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Rock e política: combater o autoritarismo supera divergências ideológicas

Combate Rock

24/10/2018 06h54

Marcelo Moreira

Rock é oposição. Rock é atitude. Rock é rebeldia e contra o status quo. Seria possível acrescentar mais algumas palavras de ordem parecidas para tentar exemplificar as inúmeras tentativas de apropriação político-ideológica do gênero musical de acordo com as conveniências de época.

O macarthismo, o movimento encampado pelo senador republicano ultraconservador Joseph McCarthy nos anos 50 e 60 nos Estados Unidos contra o comunismo, considerava o rock extremamente subversivo e perigoso, e seus ideólogos não perdiam a chance de associá-lo à esquerda aos comunistas.

Já os esquerdistas latino-americanos nunca perdiam a chance de "excomungar" o rock e execrá-lo, tachando-o de instrumento de dominação cultural capitalista dos ianques.

Para os amantes de Che Guevara, Fidel Castro e Cuba comunista, o rock sempre foi de direita, ignorando que desde sempre era um gênero musical "operário", sendo a voz da molecada mais pobre e menos favorecida – ao menos nos seus primeiros anos, nos Estados Unidos, antes da total assimilação ao mercado.

E assim percorremos as mais de seis décadas de rock and roll e mais de oito do blues eletrificado urbano para nos deparar com as bizarras discussões entre roqueiros sobre comunismo, capitalismo, petismo e muitos outros ismos em tempos de extrema polarização política às vésperas das eleições gerais.

Nas redes sociais, os músicos e artistas mais engajados não se conformam com a existência de músicos e artistas de direita e sempre sacam de pronto o velho e batido argumento de quer rock é oposição e atitude contra o fascismo e contra políticos de direita.

Pena que esses mesmos engajados fingiram não entender que rock é oposição também quando partidos de esquerda ou "progressistas" estavam no poder, como o PT, recentemente, no governo federal e na cidade de São Paulo. Sendo assim, rock é oposição sempre, à direita ou à esquerda.

Reprodução da capa da edição brasileira do livro "liberdade de Expressão: Dez Princípios para Um Mundo Interligado", de Timothy Garton Ash

Considero essa discussão inútil e improdutiva. As preferências políticas individuais ou coletivas (no caso de bandas coesas politicamente) deveriam interferir positivamente nos trabalhos artísticos e em eventuais debates sobre políticas de cultura e entretenimento, independentemente do espectro ideológico.

Há muito tempo deixou de fazer sentido críticas pessoais às preferências políticas e partidárias individuais. Desde quando músico-roqueiro-metaleiro não pode ser de direita, conservador e cristão?

Por que a imagem de rebelde, engajado e até mesmo progressista tem sempre de estar obrigatoriamente associado à esquerda? Só por que a maioria dos artistas são identificados com posições esquerdistas? Ainda que seja, a maioria não é todo mundo (óbvio, né?).

Enquanto essa discussão superficial e rasa predominar em clima de arquibancada, deixamos passar a oportunidade de discutir o que realmente interessa e que pode impactar no ambiente cultural e do entretenimento: a verdadeira ameaça autoritária e fascista que paira sobre a nossa sociedade.

Em consequência disso, mais do que questionar as preferências político-ideológicas de músicos e fãs de rock, temos de alertar e combater a cegueira que atinge o meio artístico pára o fato de que, ao apoiar candidatos fascistas, autoritários e que desprezam a cultura, esse pessoal estará apoiando políticas que vão contra os seus próprios interesses.

Será que realmente essa gente do meio artístico que apoia candidatos boçais e medievais concorda com políticas que envolvem, entre outras coisas, redução drástica de investimentos em cultura e entretenimento e também a reinstalação de mecanismos de censura?

Então a questão é muito simples: é inadmissível e inaceitável que músicos e artistas apoiem gente que prega o autoritarismo, a censura, o preconceito e o desprezo completo às atividades culturais.

