Mano Sinistra: os cinco anos da obra pesada mais cult de São Paulo
Marcelo Moreira
O meu fracasso preferido. Foi assim, na brincadeira, que o músico paulistano Ricardo Vignini celebrou o quinto aniversário de um dos lançamentos mais instigantes no rock nacional dos últimos tempos.
O trio de rock pesado Mano Sinistra – Vignini na viola caipira (????), Marco Lucke no baixo e vocais e Paulão Thomaz (Baranga, ex-Centúrias e Kamboja) – lançou seu único álbum, autointitulado, em 2013. O seu diferencial era fazer som heavy com uma viola caipira, aquela de dez cordas, com uma distorção absurda. Ficou legal e muito diferente.
Só que ninguém entendeu a proposta, de acordo com o violeiro, um dos mestres do instrumento no país na atualidade. "Lançamos o disco e só fizemos três shows. Não sei se a culpa foi nossa, o público teve dificuldade de compreender o projeto e a sonoridade."
Um ano depois do lançamento do CD e do consequente congelamento do projeto, Paulão Thomaz comentou em rápida entrevista ao Combate Rock, antes de subir ao palco em uma das edições do Rock na Praça, no centro de São Paulo, a falta de compreensão.
"Claro que quisemos ser diferentes, acho que encontramos um som que ninguém tinha feito antes, e as letras eram certeiras, apesar de tipicamente paulistanas. Será que estávamos muito à frente do nosso tempo", arrematou o baterista com um sorriso melancólico.
O Mano Sinistra fazia rock pesado com viola caipira. Estranho, mas muito bom. Porém, algo bem natural para um mestre da viola que toca modinhas, blues, classic rock e heavy metal.
De início, quando do lançamento do CD, o resultado musical e a receptividade da iniciativa surpreenderam os músicos. "A viola com som distorcido e pesado é bem interessante, permite tirar sons diversificados e diferentes. O que era uma zoeira acabou se tornando um projeto muito interessante. Foi o álbum mais pesado que já fiz", disse Vignini à época ao Combate Rock.
"Mano Sinistra", nome do álbum e que também nomeia a banda, tem a cara de um rock urbano e sem concessões, com letras irônicas e bem sacadas, de cunho de protesto e social, mas sem o ranço costumeiro das bandas chamadas "engajadas". Paulão Thomaz é nome lendário do rock pesado paulistano, tendo feito parte de dezenas de formações ao longo de 35 anos, entre elas o Centúrias.
"O Paulão é uma figuraça, somos amigos há muito tempo e o conceito que adotamos tem tudo a ver com a visão de mundo dele e com a minha. Há um certo cinismo nas músicas, mas é rock do começo ao fim. Fazia tempo que eu não me envolvia em um projeto roqueiro com pegada firme. Adorei cada segundo", afirma o violeiro.
Para quem se acostumou a ver Vignini se dedicar a intrincadas melodias e arranjos, com muita virtuose, no Moda de Rock, vai se surpreender ao escutar o projeto Mano Sinistra.
"Suporte para Óculos" e "Balada para Zé Jesus" são duas pancadas que abrem o CD. Pesadas, climáticas e com distorção que garante o peso da viola guitarra, são o melhor cartão de visita da banda.
"A Mulher Humaniza o Homem" e "Resumindo" exacerbam as letras irônicas e as boas sacadas. Trazem ainda, assim como "Suporte para Óculos", inspirados solos de Vignini, que mostra habilidade e versatilidade em um instrumento que soa como uma guitarra setentista, na melhor tradição do hard rock inglês.
"Além de ser a música mais pesada que já fiz, é também a mais paulistana", analisa Vignini. "Tudo se encaixa na metrópole maluca e insana que vivemos. E o curioso é que sete das letras são de um poeta mineiro de Patos de Minas, que é o Paulo Nunes. Elas têm temática ácida e urbana, ao contrário do 'Matuto Moderno'. Muitas foram compostas durante as manifestações de junho no Brasil. Estávamos gravando, ensaiando e compondo na época e é claro que aquele momento nos impregnou.""
Os dois instrumentos foram construídos por luthiers brasileiros (Márcio Benedetti e o João Scremin) e são tocados com amplificadores valvulados no volume máximo, o que explica a reverberação diferente, assim como timbre específico e inusitado até.
Envolvido com muitos projetos ao mesmo tempo, o Mano Sinistra, por enquanto, não está mais no radar dos três músicos, o que é uma pena, já que é um trabalho ousado e divertido, além de ter muita qualidade.
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