Rock e política: combater o autoritarismo supera divergências ideológicas
Marcelo Moreira
Rock é oposição. Rock é atitude. Rock é rebeldia e contra o status quo. Seria possível acrescentar mais algumas palavras de ordem parecidas para tentar exemplificar as inúmeras tentativas de apropriação político-ideológica do gênero musical de acordo com as conveniências de época.
O macarthismo, o movimento encampado pelo senador republicano ultraconservador Joseph McCarthy nos anos 50 e 60 nos Estados Unidos contra o comunismo, considerava o rock extremamente subversivo e perigoso, e seus ideólogos não perdiam a chance de associá-lo à esquerda aos comunistas.
Já os esquerdistas latino-americanos nunca perdiam a chance de "excomungar" o rock e execrá-lo, tachando-o de instrumento de dominação cultural capitalista dos ianques.
Para os amantes de Che Guevara, Fidel Castro e Cuba comunista, o rock sempre foi de direita, ignorando que desde sempre era um gênero musical "operário", sendo a voz da molecada mais pobre e menos favorecida – ao menos nos seus primeiros anos, nos Estados Unidos, antes da total assimilação ao mercado.
E assim percorremos as mais de seis décadas de rock and roll e mais de oito do blues eletrificado urbano para nos deparar com as bizarras discussões entre roqueiros sobre comunismo, capitalismo, petismo e muitos outros ismos em tempos de extrema polarização política às vésperas das eleições gerais.
Nas redes sociais, os músicos e artistas mais engajados não se conformam com a existência de músicos e artistas de direita e sempre sacam de pronto o velho e batido argumento de quer rock é oposição e atitude contra o fascismo e contra políticos de direita.
Pena que esses mesmos engajados fingiram não entender que rock é oposição também quando partidos de esquerda ou "progressistas" estavam no poder, como o PT, recentemente, no governo federal e na cidade de São Paulo. Sendo assim, rock é oposição sempre, à direita ou à esquerda.
Considero essa discussão inútil e improdutiva. As preferências políticas individuais ou coletivas (no caso de bandas coesas politicamente) deveriam interferir positivamente nos trabalhos artísticos e em eventuais debates sobre políticas de cultura e entretenimento, independentemente do espectro ideológico.
Há muito tempo deixou de fazer sentido críticas pessoais às preferências políticas e partidárias individuais. Desde quando músico-roqueiro-metaleiro não pode ser de direita, conservador e cristão?
Por que a imagem de rebelde, engajado e até mesmo progressista tem sempre de estar obrigatoriamente associado à esquerda? Só por que a maioria dos artistas são identificados com posições esquerdistas? Ainda que seja, a maioria não é todo mundo (óbvio, né?).
Enquanto essa discussão superficial e rasa predominar em clima de arquibancada, deixamos passar a oportunidade de discutir o que realmente interessa e que pode impactar no ambiente cultural e do entretenimento: a verdadeira ameaça autoritária e fascista que paira sobre a nossa sociedade.
Em consequência disso, mais do que questionar as preferências político-ideológicas de músicos e fãs de rock, temos de alertar e combater a cegueira que atinge o meio artístico pára o fato de que, ao apoiar candidatos fascistas, autoritários e que desprezam a cultura, esse pessoal estará apoiando políticas que vão contra os seus próprios interesses.
Será que realmente essa gente do meio artístico que apoia candidatos boçais e medievais concorda com políticas que envolvem, entre outras coisas, redução drástica de investimentos em cultura e entretenimento e também a reinstalação de mecanismos de censura?
Então a questão é muito simples: é inadmissível e inaceitável que músicos e artistas apoiem gente que prega o autoritarismo, a censura, o preconceito e o desprezo completo às atividades culturais.
O problema não é o seu amigo músico que detesta o PT, tem ojeriza à esquerda ou ama de paixão políticos de partidos fisiológicos e identificados com o que existe de pior à direita ou ao "centro". A democracia pressupõe isso.
O grande problema é esse seu amigo artista que defende candidatos autoritários que corroem a democracia, que disseminam o ódio, que desvalorizam a cultura e que se arroga no direito de determinar o que é bom ou não na cultura e no entretenimento, geralmente tendo por base teses de inspiração fascista e religiosa.
Como alguém pode apoiar e votar em gente que vai tomar medidas para restringir, atrapalhar, censurar e sabotar o próprio trabalho? Esse tipo de autossabotagem está em alta no meio artístico brasileiro, infelizmente.
Portanto, não se trata de discutir PT, PSOL, PSDB, MDB e outros partidos. Não se trata de discutir esquerda, centro ou direita.
Não se trata de brigar por causa de um ex-presidente preso em Curitiba ou sobre um suposto coronel cearense que diz que é de esquerda, ou sobre ex-governador de São Paulo leguminoso empacado nas pesquisas.
Trata-se de combater uma ameaça à democracia, à liberdade de expressão, de opinião e de imprensa. De combater o que representa, por exemplo, Jair Bolsonaro (PT), cujos apoiadores estão intensificando campanhas de intimidação contra jornalistas e ativistas sociais e de direitos humanos.
Como qualificar a ação de lixos humanos que agrediram uma ativista carioca na frente do prédio onde morava, armados com revólveres, ameaçando-a de morte? É esse tipo de gente que músicos e artistas que execram o PT e a esquerda apoiam? É nesse tipo de candidato que louva a violência, o preconceito e o ódio que vão votar?
Repito: é insanidade músicos e artistas, sejam quais forem suas preferências ideológicas e políticas, apoiarem gente que prega a disseminação do ódio, o preconceito e que é claramente contra os direitos humanos, direitos trabalhistas e liberdades artísticas, de expressão, de opinião e de imprensa – ou seja, gente sem apreço pela democracia e que é a favor da censura.
Essa postura de combate ao autoritarismo também serve para boa parte de uma gente covarde que se esconde atrás do conceito "politicamente correto" e dos que insistem na conversinha mole de que "devemos respeitar quem pensa diferente de nós". Esse pessoal também parece ser incapaz de entender o que está em jogo.
Não se trata apenas de banir ou eliminar das relações gente que diverge de nós. Até dá para tolerar algumas dessas divergências.
O que essa gente não entende é que não dá para tolerar a intolerância e a burrice, de gente que despreza a democracia.
E não dá para ser paciente e democrático com quem concorda ou apoia gente que defende ditadura, tortura, assassinato, extinção de direitos fundamentais e outras coisas.
Paulo Roberto Pires, na revista "Época", foi muito feliz ao tratar do assunto:
"Dizer não a Jair Bolsonaro e ao que ele representa nada tem a ver com declaração de voto. O que está em jogo não é esse ou aquele partido ou a suposta independência do intelectual adversativo — que se tem em altíssima conta —, mas a premência de combater uma candidatura que já questiona a lisura das eleições, dá protagonismo político a militares e cogita abertamente o autogolpe como solução para crises. O que oferece como programa de governo é, na prática, um pacote rombudo de autoritarismo, violência institucional, homofobia, racismo e golpismo explícito."
Sobre os Autores
Sobre o Blog
Contato: contato@combaterock.com.br
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.