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'…And Justice For All', o álbum mais complexo do Metallica, faz 30 anos

Combate Rock

16/09/2018 07h00

Flavio Leonel – do site Roque Reverso

O ano de 2018 marca o aniversário de 30 anos do clássico álbum "…And Justice For All", o quarto do Metallica. O disco foi lançado oficialmente no segundo semestre de 1988 e marcou o retorno da banda ao lançamento de um LP completo de estúdio após o sucesso estrondoso do álbum "Master of Puppets" e a traumática e trágica morte do grande baixista Cliff Burton, ambos ocorridos em 1986.

Musicalmente, "…And Justice For All" é o disco mais complexo e elaborado do Metallica. Com canções longas, variações de andamento, viradas repentinas e inesperadas de ritmo, riffs diversos e distintos dentro de uma mesma faixa e uma performance fenomenal dos músicos, o álbum é componente obrigatório para qualquer fã do Metallica, de thrash metal ouque simplesmente admira a boa música.

Comercialmente, "…And Justice For All" ajudou o Metallica a romper definitivamente a barreira entre o heavy metal e o mainstream, fato que seria completamente consolidado anos depois com o sucessor "Metallica", de 1991, mais conhecido como "Black Album".

Entre as letras, o disco traz a banda em seu período mais politizado e antenado com os temas que moviam o mundo no final do Anos 80 do século passado. Meio ambiente, guerra, vícios do sistema político e judiciário, comportamento do ser humano, frustrações interiores e até a loucura; tudo passou pelos versos das músicas do disco e mostrou uma banda mais madura que nos trabalhos anteriores.

Mesmo com apenas 9 músicas, foi o primeiro disco duplo do Metallica. Para drama dos fãs brasileiros que, na época, gravavam em K-7, os 65 minutos e 33 segundos não cabiam nas fitas de 60 minutos, tão usadas no clássico walkman, que era verdadeira mania entre os jovens. Com isso, a última faixa, "Dyers Eve", terminava no K-7 logo após a introdução. A solução era recorrer às (raras e caras) fitas de 90 minutos disponíveis ou gravar a faixa em separado. Coisas dos Anos 80, que os fãs antigos devem lembrar bem.

Polêmicas

As polêmicas sobre o "…And Justice For All" já começam na própria data oficial de lançamento. Segundo os registros da Associação da Indústria de Gravação da América (RIAA, na sigla em inglês, para Recording Industry Association of America), o álbum foi lançado no dia 25 de agosto de 1988.

O site do Metallica, por sua vez, traz atualmente o dia 6 de setembro como data de lançamento, mas o próprio grupo, na sua página oficial do Facebook, chegou a comemorar os 25 anos de aniversário do AJFA no dia 25 de agosto de 2013.

Outra polêmica histórica diz respeito à gravação e mixagem do disco, já que o baixo do então novo componente, Jason Newsted, é praticamente inaudível no álbum.

Depoimentos do próprio produtor do disco, Flemming Rasmussen, mostram que os líderes do Metallica, James Hetfield (vocal e guitarra) e Lars Ulrich (bateria) decidiram reduzir o volume do baixo.

Nunca houve uma explicação oficial da banda, mas o próprio Rasmussen destacou em entrevistas que a performance de Newsted foi elogiável em todas as músicas.

Para alguns, Hetfield, Ulrich e o guitarrista Kirk Hammett tiveram uma recaída em relação à perda do eterno amigo Cliff Burton e simplesmente não quiseram deixar o som do baixo logo no primeiro disco oficial sem Burton.

Para outros, foi pura sacanagem com Newsted – anos depois, biografias da banda (confirmadas por Jason) revelaram que ele era vítima de bullying por parte dos integrantes.

Uma terceira corrente alega que o baixo no disco não se encaixava na proposta do Metallica para o AJFA, com os riffs espetaculares de James e Kirk e a bateria estrondosa e monumental de Lars.

Mais uma polêmica restrita à mixagem diz respeito ao som do formato LP da época. Nos CDs, isso foi minimizado anos depois, mas quem colocava o vinil para tocar nos saudosos aparelhos "3 em 1" da época, escutava uma reverberação de graves muito acima do normal em alguns trechos de música. No começo, isso chegou a incomodar, mas, com o tempo, os fãs se acostumaram.

