatro eleições presidenciais vencidas pelo PT, quando ainda eram permitidos os showmícios.

De forma tímida, foram atacados pela suposta militância política e – pasmem! – pela defesa dos direitos humanos e da democracia.

As reclamações e ressentimentos contra a "politização" do rock nos palcos já podiam ser constatados na eleição municipal de 2016, quando uma das maiores excrescências da humanidade, o MBL (Movimento Brasil Livre), formado por gente desinformada e avessa à democracia, demonizava obras de arte e artistas que se posicionavam contra os retrocessos que estavam por vir e contra quem se opunha ao avanço antidemocrático.

Infelizmente, poucas pessoas se deram conta do tsunami de extrema direita que estava por vir. O "Rock Sem Partido" estava inserido neste contexto, embora ainda não tivéssemos ideia de que estava gestado.

"Por que o rock foi sequestrado pela esquerda? Desde quando o rock é de esquerda? Por que temos de aguentar esse discurso petista nos palcos dos artistas que ganham milhões com a Lei Rouanet?"

Não era difícil escutar isso após a eleição de 2016 vindo de muita gente ligada ao rock, ignorando que os governos municipais e estaduais centro-direita foram os que menos apoiaram iniciativas culturais alternativas desde aquele, principalmente após o impeachment da presidente Dilma Rousseff.

Ou seja, roqueiro conservador vota em políticos que pouco ou nada têm a dizer sobre cultura e entretenimento.

O Combate Rock analisou os programas de governo dos candidatos a prefeito de São Paulo e 2016 e infelizmente constatou o óbvio: exceto por Fernando Haddad (PT), candidato à reeleição, todos os outros desprezaram a cultura nos documentos.

O pior neste quesito, de longe, foi João Doria (PSDB), eleito no primeiro turno. Praticamente não havia menção a planos e projetos para a área.

Qual não foi a surpresa com a onda de extrema direita que impulsionou Jair Bolsonaro (PSL) à Presidência, em que militares fascistas e evangélicos medievais dão as cartas?

Não demorou muito e o futuro chefão da economia, Paulo Guedes, anunciou que fará mudanças profundas no Sistema S, aquele que reúne Sesc, Sesi, Senai e outras instituições.

Frases nos telões do show de Roger Waters, na terça-feira (FOTOS: REPRODUÇÃO/TWITTER E YOUTUBE)

Foi muito claro: só haverá dinheiro para atividades de formação profissional, que supostamente seria a "finalidade original" de todas as entidades.

A promessa é de extinguir as atividades de fomento cultural e de entretenimento que as entidades promoviam no teatro, nas artes plásticas, na música e na dança. Ou seja, o Sesc, que é o principal promotor da música no Brasil em tempos de crise, terá a sua parte cultural cancelada.

Nem os mais céticos e pessimistas imaginavam que o "Rock Sem Partido" chegaria com tudo e miraria o Sesc, por exemplo. E o que dizem os roqueiros conservadores que odeiam o PT e o "comunismo"? Aqueles mesmos revoltadinhos que ficaram indignados com a postura de Roger Waters no Brasil"

(Este parágrafo é dedicado ao silêncio dessa galera desinformada e equivocada, que tem vergonha de dizer que votou em Bolsonaro ou de que se arrependeu de ter votado nele.)

O "Rock Sem Partido" já está vindo na onda da "Escola Sem Partido". Se não haverá uma "chancela oficial" vinda "de cima" para coibir o "esquerdismo" – como fazer isso por meio de uma lei, ao contrário do que pode ocorrer nas escolas? -, certamente o patrulhamento aumentará por parte daqueles que ainda não se envergonharam de ter votado em Bolsonaro.

Na verdade, o efeito nefasto do "Rock Sem Partido" já pode ser sentido desde o fim da turnê de Roger Waters pela América do Sul, no fim de outubro.

Artistas internacionais têm recebido, por parte dos promotores nacionais de shows, "fortes recomendações" para que evitem manifestações políticas de qualquer tipo, o que soa como um insulto para a maioria deles, como apurou o Combate Rock com pessoas de bastidores destas empresas e também de equipes técnicas de apoio.

O sinal teria ficado "muito mais vermelho" depois de uma entrevista explosiva concedida pela guitarrista e vocalista Donita Sparks, do L7, ao portal brasileiro Wikimetal.

Líder de um nome importante do movimento grunge. Donita xingou Bolsonaro e falou sobre o retrocesso que sua eleição representa. O L7 faz shows no Brasil entre 1º e 6 de dezembro.

Como dizem os especialistas em ciência política, quando a autocensura vira o padrão de comportamento e as pessoas começam a ficar com medo de expor suas opiniões em público, nas redes sociais e mesmo nas camisetas, é sinal de que o fascismo e o autoritarismo venceram.

A postura dos roqueiros conservadores e dos promotores de shows implorando para artistas nacionais e internacionais para que não haja manifestação política no palco sinaliza claramente que, neste momento, o "Rock Sem Partido" está goleando.

 

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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