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Em nome do pai, Roger Waters espanca o autoritarismo e os antidemocratas

Combate Rock

10/10/2018 06h29

Marcelo Moreira

Telão do Allianz Parque no show de Roger Waters (FOTO: REPRODUÇÃO/TWITTER)

Fletcher soube que seria pai quando recebeu uma carta em um poeirento acampamento no deserto do Saara. Já iam longe as lembranças da última vez em que estivera com a mulher na Inglaterra, em sua última licença. A guerra estava a odo vapor e logo ele estaria em um dos batalhões que seriam cruciais para o sucesso da campanha.

Aos 30 anos de idade, era uma liderança importante dentro do exército inglês que se preparava para a invasão da Itália, em 1943, durante a II Guerra Mundial. E destacou-se como um bravo soldado durante as batalhas da conquista da ilha da Sicília, no sul italiano.

Por sua experiência e a confiança que tinha dos oficiais, foi um dos líderes de companhia na fracassada tentativa de abrir uma nova frente de batalha na praia de Anzio, em fevereiro de 1944, próximo da capital, Roma. Fletcher morreu na praia, durante o desembarque.

O desastre, que acabou sendo crucial para o avanço, acabou sendo muito bem retratado no filme "A Batalha de Anzio", de 1968. dirigido por Edward Dmytryk e Duilio Coletti, com estrelas do cinema norte-americano, como Robert Mitchum (1917-1997), Robert Ryan (1909-1973) e Peter Falk (1927-2011, que anos depois seria a estreça do seriado "Columbo").

Fletcher, nascido Eric Fletcher Waters em 1913, não conheceu o filho, George, que nasceu em setembro de 1943. Batizado de George Roger Waters, o menino cresceu assombrado pela falta do pai, e expôs seus dramas psicológicos no épico "The Wall", de 1979, obra gigantesca do Pink Floyd, grupo de rock do qual foi baixista e vocalista.

Fletcher ainda seria homenageado em duas músicas compostas pelo filho, "Fletcher's Memorial Home", do álbum "The Final Cut", dedicado a sua memória, e "When the Tigers Broke Free".

A sombra do pai morto por uma bomba nazista em uma praia italiana sempre pairou sobre o genial Roger Waters, que se inspirou nos soldados aliados da II Guerra Mundial para lutar contra a opressão, o totalitarismo, o autoritarismo e o fascismo durante os seus mais de 50 anos de carreira musical.

Seu ativismo de esquerda tornou-o uma figura odiada em governos como o norte-americano (seja republicano ou democrata), inglês, francês e israelense, entre outros. No entanto, assim como a conterrânea Vanessa Redgrave, uma das atrizes mais importantes de seu país, tornou-se um ícone político entre boa parte dos intelectuais europeus e do público em geral.

Waters tocou ontem (9) em São Paulo e toca hoje, de novo, no Allianz Parque. Como sempre, lotou o estádio, como vem fazendo há 30 anos em carreira solo. Desde que iniciou esta turnê, no ano passado, tem comprado briga com promotores e patrocinadores.

Por conta de pesadas críticas nos shows ao presidente Donald Trump, dos Estados Unidos, perdeu US$ 4 milhões em patrocínios.

Ele lamentou, mas seguiu em frente. Nem ligou para as vaias que recebeu nesta terça-feira quando, no telão do Allianz Parque, incluiu o nome de Jair Bolsonaro na lista de políticos mundiais fascistas, como Trump, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, e os primeiros-ministros da Hungria, Viktor Orban, e da Turquia, Recepp Erdogan, entre outros.

Dependendo da fonte, e da posição em que estava no estádio, Waters foi muito vaiado ou muito aplaudido. Jornalistas especializados em música, que raramente se aventuram na área política, garantem que ele foi mais aplaudido por criticar Bolsonaro.

Tal coisa se torna irrelevante diante da dificuldade de aferição sobre quem ganhou. O fato é que Roger Waters, com seu estrondoso show e sua bagagem histórico-musical fantástica, cravou pontos fantásticos na luta contra o autoritarismo e contra as ideias fascistas que rondam o Brasil neste segundo turno de eleição presidencial, onde Jair Bolsonaro (PSL) terá como adversário Fernando Haddad (PT).

Waters tem coragem, tem estofo e tem credibilidade. É mais uma voz que se junta ao perigo antidemocrático representado por Bolsonaro e suas ideias medievais.

Os 43 milhões de votos que obteve no primeiro turno mostram que o país realmente corre perigo de retrocesso em todos os sentidos e todos níveis.

É sempre reconfortante saber que gente importante do rock, como o gigante Roger Waters, está atento ao que se passa nestes tristes trópicos, e não se omite diante das ameaças sérias à democracia que a candidatura do extremista representa.

E como foi o show? Eu e nossos colaboradores faremos um resumo da passagem do músico inglês pelo Brasil ainda nesta semana. Mas o que importa, de verdade, é que Roger Waters ganhou a maioria dos corações, especialmente daqueles que lutam por um futuro democrático e que execram qualquer possibilidade de um governo autoritário, antidemocrático e fascista no Brasil. Esbanjou conteúdo em uma área em que os bolso-qualquer-porcaria revelam total indigência cultural e intelectual.

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

Sobre o Blog

O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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