Sem Cliff

Chega a surpreender a quase ausência do baixo de Jason Newsted em "…And Justice For All", já que o Metallica já havia tido uma experiência extremamente positiva anos antes já com o novo baixista.

Após a morte de Cliff Burton, em 1986, Jason entrou pouco tempo depois no grupo, enfrentou turnês e gravou com a banda o ótimo e essencial EP "The $5.98 E.P.: Garage Days Re-Revisited", que trazia covers feitas pelo Metallica de conjuntos musicais que influenciaram o grupo, como Diamond Head, Holocaust, Killing Joke, Budgie e Misfits).

Em faixas específicas, como "The Small Hours", do Holocaust, e "Crash Course in Brain Surgery", do Budgie, Jason aparece com uma técnica de deixar qualquer um de boca aberta, mostrando que, se não podia contar com o insubstituível Cliff, havia ali um baixista com categoria, vindo do grupo Flotsam & Jetsam e que, acima de tudo, era um imenso fã do Metallica.

Quanto a James, Lars e Kirk, a vida do Metallica sem Cliff obviamente seria um grande desafio para os músicos. Mas, ao mesmo tempo, este desafio era claramente um combustível para provar a todo o mundo da música que o grupo estava vivo e seria capaz de manter sua posição de uma das bandas mais influentes da história do heavy metal e precursora do thrash.

O álbum

"…And Justice For All" começa de maneira avassaladora e emocionante para qualquer fã de Metallica. A faixa que abre o disco é ""Blackened", que traz uma letra com alerta à destruição do planeta Terra pelo homem. A introdução é um caso à parte, já que o Metallica captou vários sons agudos de guitarra e rodou de maneira invertida, criando um efeito sonoro espetacular. Na sequência, um riff matador é executado à velocidade da luz, gerando uma reação inevitável de bate-cabeça no mais frio dos fãs.

A faixa que dá nome ao álbum é a segunda da lista. Mais uma vez, a introdução é um caso à parte – como em todas músicas do disco.

Com belos acordes de violão e lembrando um pouco as ideias de introdução de "Fight Fire With Fire", no álbum "Ride the Lightning", e de "Battery", em "Master of Puppets", "…And Justice For All" é uma verdadeira aula musical do Metallica e simboliza demais o disco, sendo que, na letra, bem politizada, critica o sistema.

James, Lars e Kirk estão num entrosamento incrível nesta época. Os dois primeiros com riffs matadores, bases marcantes e solos de Hammett bem criativos.

Lars Ulrich, por sua vez, está, talvez, no seu melhor momento em toda a história do Metallica. Suas viradas de bateria, quebradas e inversões são marcantes e contagiantes, tudo amparado por um pedal duplo de bateria usado sem moderação, para deleite dos fãs do bom e velho thrash metal.

"Eye of the Beholder" é a terceira e, talvez, mais injustiçada faixa do disco. Com uma introdução que vem num crescente e uma batida cadenciada, com mais um show à parte de Lars, a canção é uma das mais técnicas e completas do Metallica.

A quarta faixa do disco é nada menos que "One", que encerra o então Lado A e que está entre os três maiores clássicos do Metallica. Com uma introdução super melodiosa e lenta, a música traz uma letra com crítica à guerra e chega ao seu final no mais puro thrash metal, depois de contar com convite a um bate-cabeça inevitável em sua metade.

Metallica, nos tempos do Garage Inc. (Foto: Divulgação)

"One" também merece um destaque específico porque gerou o primeiro videoclipe do Metallica, banda que, por muitos anos, tinha uma postura totalmente contrária a clipes, por entender que aquilo era algo comercial demais. Tal postura, que também era uma forma de crítica à MTV, fazia o Metallica ser considerada pelos fãs de heavy metal como uma das "mais honestas" do planeta.

Justamente por isso, o clipe de "One" fez com que alguns fãs mais radicais torcessem o nariz, como se o Metallica "tivesse se vendido", segundo a análise desta corrente.