O problema não é o seu amigo músico que detesta o PT, tem ojeriza à esquerda ou ama de paixão políticos de partidos fisiológicos e identificados com o que existe de pior à direita ou ao "centro". A democracia pressupõe isso.

Primeiro disco da banda Blitz, que teve faixas 'riscadas' por ordem do Departamento de Censura do Ministério da Justiça em 1982. Você aceitaria esse tipo de coisa novamente?

O grande problema é esse seu amigo artista que defende candidatos autoritários que corroem a democracia, que disseminam o ódio, que desvalorizam a cultura e que se arroga no direito de determinar o que é bom ou não na cultura e no entretenimento, geralmente tendo por base teses de inspiração fascista e religiosa.

Como alguém pode apoiar e votar em gente que vai tomar medidas para restringir, atrapalhar, censurar e sabotar o próprio trabalho? Esse tipo de autossabotagem está em alta no meio artístico brasileiro, infelizmente.

Portanto, não se trata de discutir PT, PSOL, PSDB, MDB e outros partidos. Não se trata de discutir esquerda, centro ou direita.

Não se trata de brigar por causa de um ex-presidente preso em Curitiba ou sobre um suposto coronel cearense que diz que é de esquerda, ou sobre ex-governador de São Paulo leguminoso empacado nas pesquisas.

Trata-se de combater uma ameaça à democracia, à liberdade de expressão, de opinião e de imprensa. De combater o que representa, por exemplo, Jair Bolsonaro (PT), cujos apoiadores estão intensificando campanhas de intimidação contra jornalistas e ativistas sociais e de direitos humanos.

Como qualificar a ação de lixos humanos que agrediram uma ativista carioca na frente do prédio onde morava, armados com revólveres, ameaçando-a de morte? É esse tipo de gente que músicos e artistas que execram o PT e a esquerda apoiam? É nesse tipo de candidato que louva a violência, o preconceito e o ódio que vão votar?

Repito: é insanidade músicos e artistas, sejam quais forem suas preferências ideológicas e políticas, apoiarem gente que prega a disseminação do ódio, o preconceito e que é claramente contra os direitos humanos, direitos trabalhistas e liberdades artísticas, de expressão, de opinião e de imprensa – ou seja, gente sem apreço pela democracia e que é a favor da censura.

Capa de 'Born Again', do Black Sabbath, lançado em 1983 e que, milagrosamente, foi liberada pela censura brasileira naquele ano e no ano seguinte. Como seria a reação dos atuais fundamentalistas que apoiam o candidato medieval do PSL ao se deparar com este LP ou CD numa vitrine?

Essa postura de combate ao autoritarismo também serve para boa parte de uma gente covarde que se esconde atrás do conceito "politicamente correto" e dos que insistem na conversinha mole de que "devemos respeitar quem pensa diferente de nós". Esse pessoal também parece ser incapaz de entender o que está em jogo.

Não se trata apenas de banir ou eliminar das relações gente que diverge de nós. Até dá para tolerar algumas dessas divergências.

O que essa gente não entende é que não dá para tolerar a intolerância e a burrice, de gente que despreza a democracia.

E não dá para ser paciente e democrático com quem concorda ou apoia gente que defende ditadura, tortura, assassinato, extinção de direitos fundamentais e outras coisas.

Paulo Roberto Pires, na revista "Época", foi muito feliz ao tratar do assunto:

"Dizer não a Jair Bolsonaro e ao que ele representa nada tem a ver com declaração de voto. O que está em jogo não é esse ou aquele partido ou a suposta independência do intelectual adversativo — que se tem em altíssima conta —, mas a premência de combater uma candidatura que já questiona a lisura das eleições, dá protagonismo político a militares e cogita abertamente o autogolpe como solução para crises. O que oferece como programa de governo é, na prática, um pacote rombudo de autoritarismo, violência institucional, homofobia, racismo e golpismo explícito."

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

Sobre o Blog

O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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