Por que a opinião política de artistas ainda incomoda tanto?
Marcelo Moreira
Letras de músicas do álbum "The Wall", do Pink Floyd, são tolices. Basicamente, é isso que escreveu na edição de 22 de outubro do jornal Folha de S. Paulo o intelectual de butique Luiz Fernando Pondé, filósofo que também se intitula escritor e ensaísta.
Em texto bem ruim, ele esgrime argumentos esquálidos para desqualificar artistas engajados politicamente (majoritariamente de esquerda).
Para ele, deve-se sempre desconfiar de artistas que se manifestam politicamente, pois tudo não passaria de marketing, já que todos ganham dinheiro em mercado "desleal, ultracompetitivo e violento".
Por fim, a sequência de bobagens termina qualificando o verso "We Don't Need No Education", da faixa "Another Brick in the Wall", do Pink Floyd, como coisa de adolescente bobo.
O ativismo artístico e cultural é algo que incomoda bastante certa "intelectualidade". O ranço de viés conservador exala falta de informação, falta de argumentos sólidos e mera birra – ou seria inveja?
Desconsideremos então a desinformação do citado articulista em relação ao conteúdo de "The Wall", algo flagrante no artigo.
Pondé não deve gostar de rock e, provavelmente, nunca se aprofundou o gênero musical e não se interessou em saber do que se trata a obra "The Wall", assim como não deve ter se interessado pela trajetória artística e política de Waters.
O que é aterrador é ver um suposto intelectual, ainda que incensado pelos apreciadores de platitudes de butique (como é o caso deste filósofo), espalhar um preconceito socioartístico e cheio de ranço cultural por conta de uma suposta realidade de mercado usada para desqualificá-los.
Para uma certa elite cultural-artística-intelectual, é um sacrilégio que cantores de rock e de rap ousem se manifestar sobre o assunto do qual deveriam manter distância, já que pregariam exatamente o oposto do que praticariam. Que seria tudo marketing, já que "alguns ganham milhões e não se importam com isso".
Para essa elite cultural-artística-intelectual, cantores deverem cantar, de preferência sobre amor, sofrência e o mar, e deixar a política de lado. Afinal, o que sabe Roger Waters sobre a realidade político-social brasileira?
Sério, meus caros, esse tal de Pondé não teve vergonha de usar esse argumento morto de inanição. O que será que Waters sabe sobre Oriente Médio, questão palestina e Israel para que fique 35 anos militando pela causa árabe?
Artistas ganham milhões pela qualidade de seu trabalho e pelo profissionalismo de suas equipes. Por isso são impedidos de se manifestar politicamente?
O que diria o suposto intelectual autor do artigo a respeito do posicionamento de Lobão? Ou de Regina Duarte? Ou de Roger Rocha Moreira (Ultraje a Rigor)?
Por curiosidade, qual seria a opinião de Pondé a respeito de John Lennon? Seu ativismo também não passaria de marketing? Será que diria o mesmo de Bono, vocalista do U2?
E todo o discurso social e de protesto dos Racionais MC's, do Pavilhão 9, de Emicida, de Criolo? É tudo fake, tudo marketing? Todo o passado pesado dessa galera deve ser ignorado e esquecido?
Condenar a participação de artistas no debate político é uma deliberada tentativa de restringir e direcionar qualquer discussão séria sobre o assunto. Se o raso argumento principal for levado a sério, então nem mesmo políticos podem falar de política, já que fariam marketing de si mesmos.
A recente passagem de Roger Waters pelo Brasil suscitou uma série de bobagens que expuseram a extrema indigência intelectual de uma parcela importante do público de rock, de alguns jornalistas e de vários intelectuais obtusos e míopes.
E tudo isso foi coroado pela declaração de um incompetente ministro da Cultura que afirmou que Waters recebeu "R$ 90 milhões em sua passagem pelo Brasil para fazer política e campanha disfarçada no palco. Isso é caixa 2", afirmou o inacreditável Sérgio Sá Leitão em entrevista ao jornal do Estado de S. Paulo. Quando foi que decidimos mergulhar no fundo do poço?
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