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Backstage: uma instituição do rádio nacional completa 30 anos

Combate Rock

08/10/2018 07h03

Marcelo Moreira

Eram dias de luta, eram dias de resistência (parafraseando as frases de músicas do Ira!) e de muito, muito aprendizado. Quem gostava de rock tinha poucas opções no rádio brasileiro no começo dos anos 80, que tinha de ouvir a rádio Excelsior AM ou torcer para que as incipientes rádios FM pop de São Paulo e Rio de Janeiro ousassem tocar rock nacional também incipiente ou algo de Beatles ou Rolling Stones.

Quando o mercado descobriu que rock era importante, vendável e muito ouvido, em consonância com a "descoberta" do rock nacional dos anos 80, apareceram a Fluminense, no Rio, e a Pool FM (que depois se transformou na 89 FM em São Paulo entre 1984 e 1985), importantes na consolidação do gênero na mídia após o Rock in Rio I, de 1985.

Mas ainda não era suficiente. Era duro ter de escutar uma música boa entre dez ruins em emissoras comerciais da época, como a Rádio Cidade, Metropolitana, Transamérica e outras. A salvação surgiu em Santo André, no ABC, no célebre prédio redondo da avenida Gilda, bem perto do centro da cidade da divisa com São Bernardo.

A FM 97 foi um projeto visionário de um filho de empresário e transformou o modo de escutar música e rock na Grande São Paulo.

Durou apenas sete anos, de 1987 a 1994, antes de virar uma emissora dedicada à música eletrônica e transferir seus estúdios para a avenida Doutor Arnaldo, em São Paulo. No entanto, deixou um legado extraordinário: o programa Backstage, o mais antigo de rock em atividade nas rádios comerciais brasileiras.

Foi numa noite fria de 1988 que rádio abriu os microfones para um baterista que tinha dificuldades para emplacar suas bandas – uma de versão de músicas dos Beatles e outra do Black Sabbath – e que tinha de pagar as contas trabalhando como gerente de uma empresa de transportes.

O cara estava nervoso, mas deu o seu recado. Um mês depois, o Backstage era o programa mais importante da rádio e seu apresentador, o imenso Vitão Bonesso, era alçado a "celebridade" no cenário musical brasileiro.

São 30 anos no dial das FMs. A marca cresceu e se expandiu, com o programa, hoje exibido aos domingos, das 22h às meia-noite na Kiss FM, também emprestando seu nome a uma web rádio que toca metal e classic rocm 24 horas por dia (http://www.radiobackstage.com/).

"Trinta anos e 1.603 programas. É quase inacreditável que atingi essa marca e com um reconhecimento extraordinário do meu trabalho, a ponto de ser exatamente o que é,  meu trabalho", disse Bonesso ao Combate Rock.

Quando do aniversário de dez anos do programa, ele editou um livro contando os bastidores do Backstage e um pouco de sua vida de músico e radialista. Ali, de brincadeira, ele cunhou uma frase que não era muito original, mas que era a sua cara: o Backstage era o seu modo de vida.

Bem relacionado: Vitão Bonesso (dir.) com Tony Iommi, guitarrista do Black Sabbath, em algum lugar da Inglaterra (FOTO: ARQUIVO PESSOAL/FACEBOOK)

A "brincadeira" virou referência cultural, roqueira e radiofônica. Com adaptações ao longo do tempo – o programa já chegou a três exaustivas horas de duração -, o Backstage quebrou o paradigma de que sisudez e circunspecção eram necessárias para se fazer jornalismo cultural.

Com acesso privilegiado a artistas, empresários e produtores, estabeleceu um padrão diferente de entrevistas ao vivo e gravadas. Abusava da intimidade e da descontração, misturava o lado fã com o lado profissional e, muitas vezes, travava conversas que só iniciados entendiam.

Nem sempre ficava bom, e não era original, mas foi profundamente necessário que assim ocorresse. A informalidade, a descontração e domínio grande do assunto deram a credibilidade necessária para que o programa se estabelece como imperdível no dial paulistano.

Com suas duas horas semanais, o Backstage refinou uma fórmula que se espalhou nos programas que apareceram (e sumiram) por todo o Brasil e que foi copiado pelas web rádios: uma mistura equilibrada de novidades do mundo do heavy metal e do classic rock, entrevistas com artistas nacionais e internacionais, homenagens e uma seção só com músicas de grandes artistas do passado.

"Mais do que prestígio, que ainda bem que tenho, tenho orgulho da credibilidade que o Backstage adquiriu. A competência é importante, mas a credibilidade é o principal pilar de sustentação dos 30 anos de carreira e de marca consolidada", afirma o radialista.

Respeito, prestígio e credibilidade que de vez em quando são postos à prova e derrubam queixos de incrédulos. Quem mais poderia chamar Glen Danzig de cuzão no estúdio, durante um intervalo de uma entrevista escrota que o cantor norte-americana concedia, e praticamente expulsá-lo da emissora?

Ou então o que dizer de um brasileiro cabeludo e corpulento que foi reconhecido imediatamente por Tony Iommi, guitarrista do Black Sabbath, em um pub escocês?

E que dizer do pedido inusitado do mesmo Iommi, um ano depois, durante um papo com Bonesso no lobby de um hotel em Manchester, na Inglaterra, onde ambos estavam hospedados, ao radialista? "Você vai ver o show de Glenn Hughes amanhã em Bradford? me faz um favor? Peça para ele me ligar, ele tem meu telefone, quero falar com ele."

O recado foi dado no dia seguinte – Hughes ficou muito amigo de Bonesso quando visitou São Paulo pela primeira vez no primeiro semestre de 1994. Desde a turnê do álbum "Seventh Star", de 1986, quando o vocalista e baixista foi demitido após seis shows, os dois não se falavam.

Qual não foi a surpresa, no final de 1996, que Bonesso recebe um e-mail de Hughes informando que naquele dia ele e Iommi tinham finalizado o álbum conhecido como "DEP Sessions" (que só seria lançado dez anos depois por conta da volta do Black Sabbath original em 1997″.

Bem relacionado 2: agora Vitão está ao lado de Vinny Appice (esq.), ex-baterista do Black Sabbath e da banda Dio (FOTO: ARQUIVO PESSOAL/FACEBOOK)

"É muita pretensão minha achar que tem dedo meu no reatamento da amizade dos dois – que são muito amigos até hoje -, mas é muita coincidência, né?", grita Vitão, soltando uma enorme gargalhada.

Provavelmente o mais longevo programa de rock em atividade no dial brasileiro de AM e FM, o Backstage se tornou uma instituição do rock nacional, coisa é reconhecida inclusive por desafetos.

Para marcar os 30 anos do programa, será realizado um minifestival com quatro bandas em São Paulo no dia 15 de dezembro, no Carioca Club, em São Paulo. A celebração terá as presenças de Korzus (que completa 35 ano de carreira em 2018), Torture Squad, Nervosa e Carro Bomba.

Além do show, o radialista promete acelerar a produção do livro que prepara para celebrar as três décadas de programa. "Será uma espécie de autobiografia, resgatando algumas coisas do primeiro livro. Acho importante contextualizar a questão de como era ouvir rock nos anos 70 e 80 no Brasil, de como era difícil ser músico ser informação e instrumentos de qualidade."

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

Sobre o Blog

O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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