O futuro chegou rápido, e as baionetas estão nos mirando
Marcelo Moreira
A sucessão de atropelos e intimidações promovidos pelo presidente eleito do Brasil e sua trupe de patetas está antecipando todos os medos que a sociedade organizada e civilizada manifestou no período eleitoral.
No que diz respeito à cultura e ao entretenimento, a nossa área de atuação, a cada dia surgem más notícias, que vão desde o fim de ministérios – como o da Cultura e, pasmem, o do Trabalho – até a tentativa de passar, na marra, projetos de lei como o a hedionda e horrorosa "Escola Sem Partido", provavelmente a maior excrescência produzida por nossa sociedade doente.
Pelo menos não podemos reclamar de eufemismos ou mensagens cifradas: o discurso é claro, reto, explícito e perigoso.
As investidas policiais nas universidades no período eleitoral, com o inacreditável aval da Justiça, foram só os primeiros indícios da guerra que o governo Jair Bolsonaro pretende mover contra quem pensa diferente e fora da cartilha nojenta de sua corja, que mistura o que há de mais asqueroso na religião e do militarismo.
Homossexuais seguem sendo espancados nas universidades, assim como membros de minorias diversas. Vários programas de assistência a populações pobres e grupos marginalizados, como a comunidade LGBTT, estão sendo sistematicamente reduzidos ou simplesmente esvaziados, para que desapareçam por inanição nos próximos "orçamentos".
Mas o que mais preocupa é a famosa "adaptação aos novos tempos", como bem comentou um professor de história de São Bernardo do Campo (ABC Paulista), verbalizando semanas atrás o que estaria acontecendo no futuro.
E esse futuro chegou rápido. Se o ridículo projeto "Escola Sem Partido" teve a sua votação adiada na semana passada, o pragmatismo político-social está tratando de implantar a nova realidade na marra, seja nas escolas, seja nas universidades.
Pais e grupos políticos de extrema-direita – gente desinformada e deliberadamente retrógrada – estão pressionando os professores a evitar o que chamam de "doutrinação", como bem mostra reportagem da Folha de S. Paulo.
O texto escancara o horror do autoritarismo e do fascismo, com docentes ameaçados e intimidados, optando pela autocensura ou acatando d forma desanimadora os preceitos dessa porcaria defendida por gente burra.
A tal "adaptação aos novos tempos" nada mais é do que a capitulação à escalada autoritária contra as liberdades individuais.
Se durante a campanha eleitores tinham medo de usar cores vermelhas com medo de agressões das hordas bolsonaristas, agora o temor permanece, mas de forma ampliada – homossexuais não podem mais demonstrar afeto em público, professores não podem mais dar aulas livremente, negros correm o risco de sofrerem racismo e terem de ficar quietos e assim vai…
Quando medo se impõe e vence a razão, é sinal de que o fascismo está ganhando ou já ganhou. E isso afeta diretamente a cultura e o entretenimento, como o Combate Rock mostrou nas últimas semanas.
Foi o caso do músico até então simpático a Bolsonaro que foi agredido e expulso na avenida Paulista antes de um ato do candidato do PSL – teve seus equipamentos chutados por uma milícia de camisa preta com a cara do candidato, sendo chamado de vagabundo – "para aqueles caras, todo artista é vagabundo".
Também está sendo o caso de vários músicos e atores de teatro receosos de subir aos palcos e, mesmo sem nenhuma provocação, sofrerem algum tipo de violência e intimidação por qualquer suposto indício de "discurso político de esquerda".
"Estamos reduzindo drasticamente qualquer tipo de interação com o público para evitar constrangimentos ou acusação de provocação, seja em bares ou em apresentações em teatros. O mundo emburreceu rápido demais e isso coloca pessoas em perigo", diz um veterano e conhecido guitarrista de rock de São Paulo.
Por fim, na chamada "adaptação aos novos tempos", nada como a igualmente asquerosa campanha retrô que a emissora SBT está fazendo, resgatando o "Brasil: Ame-o ou Deixe-o", bordão nojento e de péssimas recordações do tempo mais bruto da ditadura militar, no começo dos anos 70.
Bajulação explícita ao novo governo (medo de perder verba publicitária?), a campanha expõe o que de pior pode ocorrer a um veículo de comunicação: jogar deliberadamente sua credibilidade na lata do lixo, em uma atitude de subserviência que cheira muito, muito mal.
O futuro chegou muito rápido e coloca uma baioneta em nossas têmporas. Quase não dá tempo de elaborar qualquer tipo de resistência.
Entretanto, o jogo apenas começou. Se querem guerra, terão guerra. E o poeta da Cracolândia foi perfeito, na semana passada quando disse em um ato: "Eles virão com balas, bombas e jatos de água; nós iremos para cima com coragem, flores, livros e guitarras. Nossas ideias são mais fortes."
Impossível não lembrar do músico ativista folk norte-americano Woody Guthrie e seu violão com a famosa inscrição: "Essa é uma máquina de matar fascistas".
Sobre os Autores
Sobre o Blog
Contato: contato@combaterock.com.br
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.