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Galeria do Rock atinge marca negativa, mas a cena paulistana se mexe

Combate Rock

17/08/2018 06h47

Marcelo Moreira

Está ruim, e sempre pode piorar, como sempre acontece em países em crise permanente como Brasil, mas de vez em quando aparecem iniciativas que prometem uma luta mais intensa pela cultura e entretenimento.

O antigo templo brasileiro do rock vai lentamente agonizando lentamente no coração de São Paulo – a Galeria do Rock atingiu neste ano de 2018 a trágica marca de menor número de lojas de CDs e DVDs desde que a Baratos Afins ali se instalou 40 anos atrás.

Por outro lado, alguns músicos, jornalistas, produtores culturais e "formadores de opinião" (seja lá o que essa expressão significa hoje em dia) se reuniram na segunda semana de agosto no Memorial da América Latina para discutir ações e projetos que possam incrementar e estimular o rock e a música em geral na capital paulista.

Não para medir o peso de tais informações – elas se relacionam, mas não necessariamente servem de contrapeso mutuamente.

A decadência da Galeria do Rock enquanto casa da música é processo que já tem mais de dez anos. O centro comercial que virou atração turística paulistana e que foi "personagem" de novela da TV Globo atingiu um recorde negativo neste mês de agosto: sobraram apenas 14 lojas que ainda insistem no comércio de música, entre elas a sobrevivente Baratos Afins.

No auge, entre 1988 e 2000, a Galeria do Rock atingiu o pico da ocupação de lojas CDs e DVDs e outras coisas diretamente ligadas ao comércio de música. Mesmo com  as seguidas crises e planos econômicos, a Galeria do Rock abrigou 140 lojas em alguns períodos.

Entrada da Galeria do Rock (FOTO: DIVULGAÇÃO/WIKIPEDIA)

O século XXI chegou e detonou todas as previsões sobre o crescimento do negócio chamado música – aliás, detonou o negócio entretenimento em geral.

A disseminação da internet e os downloads ilegais transformaram a forma de como consumir cultura e impregnaram as novas gerações de uma noção perigosa e destrutiva: a de que tudo é de graça e que não é mais necessário pagar por quase nada, especialmente se o conteúdo for cultural ou de entretenimento.

Evidentemente, o consumo de bens culturais caiu vertiginosamente a partir de 2005 e o comércio físico de música foi duramente afetado.

As grandes lojas de departamentos e os hipermercados há muito baniram CDs e DVDs (somente algumas unidades das Lojas Americanas ainda vendem) e o comércio musical de rua sumiu – resistem ainda algumas lojinhas no centro de São Paulo e a Merci Discos, em Rudge Ramos, na cidade de São Bernardo.

Muitos comerciantes resistiram bastante, mas sucumbiram, como o caso da outrora potência Hellion Records, uma das maiores lojas da Galeria. Hoje é apenas um selo que licencia títulos internacionais em parceria com outras empresas.

"Quando eu cheguei à Galeria do Rock, na segunda metade dos anos 90, havia 88 lojas de discos que vendiam e cultivavam o rock. Depois esse número subiu um pouco, havia mais de cem pouco depois dos anos 2000, mas aí o mundo mudou e a música morreu", disse um comerciante que mantém loja no local ainda, mas que pediu para não ter o nome identificado.

Seu negócio ainda mantém a saúde financeira, assim como a pioneira e veterana Baratos Afins, mas as coisas estão cada vez mais difíceis. "Hoje as pessoas de todas as idades consomem música de muitas outras formas, que são bem mais baratas ou gratuitas – e nem sempre legais. CD, vinil e DVD viraram coisa de colecionadores, e ainda bem que ainda existem bastante deles por aí", diz o empresário dono de loja na Galeria do Rock.

Outro dono de loja, bastante crítico em relação aos rumos que a Galeria do Rock tomou, mostra resignação. "Havia a promessa de que o rock e a música sempre predominaria, mesmo com os problemas de consumo físico de produtos. No entanto, hoje o que se vê é a proliferação de lojas de bugigangas, brinquedos e roupas cada vez menos relacionadas ao rock. Outro dia almocei com um funcionário de uma loja de camisetas e ele estava bravo porque teria de refazer a arrumação de vitrines e do interior da loja. A ordem do gerente era expor camisetas relacionadas a super-heróis e de personagens de minisséries e filmes de aventura."

A marca negativa de apenas 14 lojas vendendo música é a morte definitiva da Galeria do Rock como a conhecemos. "Estamos na UTI. É o fundo do poço. Fomos o maior centro de venda de música do mundo e agora estamos relegados a um fim doloroso e lento. Não sei o quer poderia ser feito para evitar ou atrasar esse movimento, mas certamente dava para ter feito alguma coisa, mas acho que não houve interesse de gestores e de empreendedores. A ideia de que a Galeria do Rock viraria uma instituição cultural não pegou. Estou pessimista",diz esse outro lojista.

E a 'cena' se movimenta

Se o destino da Galeria do Rock parece selado, eis que uma fagulha de esperança surge em um setor do mercado musical paulistano.

Um grupo de músicos, jornalistas, produtores culturais, ainda de forma incipiente, se reuniu em meados de agosto no Memorial da América Latina para discutir o momento atual da música brasileira e do rock nacional para trocar ideias e criar formas de incentivo a projetos variados.

A pauta deste encontro fez parte do evento "Futuro na Cultura". A iniciativa tem como objetivo expandir o Rock paulista para as programações culturais do Estado – além da música, artistas plásticos, poetas, escritores e novos talentos, segundo a nota oficial publicada pelo ótimo site Rockbrasileiro.net.

Infelizmente o encontro foi pouco divulgado, já que merecia uma atenção maior de todos os que lutam pelo fortalecimento – ou reerguimento – da música nacional.

A lista de profissionais que estão escalados para o júri dos projetos que podem vir a receber incentivo é grande e interessante, embora pudesse ser mais abrangente.

Queiramos ou não, a chamada grande imprensa, ou imprensa tradicional, ainda exerce papel importante no combalido mercado musical, seja com entrevistas, análises ou a simples divulgação de shows e eventos.

Gente bacana como Luiz César Pimentel (hoje escrevendo na Roadie Crew), Vitão Bonesso (Backstage e rádio Kiss FM), Julio Maria (O Estado de S. Paulo), Adriana de Barros (UOL) e Sergio Martins (Veja), por exemplo, teriam muito a contribuir.

Seja como for, a iniciativa é válida e necessária para que novas ideias surjam e possa dar início a projetos relevantes que façam a cena musical paulista e brasileira a ganhar mais fôlego, principalmente no rock.

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

Sobre o Blog

O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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