A despeito de posturas comerciais, o clipe é um marco não somente na carreira do Metallica, mas um dos mais clássicos da história do heavy metal. Simples, em preto e branco e gravado num galpão, não traz o grupo em carros, com mulheres ou com efeitos especiais. Traz simplesmente os músicos tocando plasticamente e de maneira entusiasmante.

O clipe traz uma versão mais curta, especial para o padrão MTV, e uma versão com cenas do excelente filme "Johnny Got His Gun" ("Johnny vai à Guerra"), de 1971, do diretor Dalton Trumbo, que retrata a vida do soldado Johnny, que perde braços e pernas em batalha da Primeira Guerra Mundial. O filme, assim como a letra de "One", é uma crítica à guerra, mas também levanta temas como a eutanásia.

O lado b de "…And Just For All" é iniciado com "The Shortest Straw". Essa excelente música do Metallica traz uma introdução de peso, letra que aborda discriminação e mudanças de andamento ao longo de toda a faixa, além de um dos solos mais emblemáticos de Kirk Hammett, a ponto de o guitarrista, por anos, conforme entrevistas, considerá-lo um dos seus melhores.

Vale destacar que, além de toda a complexidade do álbum, o Metallica usou vários efeitos de estúdio nas faixas do disco. "The Shortest Straw" traz uma série deles e gera uma empolgação natural nos fãs da banda, já que os efeitos deixaram as músicas ainda mais ricas.

A faixa seguinte, "Harvester of Sorrow", também usa e abusa destes efeitos. Logo na introdução, na transição para o riff inicial, o fã mais atento vai perceber que, ao fundo, há uma espécie de "som de filmes de terror", tocado de maneira invertida e na forma grave. É a música mais cadenciada do disco. Sem perder o peso, ela é uma das preferidas dos fãs, a ponto de fazer com o Metallica colocá-la nos repertório dos shows até os dias de hoje.

"The Frayed Ends of Sanity" vem na sequência. Traz uma introdução magnífica que virou até tema de comercial de rádio, durante o programa "Comando Metal" (89FM), da lendária loja de discos "Woodstock", ponto de encontro de headbangers no centro de São Paulo nos Anos 80.

A música é mais uma aula do Metallica, com variações de velocidade, grandes riffs de James, solos de Kirk Hammett e performance grandiosa de Lars Ulrich na bateria.

A semi-instrumental "To Live is To Die" á a penúltima faixa do disco do Metallica. Para muitos, ela é instrumental, pois apenas traz alguns versos falados na metade da música. Com isso, mantém a tradição do grupo de trazer pelo menos uma faixa instrumental nos quatro primeiros álbuns.

Com duração de 9 minutos e 49 segundos, ela é uma obra-prima da banda, com andamentos leves e melodiosos sendo intercalados com momentos pesados e densos.

Para muitos, esses momentos diferentes retratam exatamente a vida e a morte, sugeridas no título. Em um deles, o Metallica consegue usar efeitos que lembram violoncelos, num dos momentos mais belos e emocionantes de toda a carreira da banda. É também a única faixa que traz participação autoral de Cliff Burton e é uma clara homenagem ao baixista morto.

A última faixa do álbum é a poderosa "Dyers Eve", que mantém uma tradição do Metallica, na maioria de seus discos, de fechar o trabalho com a música mais pesada e rápida. Com letra que retrata problemas de família de James Hetfield, a faixa é um monumento ao thrash metal e passa pelos ouvidos dos fãs como se fosse um trem bala alucinado, fechando o disco com chave de ouro.

A versão japonesa de "…And Justice For All" (veja capa acima à esquerda) ainda trazia uma faixa bônus. "The Prince", cover do Diamond Head. Na época, esta versão com 10 músicas era um sonho dos fãs brasileiros. Vale destacar que a capa japonesa vem com um adesivo sugerindo o Metallica como "Os novos reis do heavy metal".

O álbum também faz parte da seleta lista do livro "1001 Discos Para Ouvir Antes de Morrer", de Robert Dimery.

Propagandas e elogios à parte, "…And Justice For All" está entre os grandes discos não só do Metallica, mas de toda a história do thrash metal. Capaz de influenciar toda uma geração, o álbum tem um papel importantíssimo na transição do grupo do underground para o mainstream e, mesmo não sendo incensado como os três primeiros da banda, tem seu lugar cativo como "clássico".

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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